28 de junho de 2021

É constitucional a cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS de sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


ICMS - É constitucional a cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS de sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição 

É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos. STF. Plenário. RE 970821/RS, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/5/2021 (Info 1017). 

ICMS 

O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF/88 e na LC 87/96. Um dos fatos geradores do ICMS é a circulação de mercadorias. 

Ex.1: João vai até o shopping e compra uma televisão. Houve a incidência de ICMS sobre essa operação. 

Ex.2: Pedro entra na internet e, em um site de comércio eletrônico, adquire um computador de uma loja virtual de São Paulo (SP) a ser entregue em sua casa em Recife (PE). Houve também pagamento de ICMS. 

Na operação realizada entre pessoas situadas em Estados diferentes, quem ficará com o ICMS cobrado: o Estado que produziu/comercializou a mercadoria (Estado de origem — alienante) ou aquele onde vai ocorrer o consumo (Estado de destino — adquirente)? Pedro entra na internet e, em um site de comércio eletrônico, adquire um computador de uma loja virtual de São Paulo (SP) a ser entregue em sua casa em Recife (PE). O valor do ICMS ficará com São Paulo ou com Pernambuco? 

I - REGRAS PREVISTAS NA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DA CF/88 

A resposta para as perguntas acima dependia da situação concreta. A CF/88 previu três regras que serão aplicáveis para cada uma das situações. Vejamos: 

SITUAÇÃO 1 

• Situação: quando a pessoa tiver adquirido o produto/serviço como consumidor final e for contribuinte do ICMS. 

• Exemplo: supermercado de PE adquire computadores de SP como consumidor final, ou seja, os computadores não serão para revenda, mas sim para uso próprio. O supermercado é consumidor final do produto e é contribuinte do ICMS (paga ICMS normalmente pelas outras operações que realiza). 

• Solução dada pela CF/88: neste caso, a redação originária da CF/88 optou por dividir a arrecadação do ICMS entre o Estado de origem (SP) e o de destino da mercadoria (PE). 

O ICMS será cobrado duas vezes: 

1ª) Quando a mercadoria sair do estabelecimento vendedor, aplica-se a alíquota interestadual de ICMS. O valor obtido ficará com o Estado de origem. 

2ª) Quando a mercadoria der entrada no estabelecimento que a comprou, aplica-se a diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual. O valor obtido ficará com o Estado de destino. 

Voltando ao nosso exemplo: 

1ª) Quando os computadores saírem da loja em SP, a Sefaz de SP irá cobrar a alíquota interestadual (7%). Esse valor (7% sobre o preço das mercadorias) ficará com SP. 

2ª) Quando os computadores chegarem no supermercado em PE, a Sefaz de PE irá cobrar a diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual. Será assim: 17% (alíquota interna de PE) - 7% (alíquota interestadual) = 10%. Logo, imputa-se 10% sobre o preço das mercadorias. Esse valor obtido ficará com PE. 

Vale ressaltar, no entanto, que esta situação não é muito frequente na prática. 

• Previsão na redação originária da CF/88: 

Art. 155 (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; (...) VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; 

SITUAÇÃO 2: 

• Situação: quando o adquirente for consumidor final da mercadoria comprada e NÃO for contribuinte do ICMS. 

• Exemplo: advogado de Recife (PE) compra um computador pela internet de uma loja de SP. 

• Solução dada pela CF/88: aplica-se a alíquota INTERNA do Estado vendedor e o valor fica todo com o Estado de origem (Estado onde se localiza o vendedor; no caso, SP). O Estado onde mora o comprador não ganha nada (em nosso exemplo, Pernambuco). 

Voltando ao nosso exemplo: 

A alíquota interna do Estado de SP (Estado vendedor) é de 18%. Logo, multiplica-se 18% pelo preço das mercadorias. O valor obtido fica inteiramente com SP. Essa situação cresceu incrivelmente por força do aumento das compras pela internet, o chamado ecommerce. 

• Previsão na redação originária da CF/88: 

Art. 155 (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: (...) b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; 

SITUAÇÃO 3: 

• Situação: quando o adquirente não for o consumidor final do produto adquirido. 

• Exemplo: supermercado de PE compra computadores de empresa de SP para revender em suas lojas no Recife. 

• Solução dada pela CF/88: aplica-se a alíquota INTERESTADUAL, mas o valor ficará todo com o Estado de origem (Estado onde se localiza o vendedor; no caso, SP). 

