2 de maio de 2021

REsp 1.766.093-SP: Desconsideração da Personalidade Jurídica - Teoria Maior

 2. Da desconsideração da personalidade jurídica 

Em suas razões recursais, as recorrentes alegam a ocorrência de violação ao art. 50 do CC/2002, que permite a desconsideração da personalidade jurídica em hipóteses de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme sua redação original: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

Ressalte-se, apenas para fins informativos, que a Medida Provisória 881/2019, que institui a declaração de liberdade econômica, fez uma série de alterações nesse dispositivo, com a intenção de melhor definir os requisitos necessários para a ocorrência da desconsideração, bem como traçar limites mais claros para as suas consequências, in verbis: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: 

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. 

§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. 

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. 

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. 

Mesmo em sua redação original, a doutrina afirma que a art. 50 do CC/2002 adotava a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, isto é, aquela que afirma que, para atingir o patrimônio dos sócios e administradores, deve haver demonstração de abuso desta personalidade. 

No âmbito da jurisprudência do STJ, fixou-se a que o art. 50 do CC/2002 deve ser aplicado somente em hipóteses extremas, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial, in verbis: 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ARTIGO 50, DO CC. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES OU DISSOLUÇÃO IRREGULARES DA SOCIEDADE. INSUFICIÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. DOLO. NECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ACOLHIMENTO. 1. A criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim. Abusos no uso da personalidade jurídica justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o levantamento do véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela dolosamente se prevaleceram para finalidades ilícitas. Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. 2. O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil. 3. Embargos de divergência acolhidos. (EREsp 1306553/SC, Segunda Seção, DJe 12/12/2014) 

Em contraposição à teoria maior, existe a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual propõe que o patrimônio de sócios e administradores pode ser atingido toda vez que a pessoa jurídica se constituir em obstáculo à satisfação do direito de crédito, a qual vem abrigada pelo art. 28, § 5º, do CDC. 

Na hipótese dos autos, verifica-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Segunda Seção, fixou sua jurisprudência na recentíssima Súmula 602/STJ, na qual foi consolidado o entendimento de que “o CDC é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”. 

Dessa forma, como a PAULICOOP é cooperativa do ramo habitacional – em cujo conselho fiscal participavam as recorrentes –, o acórdão recorrido, ao reconhecer a incidência do CDC, se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte, não merecendo reforma no ponto. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário