9 de maio de 2021

REsp 1.846.109-SP: Aplicação do procedimento previsto no art. 1.037, §§9º e 13, I, do novo CPC, ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR

Aplicação do procedimento previsto no art. 1.037, §§9º e 13, I, do novo CPC, ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR. 

Conquanto não tenha sido objeto de expresso enfrentamento no acórdão recorrido, há uma questão logicamente antecedente ao exame acerca do procedimento a ser adotado na hipótese de alegação de distinção, que consiste em saber se o procedimento previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do novo CPC, é aplicável também ao IRDR, especialmente porque eventual resposta negativa resultará, obviamente, na impossibilidade de violação dos referidos dispositivos legais. 

Com efeito, a questão controvertida se coloca porque o art. 1.037, §§9º a 13, do novo CPC, está inserido na Subseção II do Capítulo VI do Título II, que versa sobre os recursos especiais e extraordinários repetitivos, ao passo que o IRDR está alocado no Capítulo VIII do Título I, que disciplina a ordem dos processos e os processos de competência originária dos Tribunais. 

Acrescente-se ainda que havia, na versão do projeto aprovada pela Câmara dos Deputados (PLC 8.046/2010), um dispositivo legal similar ao atual art. 1.037, §§9º a 13, especificamente aplicável ao IRDR, mas essa regra foi excluída por ocasião da aprovação no Senado Federal, constando do Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rêgo: 

Art. 990, §4º, do SCD (dispositivo que contempla a possibilidade de o interessado requerer a distinção de seu caso em relação ao incidente de resolução de demandas repetitivas, com possibilidade de interpor agravo de instrumento no caso de indeferimento): não convém multiplicar os recursos em causas repetitivas. O pedido de distinção não é vedado; o interessado pode fazê-lo, independentemente do atual texto do § 4º do art. 990 do SCD. Se esse pedido for indeferido, não há razão para, em um contexto de racionalização dos recursos, permitir a interposição de agravo de instrumento. A decisão é irrecorrível, de modo que, em caso de manifesta ilegalidade, haverá outras ferramentas de impugnação disponíveis, como o mandado de segurança. 

A despeito de incluídos em espaços topologicamente distintos e de ter havido previsão específica do procedimento de distinção em IRDR no PLC 8.046/2010 e que foi posteriormente retirada no Senado Federal, fato é que os recursos especiais e extraordinários repetitivos e o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – compõem um microssistema de julgamento de questões repetitivas, conforme se depreende do art. 928, I e II, do novo CPC: 

Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: I – incidente de resolução de demandas repetitivas; II – recursos especial e extraordinário repetitivos. 

Nesse contexto, embora seja correto dizer que os recursos especiais e extraordinários repetitivos e o IRDR possuem uma série de elementos próprios diferenciadores, não é menos correto afirmar que ambos os mecanismos possuem também muitas e acentuadas semelhanças, razão pela qual alguns procedimentos são intercambiáveis, a fim de que se possa aplicar ao IRDR determinadas disposições apenas previstas aos recursos repetitivos e vice-versa. 

Os vetores interpretativos que permitirão colmatar as lacunas eventualmente existentes em cada um desses mecanismos, de modo a integrá-los em um verdadeiro microssistema de julgamento de questões repetitivas, deverão ser, a meu juízo, a inexistência de vedação expressa no texto do novo CPC que inviabilize a integração entre os instrumentos e, ainda, a inexistência de ofensa a um elemento essencial do respectivo instituto, o que equivaleria a desnaturá-lo. 

Na hipótese em exame, não existe diferença ontológica e nem tampouco justificativa teórica para a assimetria entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Com efeito, ambos os requerimentos deverão ser formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal e terão por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado. 

Em ambas as hipóteses, pois, pretende-se equalizar, de um lado, os princípios da isonomia e da segurança jurídica que decorrem do julgamento uniforme da questão repetitiva e, de outro lado, os princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo que serão preservados quando se excluir da suspensão um processo que versa sobre matéria distinta da afetada. 

Também é importante destacar que se afirmou, no Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rêgo, que a decisão interlocutória que versar sobre o pedido de distinção formulado pela parte seria irrecorrível e, se porventura houvesse manifesta ilegalidade, a referida decisão poderia ser impugnada por mandado de segurança. 

Todavia, essas premissas são verdadeiramente insustentáveis diante do sistema recursal instituído pelo próprio CPC e também pelos precedentes desta Corte. 

