7 de maio de 2021

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL, POR INCORPORAÇÃO. OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO FISCO. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE

RECURSO ESPECIAL Nº 1.848.993 - SP (2019/0343405-3) 

RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL, POR INCORPORAÇÃO. OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO FISCO. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. 

1. A interpretação conjunta dos arts. 1.118 do Código Civil e 123 do CTN revela que o negócio jurídico que culmina na extinção na pessoa jurídica por incorporação empresarial somente surte seus efeitos na esfera tributária depois de essa operação ser pessoalmente comunicada ao fisco, pois somente a partir de então é que Administração Tributária saberá da modificação do sujeito passivo e poderá realizar os novos lançamentos em nome da empresa incorporadora (art. 121 do CTN) e cobrar dela, na condição de sucessora, os créditos já constituídos (art. 132 do CTN). 

2. Se a incorporação não foi oportunamente informada, é de se considerar válido o lançamento realizado em face da contribuinte original que veio a ser incorporada, não havendo a necessidade de modificação desse ato administrativo para fazer constar o nome da empresa incorporadora, sob pena de permitir que esta última se beneficie de sua própria omissão. 

3. Por outro lado, se ocorrer a comunicação da sucessão empresarial ao fisco antes do surgimento do fato gerador, é de se reconhecer a nulidade do lançamento equivocadamente realizado em nome da empresa extinta (incorporada) e, por conseguinte, a impossibilidade de modificação do sujeito passivo diretamente no âmbito da execução fiscal, sendo vedada a substituição da CDA para esse propósito, consoante posição já sedimentada na Súmula 392 do STJ. 

4. Na incorporação empresarial, a sucessora assume todo o passivo tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela quitação dos créditos validamente constituídos contra a então contribuinte (arts. 1.116 do Código Civil e 132 do CTN). 

5. Cuidando de imposição legal de automática responsabilidade, que não está relacionada com o surgimento da obrigação, mas com o seu inadimplemento, a empresa sucessora poderá ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte da Fazenda credora, não havendo necessidade de substituição ou emenda da CDA para que ocorra o imediato redirecionamento da execução fiscal. Precedentes. 

6. Para os fins do art. 1.036 do CPC, firma-se a seguinte tese: "A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco." 

7. Recurso especial parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 26 de agosto de 2020 (Data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (e-STJ fl. 150): 

EXECUÇÃO FISCAL – EXTINÇÃO – Taxa de fiscalização de estabelecimentos – Exercício de 2009 – Município de São Paulo – Ajuizamento em face de pessoa jurídica incorporada em 2008 – Ausência dos pressupostos de regular constituição e desenvolvimento do processo e de legitimidade passiva – Art. 485, incisos IV e VI do NCPC – Alteração no polo passivo – Impossibilidade – Substituição da CDA admissível somente nas hipóteses de erro material ou formal – Súmula nº 392 do STJ – Apelação não provida. 

Nas razões do especial (e-STJ fls. 158/170), o recorrente, apontando divergência jurisprudencial e violação do art. 227 da Lei n. 6.404/1976, do art. 1.116 do Código Civil e do art. 132 do Código Tributário Nacional, sustenta, em síntese, que é cabível o redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa que incorporou a devedora e não informou oportunamente essa operação à Administração Tributária, visto que responde por todos os débitos da sucedida, não sendo o caso de aplicação da Súmula 392 do STJ, pois essa substituição no polo passivo não importa em modificação do lançamento realizado com base nos dados então disponibilizados ao fisco. 

Após a apresentação de contrarrazões (e-STJ fls. 180/191), o Tribunal de origem admitiu o apelo nobre (e-STJ fls. 208/210), determinando a subida dos autos para esta Corte Superior. 

O Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, qualificou o presente recurso especial como representativo de controvérsia (e-STJ fls. 218/220). 

O Ministério Público Federal manifestou-se pela admissão do recurso como representativo de controvérsia (e-STJ fls. 223/229). 

Por meio de petição e documentos juntados às e-STJ fls. 231/271, a empresa recorrida, CLARO S.A., aduz que tem em seu favor decisão judicial transitada em julgado, proferida em sede de mandado de segurança, a qual a dispensa do pagamento do tributo exigido na execução em comento (Taxa de Fiscalização de Estabelecimento), decisum que, segundo ela, também aproveitaria à empresa incorporada (Vésper). 

