4 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: exigibilidade do cheque prescrito - Gladston Mamede

A prescrição do cheque não implica prescrição do negócio subjacente, tomando-se o princípio da autonomia por ângulo inverso, razão pela qual é possível ao credor aforar uma ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não pagamento da cártula (...). Trata-se de ação ordinária (processo de conhecimento). Prescrito o cheque, não há mais falar em declaração unilateral de vontade, nem nas garantias cambiais da autonomia, da independência e da abstração. A pretensão se funda no negócio subjacente, impedindo que uma parte enriqueça indevidamente à custa da outra. Não é mais o cheque, por si, o fundamento da pretensão, mas o fato jurídico no qual foi emitido. (...) A Lei nº 7.357/85, contudo, se desatualizou com a criação da ação monitória, agora regulada pelos artigos 700 e seguintes no novo Código de Processo Civil. Meio processual mais eficaz, a ação monitória passou a ser preferida como meio para se evitar o enriquecimento indevido do devedor em face do cheque prescrito. Prescrito o cheque, desaparecem as relações meramente cambiais, preservando-se apenas as obrigações resultantes dos negócios subjacentes à existência da cártula. (...) Parece-me que a denominação ação de locupletamento, assim como a ação monitória, deve obrigatoriamente girar em torno do negócio jurídico fundamental, descrevendo-o; o cheque prescrito vê-se rebaixado à mera condição de uma prova do fato do qual se originara a obrigação de pagar. A causa debendi ganha importância, já que, com a prescrição do cheque, não mais se aplicam os princípios do Direito Cambiário. Assim, a ação para impedir o enriquecimento sem causa do emissor do cheque torna-se um amplo espaço para a rediscussão do fato gerador da obrigação.


MAMEDE, Gladston. Títulos de crédito. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. p. 194-195.

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