Com efeito, não é correto afirmar que essa específica decisão interlocutória seria irrecorrível quando se examina um sistema recursal que expressamente prevê a recorribilidade de todas as decisões interlocutórias, variando-se, tão somente, o recurso e o momento em que poderá ser exercido o direito de recorrer (imediatamente, por agravo de instrumento; ou posteriormente, por apelação ou contrarrazões). 

Corroborando esse entendimento, verifica-se que o novo CPC previu, textualmente e em numerus clausus, as 06 hipóteses em que decisões interlocutórias seriam irrecorríveis, a saber: art. 138, caput; art. 950, §3º; art. 1.007, §6º; art. 1.031, §§2º e 3º; e, finalmente, art. 1.035, caput. 

De igual modo, é recorrível a decisão interlocutória que versa sobre a distinção entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao IRDR também porque, se porventura for indeferido o requerimento de distinção e for mantida a suspensão do processo, haveria, em última análise, uma questão que jamais poderia ser submetida ao Tribunal, pois apenas seria devolvida em apelação ou em contrarrazões quando já escoado o prazo de suspensão. 

Dito de outra maneira: criar-se-ia uma hipótese de decisão irrecorrível sem previsão legal, sendo que há, no sistema processual, a previsão de cabimento de recurso contra decisão interlocutória que, conquanto proferida em regime distinto, possuirá idêntico conteúdo. 

Consta ainda do Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rêgo, que eventual ilegalidade da decisão interlocutória que versar sobre o pedido de distinção formulado pela parte poderia ser impugnada por mandado de segurança. 

Ocorre que, por ocasião do julgamento do REsp 1.696.396/MT e do REsp 1.704.520/MT (tema repetitivo 988), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, além de fixar a tese da taxatividade mitigada, expressamente vedou o uso do mandado de segurança contra ato judicial, em especial contra decisões interlocutórias. Consta da fundamentação daqueles precedentes: 

Desde o rol pretensamente taxativo previsto no CPC/39 e que foi, relembre-se, severamente criticado por tornar irrecorríveis decisões interlocutórias de grande relevância, tem-se discutido, nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial, a ponto de, em 1963, ter sido editada a Súmula 267/STF, segundo a qual “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição” e que, lida a contrario sensu, significa dizer que cabe mandado de segurança contra ato judicial irrecorrível. Por ocasião da entrada em vigor do CPC/73, havia a expectativa de que, enfim, o uso do mandado de segurança contra ato judicial seria minimizado, quiçá dizimado, porque todas as interlocutórias seriam recorríveis pelo agravo de instrumento. Ledo engano, todavia, porque o fato de o agravo, na versão originária de Buzaid, ainda ser interposto em 1º grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade do ofício, com contraditório e possibilidade de retratação em 1º grau, e com limitadas hipóteses de concessão de efeito suspensivo, fez ressurgir o mandado de segurança contra ato judicial, embora, reconheça-se, agora vocacionado para fim distinto – pretendia-se tão somente conceder efeito suspensivo ao recurso fora das hipóteses legais ou no interregno entre a interposição e o exame em 2º grau de jurisdição. Com as reformas realizadas ao longo dos tempos no regime do agravo de instrumento, todas ainda na vigência do CPC/73, percebeu-se que, de fato, o novo perfil estrutural do agravo, especialmente após a reforma de 2005, acarretou uma significativa redução de uso do mandado de segurança. Destaca Teresa Arruda Alvim, citando emblemático ensaio de Heitor Vitor Mendonça Sica, que a trajetória do agravo pode ser comparada à de Prometeu. Diz ela que "Prometeu, um titã, muito amigo de Zeus, o deus dos deuses, justamente por causa dessa proximidade, aproveitou-se ardilosamente de uma distração do “chefe” e roubou, do Monte Olimpo, residência dos deuses, a chama (fogo da sabedoria) que os tornava deuses. Zeus descobriu e condenou Prometeu a ficar preso a uma montanha, acorrentado, por correntes feitas pelo ferreiro Hefesto, por 30 mil anos. Durante a noite, uma águia lhe comeria o fígado, que, ao longo do dia, se reconstituiria. O ciclo destrutivo se reiniciava quando anoitecia, e se repetia indefinidamente". (ALVIM, Teresa Arruda. Um agravo e dois sérios problemas para o legislador brasileiro in Portal Consultor Jurídico, 14/06/2018. Acesso realizado em 15/06/2018). Se isso é verdade, não é menos verdade que a trajetória do mandado de segurança contra ato judicial se assemelha a de Fênix, um pássaro, também da mitologia grega, único da espécie e que, após viver 300 anos, deixava se arder em um braseiro entrando em autocombustão para, em sequência, renascer das próprias cinzas. Isso porque o legislador brasileiro, ao enunciar as hipóteses de cabimento do agravo no CPC/15, propositalmente quis ou involuntariamente conseguiu reacender, vivamente, as polêmicas e as discussões acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo do recurso de agravo, tendo se posicionado acerca da viabilidade da impetração, apenas nos últimos anos, juristas de grande gabarito, como Eduardo Talamini, Clayton Maranhão, Rodrigo Frantz Becker, Heitor Vitor Mendonça Sica, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Oliveira Jr., Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello e José Henrique Mouta Araújo, dentre tantos outros. Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais traz malefícios do que benefícios. Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de julgamento; (i v) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie recursal de efeito devolutivo amplo. Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o próprio agravo de instrumento. 