Na sequência, o Ministro Presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, ratificando a sua compreensão de que este recurso está qualificado como candidato à afetação pela sistema dos repetitivos, determinou a distribuição do feito (e-STJ fls. 274/276). 

A recorrida ainda apresentou nova petição para se opôr à referida afetação (e-STJ fls. 281/321), reiterando as alegações já deduzidas na petição de e-STJ fls. 231/271. 

Em julgamento datado de 07/04/2020, a Primeira Seção afetou o presente apelo nobre à sistemática dos repetitivos para o fim de solucionar a controvérsia assim delimitada: "definir se, em casos de sucessão empresarial por incorporação não oportunamente informada ao fisco, a execução fiscal de créditos tributários pode ser redirecionada à sociedade incorporadora, sem necessidade de alteração da certidão de dívida ativa" (e-STJ fls. 327/332), que veio a ser identificada como Tema n. 1.049 do STJ. 

Em nova manifestação, agora em relação à referida questão de direito, o Ministério Público Federal opina que, "em casos de sucessão empresarial por incorporação não oportunamente informada ao fisco, a execução fiscal de créditos tributários possa, sim, ser redirecionada à sociedade incorporadora mediante mera retificação da CDA já existente (dispensando-se, neste caso, a sua substituição por motivo de nulidade insanável)", concluindo que, no presente caso, o recurso especial fazendário deve ser parcialmente provido, com a determinação de devolução do processo ao Tribunal de origem, para que, considerando a aludida diretriz interpretativa, "aprecie a existência de oportuna comunicação da incorporação ao ente municipal, a fim de se analisar a validade da presente CDA" (e-STJ fls. 336/344). 

Por meio de decisão proferida em 23/08/2020, deferi o pedido do ESTADO DE SÃO PAULO de ingresso no feito, na condição de amicus curiae. Em sua petição (e-STJ fls. 347/359), a Fazenda estadual alega, preliminarmente, "a inutilidade de afetação do tema para julgamento sob a forma dos recursos repetitivos, na medida em que esta e. Primeira Seção, recentemente, assentou seu entendimento sobre a matéria nos autos dos EREsp 1.695.790/SP". Quanto ao mérito, sustenta a inaplicabilidade do entendimento sedimentado na Súmula 392 do STJ em relação aos pedidos de redirecionamento da execução fiscal em face de incorporação empresarial, "tendo em vista que o patrimônio da empresa incorporada se confunde com o patrimônio da incorporadora", e, subsidiariamente, a possibilidade de tal redirecionamento quando a incorporação não for cientificada ao fisco. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator): O recurso especial se origina de execução fiscal ajuizada em 05/05/2015 pelo MUNICÍPIO DE SÃO PAULO em desfavor da empresa VÉSPER, em que se cobra a Taxa de Fiscalização de Estabelecimento do exercício de 2009, AII n. 2068783-4 (e-STJ fls. 1/2). 

No curso do processo, a empresa CLARO S.A., ora recorrida, informando que a empresa originalmente apontada como devedora, VÉSPER, foi inicialmente incorporada pela EMBRATEL S.A., no ano de 2003, e, posteriormente, por si, no ano de 2014, opôs exceção de pré-executividade, com base nas seguintes alegações: (i) extinção do crédito em face da decadência; (ii) existência de coisa julgada em favor da CLARO S.A. que impediria a inscrição do referido crédito em dívida ativa; (iii) impossibilidade de ajuizamento de execução fiscal em desfavor de empresa já incorporada, com registro dos atos negociais na Junta Comercial do Estado de São Paulo, e de substituição da CDA para a inclusão, a posteriori, da empresa incorporadora no polo passivo (e-STJ fls. 12/19). 

O magistrado de primeiro grau, salientando a existência de cerca de duzentas demandas semelhantes a esta, ajuizadas em desfavor da empresa VÉSPER, extinguiu a execução fiscal ao fundamento de que o lançamento se deu irregularmente contra pessoa jurídica extinta por incorporação empresarial, não sendo possível reconhecer a responsabilidade da empresa incorporadora pelo pagamento do crédito cobrado, porquanto este não teria sido validamente constituído (e-STJ fls. 85/89). 

