1 de maio de 2021

Prescrição e Teoria da actio nata - REsp. 1.736.091, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16/05/2019

REsp. 1.736.091, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16/05/2019


DA PRESCRIÇÃO E DA TEORIA DA ACTIO NATA NA FEIÇÃO SUBJETIVA 

O Código Civil de 1916 ainda não albergava os avanços da moderna ciência processual, assinalando, em seu art. 177, que a prescrição estaria relacionada às “ações pessoais”, adotando, assim, a teoria imanentista da ação, segundo a qual o direito de ação era indissociavelmente ligado ao direito material. A Súmula 150/STF, de igual maneira, adotava a teoria imanentista, ao consignar que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (sem destaque no original). 

O atual Código Civil adequou-se, todavia, à atual teoria do direito subjetivo público e abstrato de ação, passando a prever, em seu art. 189, que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (sem destaque no original). 

Como se vê, a perspectiva normativa foi modificada, haja vista no CC/16 ser feita referência à ação do tempo sobre as “ações pessoais”, ao passo que o CC/02 faz menção à prescrição da pretensão. 

Com efeito, a doutrina ressalta no ponto que “o novo Código Civil brasileiro esposou o entendimento antes consagrado pelo direito alemão, no sentido de conectar a ideia de prescrição ao fenômeno da pretensão, ou da 'Anspruch', na linguagem tedesca” (Theodoro Júnior, Humberto. Prescrição: ação, exceção e pretensão. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 9, n. 51, p. 22-39, nov./dez. 2012). 

Trata-se, pois, de um notável refinamento conceitual. 

Nesse contexto, a prescrição gera a extinção da pretensão e se relaciona unicamente à pretensão e, assim, a esse específico aspecto do direito material violado, haja vista que o direito subjetivo material em si quanto o direito subjetivo processual de ação permanecem incólumes. 

De fato, a prescrição fulmina a pretensão, mantendo a existência do direito subjetivo material, mas sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade que uma dívida prescrita pode ser paga, apesar de não poder ser exigida, e, sendo paga, não caberá a ação de repetição de indébito, conforme previsão expressa do art. 882 do CC/02. 

Diante desses esclarecimentos, “a prescrição pode ser conceituada como a perda da pretensão pelo seu não exercício em determinado lapso temporal, estando relacionada a direitos subjetivos de cunho patrimonial” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Prescrição. Conceito e princípios regentes. Início do prazo e teoria da Actio Nata, em sua feição subjetiva. Eventos continuados ou sucessivos que geram o enriquecimento sem causa. Lucro da atribuição. Termo a quo contado da ciência do último ato lesivo. Análise de julgado do Superior Tribunal de Justiça e relação com eventos descritos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. 70, p. 98-126, jan./fev. 2016). 

3.1. Da Teoria da actio nata 

A Teoria da actio nata tem intrínseca relação com a distinção, no campo material, entre o direito subjetivo e a pretensão, haja vista ter como pedra fundamental o momento da exigibilidade da prestação – ou seja, a pretensão – para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescricional. 

Realmente, segundo referida teoria, o prazo prescricional somente pode iniciar seu curso a partir do momento em que a prestação se torne exigível, com a violação do direito subjetivo. 

Desse modo, como afirmado por esta e. Terceira Turma, “o prazo prescricional subordina-se ao princípio da actio nata: o prazo tem início a partir da data em que a credora pode demandar [...] a satisfação do direito”, razão pela qual “antes que exista uma pretensão exercitável, não pode correr a prescrição” (REsp 949.434/MT, Terceira Turma, DJe 10/06/2010, sem destaque no original). 

De igual forma, a Quarta Turma pontua que “o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado” (AgInt no REsp 1388503/RJ, Quarta Turma, DJe 18/02/2019, sem destaque no original). 

3.1. Da vertente subjetiva da teoria da actio nata 

Embora, em regra, o início do prazo prescricional tenha início com o nascimento da pretensão – ou seja, com a exigibilidade da prestação –, a vertente subjetiva da teoria da actio nata ensina que a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

Elaborando a ideia de “pretensão exercitável”, a doutrina salienta, quanto ao tema, que “não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato” e que “trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir”, de modo que “não basta assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela [a pretensão]” (SIMÃO, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268, sem destaque no original). 

Assim, conforme reconheceu esta e. 3ª Turma, adotando o escólio de CÂMARA LEAL (Da Prescrição e da Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1982. p. 20-24), são quatro as condições para o início do prazo prescricional “a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício; c) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso” (REsp 1.347.715/RJ, Terceira Turma, DJe 04/12/2014, sem destaque no original). 

A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva – e a contagem do prazo a partir do momento em que o titular tem o total conhecimento dos fatores que compõe a lesão e o dano – é, contudo, excepcional.

Com efeito, segundo a jurisprudência desta 3ª Turma, “admite-se a aplicação da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável para o início do prazo de prescrição”, mas “essa teoria tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida” (REsp 1711581/PR, Terceira Turma, DJe 25/06/2018, sem destaque no original). No mesmo sentido: REsp 1.645.746/BA, Terceira Turma, DJe 10/08/2017; e REsp 1354348/RS, Quarta Turma, DJe 16/9/2014. 

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