Finalmente, anote-se que esse entendimento encontra respaldo em respeitada doutrina, como se depreende das lições de Aluísio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia Temer: 

É que, mesmo diante da ausência de previsão legal expressa (retirada na versão final do CPC), após a decisão de admissibilidade do incidente, o interessado poderá requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a distinção do seu caso em relação à questão de direito debatida. Por outro lado, também poderá, se for o caso, requerer a suspensão do seu processo, demonstrando que a questão jurídica ali debatida está abrangida pelo incidente a ser julgado. Em ambas as hipóteses, o requerimento deverá ser dirigido ao juízo perante o qual tramita o processo, sendo decidida por decisão interlocutória. A versão aprovada pela Câmara dos Deputados em 2014 (SCD ao PLS 166/2010) previa o cabimento de agravo de instrumento contra a decisão que indevidamente negasse a suspensão de processo similar ou suspendesse processo que versasse sobre questão distinta da do incidente (art. 990, §4º, SCD ao PLS 166/2010). A disposição, contudo, não foi mantida na versão aprovada e promulgada do Código. Não obstante a ausência de previsão legal expressa, opinamos pela recorribilidade da decisão nestes casos, haja vista as graves consequências que a incorreta suspensão (ou não) pode acarretar para os processos individuais ou coletivos em trâmite. Embora se reconheça que, ao admitir o cabimento do recurso, os tribunais poderão receber inúmeras pretensões indevidas, intensificando o assoberbamento já existente, vedar a interposição de recurso não nos parece a melhor alternativa. Também não nos parece viável admitir ou incentivar o manejo de mandado de segurança em tais casos, como, aliás, constou do relatório apresentado ao Plenário do Senado por ocasião da votação final. O sistema de resolução coletiva de conflitos seriados apenas poderá alcançar seus escopos com o correto uso de seus institutos, sempre em respeito às garantias processuais dos envolvidos. Com efeito, as garantias do contraditório, da participação e da possibilidade de influência são revisitadas neste contexto, sendo previstas basicamente através de duas modalidades: pela participação dos interessados na formação da tese jurídica; e, ainda, pela possibilidade de distinção ou aplicação ao caso concreto. Ambas as modalidades são formas de controle do incidente. Desse modo, a possibilidade de distinção do caso por heterogeneidade ou da suspensão por homogeneidade com a questão afetada é uma das previsões mais importantes para concretizar o instituto de forma hígida, de modo que não parece viável limitar estas importantes prerrogativas dos interessados, que poderão sofrer diretamente os efeitos da decisão (ou não), de forma indevida. A alegação de que o ato que suspende a tramitação não tem conteúdo decisório e que é necessário aguardar o julgamento do incidente com a posterior aplicação ao caso da tese jurídica firmada para impugnar a aplicação não é suficiente para impedir prejuízos à parte envolvida, de modo que se afigura cogente a imediata recorribilidade. (MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas do novo Código de Processo Civil in Revista de Processo: RePro, vol. 40, nº 243, São Paulo: Revista dos Tribunais, maio 2015, p. 309/311). 

No mesmo sentido, ensinam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: 

O art. 1.037, §13, I, prevê o agravo de instrumento contra decisão interlocutória que resolver o requerimento de distinção, no caso de sobrestamento do processo em razão de recursos repetitivos nos tribunais superiores. A regra aplica-se à suspensão decorrente do incidente de resolução de demandas repetitivas, tendo em vista o microssistema de julgamento de casos repetitivos instituído pelo CPC-2015 (art. 928, CPC). (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 266). 

Em síntese, conclui-se, preliminarmente, que o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§9º e 13, I, do novo CPC, aplica-se também ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR. 


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