Na sequência, o TJ/SP negou provimento à apelação fazendária, mantendo a sentença com a seguinte motivação: 

A presente execução, fundada em taxa de fiscalização de estabelecimentos, do exercício de 2009, foi ajuizada em 05/05/2015. O sujeito passivo deste processo, Vésper S/A, já havia sido incorporado por Embratel S/A há mais de 07 (sete) anos (fls. 40/45). Posteriormente, a ora excipiente Claro S/A realizou a incorporação daquela última sociedade (fls. 22/26). Assim, a Municipalidade de São Paulo ajuizou a presente execução em face de pessoa jurídica inexistente, de maneira que é indiscutível, no presente caso, a ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento regular do processo, bem como a ausência de uma das condições da ação, qual seja a legitimidade passiva ad causam (art. 485, incisos IV e VI do NCPC). E ao requerer a retificação do polo passivo par dela fazer constar a sociedade incorporadora, na verdade, a Municipalidade pretendeu alterar o lançamento tributário. Por outro lado, ao interpretar a autorização prevista no § 8º do art. 2º da Lei nº 6.830/80, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem, de fato, se orientando pela possibilidade da substituição ou emenda da CDA, com vistas à correção de erros materiais, inclusive os relacionados ao valor da dívida, e de defeitos formais, não permitindo, todavia, quando voltada à identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, diverso do originalmente apontado. Essa, aliás, a posição que acabou prevalecendo com a edição, pelo Egrégio STJ, da Súmula nº 392, nos seguintes termos: "A Fazenda Pública pode substituir a certidão da Dívida Ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal vedada a modificação do sujeito passivo da execução". Daí porque, no presente caso, não se poderia, mesmo, permitir ao exequente a alteração do título executivo para tal fim, sendo plenamente aplicável o teor da referida súmula. Além disso, seria possível, em tese, o redirecionamento da execução fiscal, mas desde que a execução houvesse sido corretamente proposta no início. Pela mesma razão mostram-se inaplicáveis, no presente caso, as disposições da Lei das Sociedades Anônimas e do Código Civil invocadas pela exequente. Bem por isso, não merece qualquer reparo a decisão que extinguiu o feito sem resolução de mérito. A esse respeito, esta Décima Quinta Câmara de Direito Público mais de uma vez decidiu pela extinção de execuções fiscais movidas pelo Município de São Paulo em face de Vésper S/A, para a cobrança da taxa de fiscalização de estabelecimentos, após a sua incorporação. [...] Por fim, a falta de atualização dos dados cadastrais pelo contribuinte, ou por quem o suceda, pode ensejar, se o caso, a imposição de multa, mas não autoriza a alteração do polo passivo na forma pretendida pela Municipalidade. 

Do que se observa, a fundamentação consignada no julgado estadual é no sentido de que é inviável a alteração da CDA para o fim de incluir a empresa incorporadora no polo passivo da execução fiscal, porquanto tal providência representaria a modificação do próprio lançamento quanto à correta identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, o que é vedado pela Súmula 392 do STJ. 

Conforme relatado, defende a Fazenda Pública recorrente a possibilidade de prosseguir na cobrança do crédito tributário contra a empresa incorporadora, notadamente quando essa operação de incorporação não foi oportunamente informada ao fisco. 

Tem-se, assim, que a discussão agora submetida ao Superior Tribunal de Justiça cinge-se à aplicabilidade ou não do entendimento sedimentado na Súmula 392 do STJ como obstáculo ao redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa que incorporou o sujeito passivo identificado no lançamento. 

Essa questão jurídica de direito federal foi efetivamente decidida no acórdão recorrido, estando, pois, atendido o requisito do prequestionamento, ainda que de maneira implícita, dos dispositivos de lei federal indicados como violados pelo recorrente. 

Pois bem. 

Inicialmente, tenho que a preliminar suscitada pelo ESTADO DE SÃO PAULO, referente à pertinência de afetação do presente recurso à sistemática dos repetitivos, encontra-se prejudicada, pois tal questão já foi decidida pela Primeira Seção, consoante o inteiro do acórdão constante às e-STJ fls. 326/331. P

asso ao exame do mérito recursal. 

Na minha compreensão, conforme explicarei a seguir, é cabível o redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa incorporadora para que ela responda por crédito tributário oriundo de fato gerador posterior à incorporação e ainda lançado em nome da sucedida, desde que a extinção da contribuinte (sucedida) em razão desse negócio jurídico não tenha sido informada ao fisco antes do surgimento da obrigação tributária em questão. 

Inicialmente, analiso a questão sob o enfoque da validade do lançamento. 

