8 de maio de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.326 - RN: DA AÇÃO RESCISÓRIA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.326 - RN (2017/0067009-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 


DA AÇÃO RESCISÓRIA 

O principal efeito do trânsito em julgado material das decisões judiciais de mérito é imutabilidade da relação jurídica por ela decidida, servindo, pois, ao propósito de evitar a perpetuidade dos litígios, pacificando as pretensões resistidas, e de impedir a manutenção da insegurança jurídica acerca de matéria submetida ao crivo jurisdicional. No entanto, diante da possibilidade de que decisões judiciais de mérito que contenham vícios graves sejam revestidas pela autoridade da coisa julgada, o sistema processual previu o remédio da ação rescisória, que visa reparar essas sérias imperfeições, superando a imutabilidade de uma determinada decisão judicial de mérito. Contudo, tendo em vista a prevalência do princípio segurança jurídica, a ação rescisória somente é cabível nas hipóteses taxativamente previstas em lei e de acordo com a expressa manifestação da parte prejudicada. Realmente, conforme o sólido entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, a correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, “cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73 [...], em razão da proteção constitucional à coisa julgada e do princípio da segurança jurídica” (AgInt na AR 4.821/RN, Segunda Seção, DJe 18/03/2019, sem destaque no original). 

1.1. DO EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA, DA PRECLUSÃO E A AÇÃO RESCISÓRIA (ART. 245 DO CPC/73; 278 DO CPC/15) 

Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória. Assim, o fato de, no processo rescindendo, não ter sido interposto algum recurso eventualmente cabível, ou de o ter sido sem a invocação de determinada tese de defesa, não impede o exame de mérito da rescisória, pois o essencial para tanto é que a decisão rescindenda tenha incidido em alguma das hipóteses de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73 – vigente à época do trânsito em julgado. Realmente, o entendimento da e. Segunda Seção é de que “a preclusão não é obstáculo ao cabimento da ação rescisória”, de modo que “o fato de não ter sido interposto algum recurso eventualmente cabível, ou tê-lo sido sem a invocação de determinado dispositivo legal, não impede o ajuizamento de ação rescisória”; portanto, “não se exige exaurimento de instância como pressuposto para a ação rescisória” (AgRg na AR 4.459/DF, Segunda Seção, DJe 01/02/2016, sem destaque no original). 

Dessa forma, ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda – que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela requerida –, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória. Assim, o recurso especial não comporta provimento no ponto, devendo ser examinado, na sequência, a fim de se apurar a alegada violação ao art. 485, V, do CPC/73, se houve a efetiva demonstração de violação literal a dispositivo legal, exigida pelo referido dispositivo. 

1.2. CABIMENTO DA RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO LITERAL DA LEI 

Apesar de o exaurimento de instância não ser pressuposto do ajuizamento da ação rescisória, o respeito à coisa julgada e à segurança jurídica demanda que, na ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73 (hoje, art. 966, V, do CPC/15), se demonstre a violação frontal, manifesta e literal à lei, a qual deve ser flagrante, a ponto de poder ser considerada teratológica. A ação rescisória não é, de fato, admitida como sucedâneo recursal, não sendo permitido o ajuizamento da ação rescisória com a simples intenção de rediscutir o acerto ou a correção do julgamento. 

Com efeito, a jurisprudência desta e. Terceira Turma pontua que “o cabimento da ação rescisória com suporte no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada tivesse contrariado a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, sob pena de se perpetuar a discussão sobre matéria decidida e desrespeitar a segurança jurídica” (REsp 1750556/GO, Terceira Turma, DJe 11/10/2019). 

1.3. VINCULAÇÃO AOS PEDIDOS E AOS DISPOSITIVOS TIDOS POR LITERALMENTE VIOLADOS 

Segundo a doutrina, a indicação de violação literal de disposição de lei é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação. 

