8 de maio de 2021

LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA (ACP N. 0632533-62.1997.8.26.0100/SP). PROLAÇÃO DE ACÓRDÃO GENÉRICO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA RECURSAL AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. DESCABIMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OCORRÊNCIA. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO

RECURSO ESPECIAL Nº 1880319 - SP (2020/0148958-0) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA EM EMPRESA DE TELEFONIA. LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA (ACP N. 0632533-62.1997.8.26.0100/SP). PROLAÇÃO DE ACÓRDÃO GENÉRICO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA RECURSAL AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. DESCABIMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OCORRÊNCIA. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 

1. Controvérsia acerca da validade de acórdão genérico prolatado pelo Tribunal 'a quo', delegando ao juízo de primeiro grau a atribuição de aplicar o referido acórdão ao caso concreto, sob a justificativa da existência de multiplicidade de recursos versando sobre questões atinentes à liquidação da sentença proferida na ação civil pública n. 0632533-62.1997.8.26.0100/SP. 

2. Nos termos do art. 489, § 1º, inciso V, do CPC/2015, não se considera fundamentada a decisão ou acórdão que "se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos". 

3. Imprescindibilidade, no exercício da jurisdição em caráter difuso, da resolução das questões atinentes à especificidade do caso sob julgamento. Doutrina sobre o tema. 

4. Inobservância da regra do art. 489, § 1º, inciso V, do CPC/2015 no caso concreto. 

5. Inviabilidade de delegação de competência funcional hierárquica ao juízo de primeiro grau para aplicar o referido acórdão genérico ao caso dos autos, em virtude da ausência de previsão legal. 

6. Recomendação para que seja instaurado incidente de demandas repetitivas no Tribunal de origem para enfrentar de maneira uniforme a multiplicidade de recursos identificada naquele sodalício. 

7. Anulação do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional, restando prejudicado o mérito recursal. 

8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 17 de novembro de 2020. Ministro 

RELATÓRIO 

Trata-se de recurso especial interposto por TELEFÔNICA BRASIL S.A. em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: 

AGRAVO INTERNO Controvérsia a respeito da decisão monocrática que definiu o método dos cálculos na liquidação envolvendo a TELEFÔNICA Ausência das nulidades alegadas pela agravante Mérito. Juros de Mora incidentes a partir da citação do devedor na fase de conhecimento Resp 1689245/SP. Agravo Interno DESPROVIDO. (fl. 141) 

Em suas razões, alega a parte recorrente violação aos arts. 489, inciso II, 503, caput, e 509, § 4º, do CPC/2015, sob os argumentos de: (a) negativa de prestação jurisdicional; (b) ausência de previsão no título executivo da dobra acionária, dos dividendos e dos juros sobre capital próprio. Contrarrazões às fls. 181/7. 

É o relatório. 

VOTO 

Eminentes colegas, o recurso especial merece ser provido. 

O presente recurso se origina de agravo de instrumento interposto no curso de liquidação individual da sentença coletiva proferida nos autos da Ação Civil Pública no 0632533-62.1997.8.26.0100, que tramitou perante a 15° Vara Cível do Fórum Central Cível da Comarca de São Paulo. 

O título executivo formado nessa ação coletiva foi lavrado com a seguinte parte dispositiva: 

[...] condenando, ainda, as rés solidariamente a: 1) a emitir as ações, de acordo com o valor dos contratos integralizados, consistentes nas ações preferenciais e ordinárias, entregando-as aos subscritores, ou fazendo seu pagamento, na forma mais favorável ao consumidor adquirente de plano de expansão de linha telefônica no Estado de São Paulo, com base no valor patrimonial, de conformidade com a obrigação assumida na cláusula 2.1, do contrato denominado de participação financeira em investimentos para expansão e melhoramentos dos serviços públicos de comunicações e outras avenças [...]. (cf. REsp 1.868.740/SP, fl. 5) 

No curso da liquidação, a parte ora recorrente se insurgiu, via agravo de instrumento, contra decisão do juízo de origem que determinou: "(i) a entrega de dividendos, complementos, bonificações e demais vantagens que o deveriam ter sido entregues; (ii) a conversão da obrigação em perdas e danos, (iii) que os juros moratórios fossem devidos desde a citação no processo de o conhecimento e (iv) o reconhecimento da dobra acionária" (fl. 3). 

