6 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITA A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO ARGUIDA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO COM BASE NO ART. 1.015, II, DO CPC/2015. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. QUESTÕES DE MÉRITO, SEJA NO ACOLHIMENTO, SEJA NA REJEIÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.738.756 - MG (2018/0102683-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITA A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO ARGUIDA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO COM BASE NO ART. 1.015, II, DO CPC/2015. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. QUESTÕES DE MÉRITO, SEJA NO ACOLHIMENTO, SEJA NA REJEIÇÃO. 

1- Ação proposta em 27/10/2007. Recurso especial interposto em 26/09/2017 e atribuído à Relatora em 08/05/2018. 

2- O propósito recursal consiste em definir se a decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento interposto com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. 

3- O CPC/2015 colocou fim às discussões que existiam no CPC/73 acerca da existência de conteúdo meritório nas decisões que afastam a alegação de prescrição e de decadência, estabelecendo o art. 487, II, do novo Código, que haverá resolução de mérito quando se decidir sobre a ocorrência da prescrição ou da decadência, o que abrange tanto o reconhecimento, quanto a rejeição da alegação. 

4- Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente na sentença, não há óbice para que essas questões sejam examinadas por intermédio de decisões interlocutórias, hipótese em que caberá agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, sob pena de formação de coisa julgada material sobre a questão. Precedente. 

5- Provido o recurso especial pela violação à lei federal, fica prejudicado o exame da questão sob a ótica da divergência jurisprudencial. 

6- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por MARCOS HENRIQUE DE PAULA PEREIRA, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/MG que, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente. 

Recurso especial interposto e m: 26/09/2017. Atribuído ao gabinete e m: 08/05/2018. 

Ação: indenizatória, ajuizada por MARIA ELIS DOS SANTOS, fundada em erro médico alegadamente causado por MARCOS HENRIQUE DE PAULA e MATERNIDADE P. P. DOUTOR EUGÊNIO GOMES DE CARVALHO. 

Decisão interlocutória: em saneamento e organização do processo, foi indeferido o pedido de inversão do ônus da prova e foi rejeitada a alegação de prescrição suscitada pelos réus (fls. 17/18, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO INTERNO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO – HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ART. 1.015 DO CPC/2015 – ROL TAXATIVO – RECURSO NÃO PROVIDO. Não há que se falar em reforma da decisão monocrática que negou seguimento ao recurso, ante a ausência de previsão da hipótese dos autos no rol do art. 1.015 do CPC/2015, na medida em que tal rol estabelece taxativamente os casos de cabimento do agravo de instrumento. (fls. 127/132, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados, por unanimidade, com imposição de multa (fls. 151/157, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação aos arts. 487, II, e 1.015, II, ambos do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 160/169, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se a decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento interposto com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 487, II, E 1.015, II, AMBOS DO CPC/2015. 

Afastada, por intermédio de decisão interlocutória, a alegação de prescrição suscitada em 1º grau de jurisdição, foi interposto o recurso de agravo de instrumento pelo recorrente com fundamento nos arts. 487, II, e 1.015, II, ambos do CPC/2015, que assim dispõem: 

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; (...) Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: V – mérito do processo. 

O agravo de instrumento não foi conhecido por intermédio de decisão unipessoal do Relator ao fundamento de que o conteúdo da decisão interlocutória não se enquadrava no art. 1.015, II, do CPC/2015. A decisão foi mantida pela Câmara Julgadora por ocasião do desprovimento do agravo interno interposto pelo recorrente, assentando-se o seguinte fundamento: 

Neste sentido, não pode, de fato, a irresignação do agravante ser objeto de análise por esta Instância Recursal, eis que a decisão que rejeitou a preliminar de prescrição suscitada em contestação não encontra guarida no mencionado rol, sendo importante esclarecer apenas que tal matéria, sob nenhuma ótica, pode ser vista como julgamento do mérito da ação, não se subsumindo na hipótese prevista no inciso II do mencionado dispositivo legal, tal como pretende fazer crer o recorrente. (fls. 129/130, e-STJ). 

Em primeiro lugar, não há dúvida de que a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da decadência, no CPC/73 e também no CPC/2015, é um pronunciamento jurisdicional de mérito. 