De fato, conforme leciona BARBOSA MOREIRA, “cada suposta violação constitui uma causa petendi”, razão pela qual “o autor precisa indicar, na inicial, a norma a seu ver infringida”, logo, “ao órgão julgador não é lícito acolher o pedido senão com base em alguma(s) das alegadas” violações, pois, “se nenhuma delas ocorreu, terá de julgar o pedido improcedente, ainda que verifique a transgressão de norma não indicada pelo autor” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 15ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 132-133, sem destaque no original). 

Na mesma linha, FLAVIO YARSHELL pontua que “não compete ao tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações a literal disposição de lei não alegadas pelo demandante, nem mesmo ao argumento de se tratar de matéria da ordem pública” (Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151, sem destaque no original). 

Dessa forma, na ação rescisória do art. 485, V, do CPC/73, o juízo rescisdente do Tribunal se encontra vinculado aos dispositivos de lei apontados pelo autor como literalmente violados, não podendo haver exame de matéria estranha à apontada na inicial, mesmo que o tema possua a natureza de questão de ordem pública, sob pena de transformar a ação rescisória em mero sucedâneo recursal. 

1.4. DA VIOLAÇÃO LITERAL À LEI E A DECISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE PROVAS 

Como visto, para que a via processual da ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73 não se transforme em espécie de sucedâneo recursal, a rediscussão da justiça da decisão fustigada deve se ater aos limites do absurdo e da teratologia na interpretação do texto legal, o que, em regra, também não ocorre quando for necessário reexaminar os critérios fáticos envolvidos na aplicação da norma jurídica. 

Em relação aos limites da rescindibilidade da rescisória pautada na literal violação de disposição de lei, a doutrina pontua que, 

“se se tratar de ofensa à lei [...], trata-se de demonstrar a adoção de solução normativa em si mesma equivocada, ou demonstrar que a solução normativa pela qual se optou é inadequada ao quadro fático constante dos autos”, porquanto “a ação rescisória, medida excepcional que é, não se pode transformar numa ação de revisão, pura e simplesmente, do que tenha sido decidido no processo de onde emanou a decisão rescindenda, como se de uma apelação se tratasse” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Especial, Recurso extraordinário e ação rescisória. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 513-514, sem destaque no original). 

Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência desta Terceira Turma, que afirma que “a viabilidade da ação rescisória por ofensa de literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, sendo inviável, nesta seara, a reapreciação das provas produzidas o u a análise acerca da correção da interpretação dessas provas pelo acórdão rescindendo” (AgInt no AREsp 569.690/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016). 

A e. Primeira Seção, examinando hipótese de indeferimento do pedido de produção de provas, adota posicionamento equivalente, ao asseverar que “as afirmações de que a prova pericial requerida pelo autor deveria obrigatoriamente ser produzida [...] não se relaciona[...] a uma suposta transgressão ao Direito em tese, mas sim diz[...] respeito ao inconformismo do autor com o juízo concreto de adequação dos fatos às normas, circunstância essa que confere à pretensão deduzida caráter de indevido sucedâneo recursal” (AR 5.015/SP, Primeira Seção, DJe 10/11/2017, sem destaque no original). 

Assim, em conclusão, não há violação literal de disposição legal quando o exame da tese da rescisória demandar a reanálise do contexto fático envolvido na interpretação do texto da lei, sendo esta a hipótese da apreciação da adequação da dispensa fundamentada da produção de prova requerida pela parte com consequente julgamento antecipado da lide. 

1.5. DO CERCEAMENTO DE DEFESA PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE 

À luz dos princípios da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado, o Juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 130 do CPC/73 (atual art. 370, caput e parágrafo único, do CPC/15). Por essa razão, se, a despeito de um anterior deferimento do pedido de produção de provas, houver o julgamento antecipado da lide, em virtude de motivada declaração de inutilidade da produção probatória requerida, não se configurará cerceamento de defesa. Essa é a orientação prevalente nas Turmas de Direito Privado desta Corte, que consignam que “não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, devidamente fundamentado, sem a produção das provas pretendidas pela parte, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento” (REsp 1810435/SP, Terceira Turma, DJe 28/11/2019, sem destaque no original). 

No mesmo sentido: AgInt no AREsp 1051746/SP, Quarta Turma, DJe 15/03/2018.

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