O relator do agravo de instrumento no Tribunal de origem proferiu, então, uma decisão monocrática genérica, enfrentando em tese as questões comumente versadas nos recursos oriundos da liquidação da referida sentença coletiva, e delegando ao juízo de origem a adequação do provimento ao caso concreto. 

De tão inusitado esse decisum, merece transcrição, na parte que interessa ao presente voto: 

Em virtude do ingresso de mais de 6.000 recursos atinentes ao cumprimento de sentença do caso Telefônica, a Turma Julgadora decidiu, para dinamizar os trabalhos, elaborar um voto padrão que abranja o posicionamento definitivo sobre todas as questões incidentes e que entraram em pauta de julgamento. Frise-se que poderá ocorrer, sem que se cogite de qualquer nulidade, que de uma mesma decisão sejam interpostos dois agravos de instrumento (do contratante e da Telefonica) e que não serão julgados em um único voto em virtude do excesso de recursos que impede o apensamento e julgamento conjunto. Serão, os casos decorrentes da ACP da Telefonica, decididos isoladamente com esta mesma fundamentação e dispositivos, competindo ao juiz de primeiro grau reunir tais decisões e proceder ao cumprimento único das determinações desta Corte. 

........................................................... 

A providência, como esposado, justifica-se diante dapremente necessidade de concretizar a prestação jurisdicional de modo efetivo a milhares de casos que envolvem o tema, devendo as partes, bem como os juízos monocráticos, aplicar os parâmetros aqui definidos no que couber em dado caso concreto. 

........................................................... 

Isto posto, o Tribunal dá provimento, em parte, para determinar que o Juízo de Primeiro Grau, diante das matérias elencadas e justificadas de forma generalizada, organize e desenvolva os atos preparatórios da mensuração do quantum, a partir dos seguintes capítulos que serão adaptados na fase de cumprimento do Acórdão: 

........................................................... (

fls. 46/7 e 80/1, sem grifos no original) 

Contra essa decisão genérica, a parte ora recorrente interpôs agravo interno, alegando nulidade do decisum, e deduzindo argumentação de mérito. 

Sobre a alegação de nulidade, transcreve-se das razões do agravo interno: 

A r. decisão monocrática ressente-se da presença de dois dos elementos da sentença: o relatório e o dispositivo. Primeiro, não se declina o que é objeto de julgamento, listando-se, genericamente, diversas questões que já foram submetidas à apreciação dessa e. Câmara, sem qualquer relação com o recurso efetivamente julgado. Eis o que consta no relatório: 

........................................................... 

Tampouco há dispositivo. A r. decisão não julga o caso submetido à sua análise, mas determina que as partes e o juiz de 1° grau o façam, em seu lugar: 

........................................................... (fl. 91) 

No julgamento desse agravo interno, o Tribunal de origem rejeitou, de forma lacônica, a preliminar de nulidade e, no mérito, enfrentou, de forma genérica, a controvérsia acerca dos juros de mora, negando provimento ao agravo interno. 

Confira-se: 

De início, não bastassem as justificativas para o julgamento ter se dado de forma monocrática, em obediência ao art. 932 do CPC, convém consignar que isso não implica em ofensa ao princípio da colegialidade e/ou cerceamento de defesa, pois há possibilidade de interposição de agravo interno, o que permite que a matéria seja reapreciada, afastando os vícios alegados pela agravante, inclusive os de ordem formal da decisão. No que atine ao mérito, os argumentos não procedem. Quanto a data de início de incidência dos juros de mora, essa questão foi devidamente tratada no v. acórdão, sendo certo que a decisão colegiada deixou absolutamente cristalino o entendimento no que se refere ao caso narrado, elucidando de forma apropriada os fundamentos que embasaram a decisão, de modo que incabível o presente recurso. (fl. 142/3) 

Em face desse acórdão, a parte ora recorrente interpôs o presente recurso especial, devolvendo a esta Corte Superior a preliminar de nulidade, bem como a controvérsia de mérito relativa à dobra acionária, aos dividendos e aos juros sobre capital próprio. 