Seja como uma “falsa” decisão de mérito (como defende Cássio Scarpinella Bueno), seja como uma “atípica” decisão de mérito (nos ensinamentos de Teresa Arruda Alvim), seja ainda como uma “preliminar” ou “prejudicial” de mérito (como afirma Fredie Didier Jr.), fato é que houve uma indiscutível opção do legislador por qualificar as decisões que pronunciam a prescrição ou a decadência como decisões de mérito, não havendo, nesse particular, nenhuma inovação significativa da recém-aprovada legislação processual. Contudo, no que se refere à decisão que rejeita a prescrição ou a decadência, hipótese do presente recurso especial, havia divergência doutrinária em virtude do conteúdo do art. 269, IV, do CPC/73, que, literalmente, limitava a qualificação da decisão como de mérito somente à hipótese em que o juiz pronunciava a prescrição ou decadência, o que, a contrario sensu, levaria à conclusão de que a decisão que as rejeitava não seria de mérito (posição sustentada, por exemplo, por Enrico Tullio Liebman, dentre outros). 

É preciso estar atento, todavia, que a nova legislação processual modificou substancialmente os dispositivos legais que regem a prescrição, a decadência e o conceito de mérito, o que se refletirá, evidentemente, no cabimento do recurso de agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015. 

A esse respeito, registre-se que o art. 487, II, do CPC/2015 (que corresponde, em parte, ao art. 269, IV, do CPC/73), não mais qualifica como de mérito apenas a decisão que pronuncia a prescrição ou decadência, mas, ao revés, afirma que haverá resolução de mérito quando o juiz “decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição”. 

O conceito de “decidir sobre a ocorrência” é claramente mais amplo do que apenas “reconhecer a existência de”, motivo pelo qual é correto afirmar que o art. 487, II, do CPC/2015, passou a abranger, indiscutivelmente, o acolhimento e também a rejeição da alegação de prescrição ou decadência, com aptidão inclusive para, em ambas as hipóteses, formar coisa julgada material sobre essas questões. 

Diante desse cenário, embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias. 

A praxe forense, aliás, revela que as hipóteses de rejeição da alegação de prescrição ou de decadência ou de reconhecimento de sua ocorrência sobre parte ou sobre algum dos pedidos, na verdade, normalmente ocorrem antes da sentença, mais precisamente na decisão saneadora (como na hipótese do presente recurso especial), ocasião em que usualmente são decotadas as questões de fato e de direito relevantes da controvérsia para a subsequente fase instrutória. 

Nesse contexto, anote-se que o conteúdo do art. 1.015, caput, do CPC/2015 é suficientemente amplo - “cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre” -, de modo que, tendo sido proferida uma decisão interlocutória que diga respeito à prescrição ou à decadência (art. 487, II), o recurso de agravo de instrumento é cabível com base no inciso II do art. 1.015, pois a prescrição e a decadência são, na forma da lei, questões de mérito. 

Sublinhe-se que a doutrina já se debruçou exatamente sobre a questão debatida no presente recurso especial: 

No curso do procedimento, é possível haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC. O disposto no art. 1.015, II, do CPC, confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro, decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade. Se o agravo de instrumento não for interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta da sentença que ainda será proferida. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 252/253). (...) 

4.1. Outrossim, as decisões que rejeitarem incidentalmente questões afeitas ao mérito permitem o manejo do agravo de instrumento. Cogite-se da situação em que o juiz rejeite a alegação de prescrição em decisão interlocutória, tal provimento será atacável na via do agravo de instrumento, sob pena de ser coberto pela coisa julgada no particular. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.072). 

Finalmente, registre-se que esta Corte, em recente julgado, posicionou-se no sentido de que “a decisão sobre prescrição e decadência é, consoante o art. 487, II, de mérito, não havendo razão para somente permitir a interposição de Agravo de Instrumento da decisão que reconhece os dois institutos” (REsp 1.695.936/MG, 2ª Turma, DJe 19/12/2017). 

Em síntese, o acórdão recorrido violou os arts. 487, II, e 1.015, II, ambos do CPC/2015. 

2. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. 

Acolhido o recurso especial pela alínea “a” do permissivo constitucional, fica prejudicado o exame da irresignação sob a ótica da divergência jurisprudencial. 

3. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/MG para que examine a alegação de existência de prescrição suscitada pelo recorrente, afastando-se, por decorrência lógica, as multas aplicadas ao recorrente pela interposição de agravo interno reputado como manifestamente inadmissível e pela oposição de embargos de declaração reputados como manifestamente protelatórios. 

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