4 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Prescrição - Humberto Theodoro Júnior

A prescrição, porém, pode ser livremente renunciável pelo devedor (Cód. Civil, art. 194), nunca pôde (segundo a tradição do direito material) ser decretada de ofício pelo juiz (Cód. Civil de 2002, art. 194). Abria-se no direito material exceção apenas para os devedores absolutamente incapazes, cujos interesses em torno da prescrição eram tratados como indisponíveis e, por isso mesmo, tuteláveis pelo juiz, independentemente da provação dos respectivos representantes legais (Cód. Civil de 2002, art. 194, in fine). A pretexto de imprimir maior celeridade ao processo, a Lei n. 11.280, de 16.02.2006, alterou o texto do § 5º do art. 219 do CPC de 1973, para dispor, contra todas as tradições do direito ocidental, que, em qualquer caso, "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição". A nosso sentir, essa revolucionária regra processual não teve o alcance que o afoito legislador pretendeu, pois a sistemática da prescrição é própria do direito material, e na sede que lhe é específica não há, em regra, como fazer a vontade do juiz passar por cima da autonomia da vontade das partes, quando o que está em questão é um direito potestativo da livre disposição do respectivo titular 

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum - Vol. I. 58ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1.057. 


O legislador, ao tratar da sentença de mérito (art. 487), estabeleceu que, no caso de prescrição ou decadência, o juiz, embora possa atuar de ofício, não as reconhecerá "sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se" (art. 487, parágrafo único). Contudo, ressalvou que, no caso da improcedência liminar do pedido (art. 332, § 1º), a oitiva das partes não será exigível. Malgrado o Código dispense a manifestação prévia dos litigantes na hipótese em análise, nenhum juiz tem, na prática, condições de, pela simples leitura da inicial, reconhecer ou rejeitar uma prescrição. Não se trata de uma questão apenas de direito, como é a decadência, que se afere por meio de um simples cálculo do tempo ocorrido após o nascimento do direito potestativo de duração predeterminada. A prescrição não opera ipso iure; envolve necessariamente fatos verificáveis no exterior da relação jurídica, cuja presença ou ausência são decisivas para a configuração da causa extintiva da pretensão do credor insatisfeito. Sem dúvida, as questões de fato e de direito se entrelaçam profundamente, de sorte que não se pode tratar a prescrição como uma simples questão de direito que o juiz possa, ex officio, levantar e resolver liminarmente, sem o contraditório entre os litigantes. A prescrição envolve, sobretudo, questões de fato, que, por versar sobre eventos não conhecidos do juiz, o inibem de pronunciamentos prematuros e alheios às alegações e conveniências dos titulares dos interesses em confronto.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum - Vol. I. 58ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 785.

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