Assiste razão à ora recorrente no que tange à preliminar de nulidade do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional. 

Embora a elevada multiplicidade de recursos retratada na decisão monocrática do relator do agravo de instrumento na origem seja algo alarmante, a ponto de comprometer a capacidade daquele colegiado de prestar jurisdição em tempo razoável, como bem apontou aquele relator, a solução para esse quadro de multiplicidade de recursos não pode escapar dos limites da legalidade. 

E, no caso dos autos, a lei processual civil foi flagrantemente desrespeitada, ao se prolatar um acórdão genérico, que apenas elenca os entendimentos pacificados na jurisprudência daquela Corte, sem resolver, efetivamente, as questões devolvidas no caso concreto sob julgamento. 

A necessidade de que as decisões judiciais sejam particularizadas, no exercício difuso da jurisdição, é regra basilar do processo civil, encontrando-se enunciada no art. 489, inciso III, e § 1º, incisos III e V, do CPC/2015, abaixo destacados: 

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. 

 Em âmbito doutrinário, há unanimidade quanto a esse ponto, como bem asseverou a parte ora recorrente nas razões do apelo nobre, fazendo referência à doutrina de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA (fl. 150). Confira-se: 

"É que incumbe ao órgão jurisdicional proferir urna decisão que seja a solução do caso concreto, personalizada, e não ter decisões prontas, produzidas para utilização em larga escala, sem respeitar as características de cada caso concreto que seja deduzido em juízo. Isto é extremamente importante especialmente (mas não apenas) no que diz respeito às demandas de massa, repetitivas. É que não obstante o caráter repetitivo que ostentam, todas elas têm características individuais que são irrepetíveis, e que precisam ser consideradas pelo órgão jurisdicional no momento de se proferir a decisão. (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, 4' ed. ver. e atual. Atlas, São Paulo, 2018, p. 284) 

De outra parte, causa espécie a já mencionada determinação do relator para que os juízos de 1ª instância procedam à aplicação do acórdão genérico ao caso concreto. Essa determinação configura delegação de competência jurisdicional (especificamente a competência funcional hierárquica), também sem amparo legal. 

Por fim, registre-se que a solução legalmente prevista no CPC/2015 para enfrentar o cenário de multiplicidade de recursos identificado pelo relator do Tribunal de origem é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, previsto no art. 976 do CPC/2015, abaixo transcrito: 

Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. ................................................................... 

Trata-se de incidente da competência do próprio Tribunal de origem, que pode ser instaurado por iniciativa do relator, sem necessidade de se aguardar uma afetação de repetitivo por esta Corte Superior, o que, aliás, não parece ser por ora recomendável, uma vez que a multiplicidade de recursos se encontra localizada no Estado de origem, não se tratando, portanto, de uma controvérsia de abrangência nacional, a justificar a fixação de uma tese diretamente nesta Corte Superior. 

Recomenda-se, portanto, que seja instaurado um IRDR no Tribunal de origem, respeitada a independência funcional dos magistrados integrantes daquele sodalício. 

Destarte, o recurso especial merece ser provido. 

Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso especial para anular o acórdão recorrido, determinando que outro seja proferido, com o devido enfrentamento das questões suscitadas pelas partes no caso concreto. 

Em virtude do acolhimento da preliminar de negativa de prestação jurisdicional, fica prejudicada a abordagem do mérito recursal. 

Advirta-se para o disposto nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC/2015. 

É o voto. 

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