7 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Execução Indireta ou por coerção - Eduardo Talamini

“Os mecanismos coercitivos contrapõem-se aos sub-rogatórios, pelos quais o próprio poder jurisdicional, mediante atos diretos do juiz ou de auxiliares seus, produz o resultado que se teria com o cumprimento da decisão. Na concepção clássica de processo, a atuação executiva deveria dar-se basicamente mediante meios sub-rogatórios [cita-se aqui Processo de Execução, de MUNHOZ DE MELLO, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1980, pp. 2-6]. Quando não fosse viável a substituição da conduta do obrigado por providências judiciárias, a execução específica era tida por “impossível” e restava apenas o caminho da conversão em perdas e danos. Na concepção clássica de processo, as coisas paravam por aí. O juiz não poderia emitir ordens às partes. Essa noção está superada... ... [Quanto à proporcionalidade da providência coercitiva que pode ser adotada:] Primeiro, fica afastada a adoção de qualquer medida que o ordenamento vede... ... Depois (...), terão de ser considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que norteiam toda atuação estatal [o autor aqui cita outro trabalho de sua autoria, Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer, pp. 376 e ss.]. As providências adotadas devem guardar relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior que o necessário. O art. 805 do CPC/15 (...) nada mais é do que a expressão dessas diretrizes no processo executivo. Daí que a formulação contida nessa norma é por igual aplicável às demais modalidades de processo... ... ... A medida de coerção é mecanismo essencialmente pragmático (...). [S]ua função essencial não é punir, o parâmetro principal de sua adequação não é a “justa retribuição”. Não se trata de sancionar à altura do mal já cometido, mas de sancionar do modo mais eficaz possível para que o mal cesse... ... ... Cada vez mais o processo é apto a produzir resultados que incidem vinculativamente muito além das partes. Em contrapartida, intensificam-se os mecanismos de participação desses terceiros nos processos em que eles não são partes... ... A multa processual tende a ser mecanismo extremamente eficaz, nos casos em que o destinatário da ordem tem patrimônio executável e desde que fixada em valor adequado. Mas, no mais das vezes, não é a sua simples cominação que induzirá a conduta do “devedor”. Enquanto ela não é de algum modo executada, o destinatário da ordem frequentemente se apega à perspectiva de sua eliminação ou redução. E suas esperanças fundam-se não apenas no provimento do recurso contra a decisão que impôs a multa, como também em futura revisão retroativa do valor total atingido pela multa... ... A efetiva adoção de medidas patrimoniais traz o “devedor” de volta à realidade. Faz com que ele deixe aquelas apostas de lado e enfrente de uma vez a questão: qual o “mal” que ele pretende afinal suportar ? o derivado do cumprimento da ordem ou aquele gerado pela medida de coerção. Em suma: a “pronta afetação do patrimônio do réu através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de influência psicológica. A perspectiva remota e distante da execução do trânsito em julgado nada ou muito pouco impressiona” [de novo, invoca-se, do próprio autor, Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e Não Fazer, agora à p. 259]. Há caso muito similar ao ora em análise em que a efetiva adoção de providências de constrição patrimonial, em vez da simples cominação de multa, mostrou-se como medida de coerção. (...) [A] Google brasileira recusou-se a fornecer informações relativas a conversas realizadas no serviço de correio eletrônico Gmail (...). A multa foi cominada e vinha incidindo, sem sucesso. Havia atingido o valor de dois milhões de reais. Até que se tomaram as providências patrimoniais constritivas para sua execução, com o bloqueio de aplicações financeiras da Google brasileira (...). Depois disso, cumpriu-se a ordem judicial de apresentação das informações requisitadas [anota-se referência a feito que correu na 2ª Vara Federal de Curitiba sob o n. 5048457-24.2013.404.7000/PR]. ... Depois, (...) há sólidos argumentos para se reconhecer a competência do juiz penal para a execução do crédito derivado da multa, sem prejuízo da aplicação, nessa atividade executiva, das normas do CPC sobre o tema. A multa periódica [isto é, astreinte] não tem caráter indenizatório (CPC/15, art. 500...). Logo, a competência do juiz cível para a execução dos danos resultantes do crime (CPC/15, art. 516, III...) não se estende necessariamente a tal hipótese. Na medida em que a execução do crédito advindo da multa processual desempenha papel relevante para a própria eficácia coercitiva da medida, é razoável reconhecer-se que a competência executiva deve ser atribuída ao mesmo órgão que detém a competência para sua cominação, alteração e extinção: o juiz criminal. ... Do mesmo modo, se o bloqueio de aplicações financeiras fosse adotado como medida coercitiva atípica, em si mesma e não como início de execução da multa, a competência também seria do juiz penal. 

TALAMINI, Eduardo, Medidas coercitivas e proporcionalidade: o caso WhatsApp (coleção Repercussões do novo CPC), coordenadores CABRAL, Antonio do Passo; PACELLI, Eugênio et CRUZ, Rogerio Schietti. Salvador, Juspodivm, 2016, pp. 380/381, 383/385, 391, 393/394, 396/397.

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