É bem verdade que, de acordo com o que dispõem os arts. 1.118 do Código Civil e 219, II, da Lei n. 6.404/1976, a incorporação empresarial é causa de extinção da pessoa jurídica incorporada. 

Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio. ...................................................................................................................................... 

Art. 219. Extingue-se a companhia: [...] II - pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades. 

Todavia, considerando que essa específica hipótese de extinção da pessoa jurídica decorre de negócio jurídico, ou seja, de vontade livremente manifestada pelas empresas envolvidas, a produção de seus efeitos, na esfera tributária, há de se compatibilizar com a norma geral de natureza de lei complementar (art. 146, III, "a", da Constituição Federal) contida no art. 123 do Código Tributário Nacional, segundo o qual "salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes". 

Assim, para que a extinção da pessoa jurídica resultante de incorporação surta seus efeitos também no âmbito tributário, faz-se necessário que essa operação seja oportunamente comunicada ao fisco, pois somente a partir da ciência da realização desse negócio inter partes é que a Administração Tributária saberá oficialmente da modificação do sujeito passivo e poderá realizar os novos lançamentos em nome da empresa incorporadora (art. 121 do CTN) e cobrar dela, sucessora, os créditos já constituídos (art. 132 do CTN). 

Em outras palavras, se a incorporação não foi oportunamente informada, é de se considerar válido o lançamento realizado contra a contribuinte original que veio a ser incorporada, não havendo a necessidade de modificação desse ato administrativo para fazer constar o nome da empresa incorporadora, sob pena de permitir que esta última se beneficie de sua própria omissão. 

Frise-se que compete a ela (incorporadora) dar publicidade desse negócio jurídico, porquanto isso é de seu exclusivo interesse, sendo certo que o simples registro na Junta Comercial não alcança essa finalidade em relação à administração tributária, visto que não há na Lei n. 8.934/1994 previsão expressa de que esta (a administração tributária) seja pessoalmente cientificada desses assentamentos: 

CAPÍTULO II Da Publicidade do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins 

SEÇÃO I Das Disposições Gerais 

Art. 29. Qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões, mediante pagamento o preço devido. 

Art. 30. A forma, prazo e procedimento de expedição de certidões serão definidos no regulamento desta lei. 

SEÇÃO II Da Publicação dos Atos 

Art. 31. Os atos decisórios serão publicados em sítio da rede mundial de computadores da junta comercial do respectivo ente federativo. 

Por outro prisma, não se mostra razoável exigir dos fiscos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a prévia consulta do registro dos atos constitutivos das empresas contribuintes sempre que realizarem um lançamento. 

Constata-se, portanto, que a comunicação da incorporação empresarial não representa apenas mero cumprimento de obrigação acessória: configura, além disso, pressuposto específico para que a extinção da pessoa jurídica incorporada passe a ter eficácia perante o fisco. 

A propósito, não desconheço a orientação jurisprudencial de que não é possível o redirecionamento de execução fiscal em desfavor dos sucessores para a cobrança de crédito lançado em nome de pessoa já falecida. 

Essa diretriz, todavia, não se aplica à hipótese em comento. 

Digo isso porque, enquanto o evento morte da pessoa natural cuida de fato jurídico que opera seus efeitos desde logo, independentemente da vontade de seus sucessores, a extinção da pessoa jurídica por incorporação resulta de negócio jurídico, de sorte que, em respeito à disposição contida no art. 123 do CTN, seus efeitos quanto à modificação da sujeição passiva somente vincularão o fisco depois que este for pessoalmente cientificado da operação. 

Por outro lado, se ocorrer a comunicação da sucessão empresarial ao fisco antes do surgimento do fato gerador, é de se reconhecer a nulidade do lançamento equivocadamente realizado em nome da pessoa incorporada e, por conseguinte, a impossibilidade de modificação do sujeito passivo diretamente no âmbito da execução fiscal, sendo vedada a substituição da CDA para esse propósito, consoante posição já sedimentada na Súmula 392 do STJ ("A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modifi cação do sujeito passivo da execução.") 

Diante dessas ponderações, em sendo verificada a ausência da referida comunicação ao fisco e, por conseguinte, reconhecida a validade do crédito lançado em nome da empresa incorporada, cabe analisar a necessidade de alteração da Certidão de Dívida Ativa (CDA) para viabilizar redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa incorporadora. 

Penso ser desnecessária essa providência. 

Como cediço, a sucessora assume todo o passivo tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela dívida de terceiro (sucedida). Essa é a inteligência dos arts. 1.116 do Código Civil e 132 do CTN, in verbis: 

Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos. .................................................................................................................................... 

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual. 

Conforme já explanado, é com a efetiva comunicação do negócio jurídico que o fisco toma conhecimento do novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento, razão pela qual esse momento deve ser entendido, para fins de responsabilização da empresa sucessora, como a data do ato da incorporação de que trata o caput do art. 132 do CTN. 

E por se tratar de imposição automática – expressamente determinada na lei – do dever de pagar os créditos tributários validamente lançados em nome da sucedida, a sucessora pode ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte da Fazenda credora, visto que a sua responsabilidade não está relacionada com o surgimento da obrigação tributária (art. 121 do CTN), mas com o seu inadimplemento (art. 132 do CTN). 

Para esses casos, então, não há necessidade de substituição ou emenda da CDA, de modo que é inaplicável o entendimento consolidado na Súmula 392 do STJ, sendo o caso de apenas permitir o imediato redirecionamento. 

Por fim, destaco que a conclusão ora alcançada coincide com a atual orientação jurisprudencial desta Corte Superior, conforme se verifica dos seguintes julgados: 

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR - IPVA. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL, POR INCORPORAÇÃO. OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO FISCO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. 1. Na sucessão empresarial, por incorporação, a sucessora assume todo o passivo tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela dívida de terceiro (sucedida), consoante inteligência do art. 132 do CTN - cuidando-se de imposição automática de responsabilidade tributária pelo pagamento de débitos da sucedida, assim expressamente determinada por lei - e, por isso, pode ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte do credor. 2. Se o fato gerador ocorre depois da incorporação mas o lançamento é feito contra a contribuinte/responsável originária, não há falar em necessidade de alteração do ato de lançamento, porque a incorporação não foi oportunamente comunicada, não podendo o incorporador obter proveito de sua própria torpeza. 3. A efetiva comunicação aos órgãos/entidades competentes, pela incorporadora, da ocorrência da incorporação da sociedade empresária proprietária do veículo é o exato momento em que o fisco toma conhecimento do novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento, razão pela qual, in casu, esse momento deve ser entendido, para fins tributários, como a data do ato da incorporação (arts. 123 e 132 do CTN). 4. Embargos de divergência providos. (EREsp 1695790/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 26/03/2019) 

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ICMS. SUCESSÃO EMPRESARIAL POR INCORPORAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NESSE E.STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A decisão recorrida traduz a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, cujo teor afirma que a sucessão empresarial por incorporação, ocorrida antes do lançamento tributário, permite o redirecionamento da execução à sociedade incorporadora, sem que haja necessidade de alteração do ato de lançamento. 2. Os arts. 132 e 133 do CTN impõem à empresa sucessora, a responsabilidade integral pelos tributos devidos de forma que, praticado o fato gerador pela empresa sucedida, não se pode falar em ilegitimidade passiva ou nulidade da CDA. 3. Cabível o prosseguimento da execução proposta contra a empresa incorporada, na medida em que essa, já extinta na ocasião do lançamento, se confunde com a sucessora. 4. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp 1820732/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 09/03/2020) 

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. TRIBUTO ESTADUAL. INCORPORAÇÃO DE EMPRESAS. POSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL PARA SUBSTITUIR A PESSOA JURÍDICA EXTINTA POR INCORPORAÇÃO, DIANTE DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO, EXPRESSAMENTE PREVISTO NOS ARTS. 130 A 133 DO CTN. AGRAVO INTERNO DE MERCEDES-BENZ LEASING DA BRASIL ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A. A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior consagrou entendimento vedando a alteração do polo passivo da imputação tributária no curso da Execução Fiscal, ainda que em decorrência de sucessão tributária focada no art. 130 do CTN, a teor da Súmula 392/STJ (A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa - CDA até a prolação da sentença de Embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução). 2. Todavia, verifica-se que a questão referente à possibilidade de substituição da CDA para a alteração do sujeito passivo da execução, quando ocorre a incorporação da empresa executada, confere ao caso elemento diferenciador relevante (distinguishing) dos paradigmas que originaram a edição da Súmula 392/STJ, na medida em que as hipóteses tratadas nesses julgados não apreciaram o tema ora em exame, em que uma sociedade é absorvida pela outra, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações, nos termos do art. 227 da Lei 6.404/1976 e do art. 1.116 do Código Civil/2002, e o patrimônio da empresa incorporada, que deixa de existir, confunde-se com o próprio patrimônio da empresa incorporadora. Peculiaridades do caso concreto, que afastam a incidência da orientação jurisprudencial sumulada nesta Corte Superior, relativamente ao tema dos autos. 3. O fenômeno da incorporação de uma empresa por outra, por ato jurídico privado celebrado inter partes, é típico da moderna economia empresarial, visando ao fortalecimento, ao aprimoramento e à expansão de sua estrutura, para aumentar a participação no mercado competitivo. 4. Mediante esse ajuste, a empresa incorporadora absorve todo o acervo patrimonial ativo e passivo da empresa incorporada, de sorte que também migra para o seu patrimônio (da empresa incorporadora) a responsabilidade pelo pagamento integral dos tributos devidos por esta (a empresa incorporada), na data da operação de incorporação. 5. Sendo assim, como a incorporadora recebe tanto o ativo como o passivo da empresa incorporada, torna-se automaticamente responsável também pelas dívidas tributárias da extinta empresa, diante da aplicação do instituto da responsabilidade por sucessão, expressamente prevista nos arts. 130 a 133 do CTN. 6. Impende ressaltar que, em seu art. 121 e parágrafo único, o CTN elegeu como sujeito passivo da relação jurídica tributária tanto o devedor originário (sujeição passiva direta), que tem relação pessoal e direta com o fato gerador, como o responsável tributário (sujeição passiva indireta), que, embora não tenha relação direta com o fato gerador, tem obrigação de pagar por expressa determinação legal. 7. Logo, são completamente improducentes de efeitos jurídicos tributários em relação ao Fisco os acordos, ajustes ou contratos de qualquer natureza, concertados entre particulares, que disponham sobre deveres e responsabilidades fiscais. 8. Também não se pode impor ao Fisco qualquer penalidade por propor a Execução Fiscal contra pessoa jurídica já extinta, mesmo porque a inclusão da empresa incorporada no polo passivo foi consequência da conduta omissiva da incorporadora em proceder à alteração dos dados da titularidade do veículo perante o DETRAN. Nesses termos, impedir o redirecionamento, nessa hipótese, equivale a premiar a incorporadora pela sua própria desídia em cumprir a obrigação tributária acessória de atualizar o cadastro do veículo nos órgãos competentes pela arrecadação do IPVA e nos órgãos de trânsito. 9. Assim, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais, deve-se conceder à Fazenda Pública a oportunidade de retificação da CDA, a fim de dar prosseguimento à Execução contra a responsável pela sucessão tributária, ou mesmo de prosseguir com a execução proposta contra o devedor originário, que se confunde como incorporador, haja vista a extinção daquela pessoa jurídica executada, à época do lançamento, em razão de incorporação empresarial. Precedentes: REsp. 1.682.834/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 9.10.2017; AgRg no REsp. 1.452.763/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 17.6.2014. 10. Agravo Interno da MERCEDES-BENZ LEASING DO BRASIL ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A. a que se nega provimento.a (AgInt no REsp 1778944/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019) 

Ponderados esses elementos, para os fins previstos no art. 1.036 do CPC, proponho a definição da seguinte tese: "A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco." 

Neste processo piloto, e analisando o caso concreto, o tribunal local, partindo da compreensão de que a falta de comunicação da incorporação empresarial seria mero descumprimento de obrigação acessória que não permitiria a alteração do sujeito passivo, não esclareceu se ela aconteceu ou não, de modo que o acórdão recorrido deve ser cassado, com a determinação de devolução dos autos ao TJ/SP para que, esclarecendo essa premissa fática, possa aplicar a diretriz jurisprudencial ora traçada à realidade do processo. 

Na eventualidade de, nesse novo julgamento, a Corte estadual entender pelo cabimento do redirecionamento da execução fiscal em desfavor da incorporadora, deverá ela ainda se manifestar sobre as demais causas de pedir apresentadas na exceção de pré-executividade (decadência e coisa julgada), prestando, assim, a jurisdição vindicada em sua inteireza. 

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para, cassando o acórdão recorrido, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que proceda a novo julgamento da apelação, observada a diretriz jurisprudencial ora estabelecida, de que é cabível o redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa sucessora para a cobrança de crédito tributário oriundo de fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, caso esse negócio jurídico não tenha sido informado ao fisco antes do surgimento da obrigação tributária em questão. 

É como voto. 

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