Voltando ao nosso exemplo: quando esses computadores saírem de SP, deverá ser aplicada a alíquota interestadual (7%) e todo esse valor fica com o Estado de origem. Obs: esta é a situação mais corriqueira na prática. 

Resumo das regras que foram previstas originariamente pela CF/88: 

SITUAÇÃO 

1) quando a pessoa tiver adquirido o produto/serviço como consumidor final e for contribuinte do ICMS.

2) quando o adquirente for consumidor final da mercadoria comprada e não for contribuinte do ICMS.

3) quando o adquirente não for o consumidor final do produto adquirido.


ALÍQUOTAS APLICÁVEIS 

1) Duas: 1º) alíquota interestadual; 2º) diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

2) Só uma: a interna do Estado de origem.

3) Só uma: interestadual.


QUEM FICA COM O ICMS OBTIDO? 

1) Os dois Estados. O Estado de origem fica com o valor obtido com a alíquota interestadual. O Estado de destino fica com o valor obtido com a diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual. 

2) Estado de origem. Aplica-se a alíquota interna do Estado vendedor e o valor fica todo com ele. 

3) Estado de origem. Aplica-se a alíquota interestadual, mas o valor ficará todo com o Estado de origem. 

Obs.: as situações 2 e 3 são muito comuns na prática e o cenário 1 é de rara ocorrência. 

Crítica feita por muitos Estados 

A maioria dos Estados (Paraíba, Piauí, Bahia, Mato Grosso, Ceará, Sergipe, entre outros) criticava a sistemática do ICMS acima explicada, taxando-a de injusta e afirmando que ela contribui para o aumento das desigualdades regionais. Isso porque quase todos os centros de produção e de distribuição de produtos industrializados estão localizados nas Regiões Sul e Sudeste do país, notadamente no Estado de São Paulo. Tais Estados são muito industrializados e concentram boa parte da riqueza financeira nacional. Os Estados situados nas demais regiões (em especial, Norte e Nordeste) aglutinam, proporcionalmente, mais consumidores do que empresas. Desse modo, os Estados do Norte e Nordeste afirmavam que a regra constitucional do ICMS era injusta porque excluía os Estados consumidores da arrecadação do imposto, que ficava com os Estados produtores (chamada “regra de origem”), que já são mais desenvolvidos economicamente e, com isso, ficam ainda mais ricos. 

EC 87/2015 Diante disso, os chamados Estados consumidores conseguiram se unir e aprovaram, no Congresso Nacional, a EC 87/2015, que alterou as regras acima explicadas. Vou explicar o que mudou com a EC 87/2015. 

II - MUDANÇA FEITA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 87/2015 

A EC 87/2015 alterou a solução dada para a SITUAÇÃO 2 acima explicada e passou a dizer que o ICMS, nesses casos, deveria ser dividido entre o Estado de origem e o Estado de destino. 

Vejamos novamente a SITUAÇÃO 2 para entender o que mudou: 

• Situação: quando o adquirente for consumidor final da mercadoria comprada e NÃO for contribuinte do ICMS. 

• Exemplo: advogado de Recife (PE) compra um computador pela internet de uma loja de SP. 

• Solução dada pela CF/88 em sua redação originária: 

Aplicava apenas a alíquota INTERNA do Estado vendedor. O valor ficava todo com o Estado de origem (Estado onde se localiza o vendedor; no caso, SP). O Estado onde morava o comprador não ganhava nada (em nosso exemplo, Pernambuco). 

• Solução dada pela EC 87/2015: 

Passaram a incidir duas alíquotas: 1º) alíquota interestadual; 2º) diferença entre a alíquota interna e a interestadual. 

O valor da arrecadação é dividido entre o Estado de origem e o de destino. a) Valor obtido com a aplicação da alíquota interestadual (ex: 7% x 2 mil reais): fica todo para o Estado de origem. b) Valor obtido com a aplicação da diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a interestadual. Ex.: 17% (alíquota interna de PE) – 7% (alíquota interestadual) = 10%. Multiplica-se 10% x 2 mil reais (valor do produto). O resultado dessa operação fica com o Estado de destino. Essa diferença é chamada de Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Difal/ICMS). 

Resumo das regras existentes após a EC 87/2015: 

SITUAÇÃO 

1) quando a pessoa tiver adquirido o produto/serviço como consumidor final e for contribuinte do ICMS.

2) quando o adquirente for consumidor final da mercadoria comprada e não for contribuinte do ICMS.

3) quando o adquirente não for o consumidor final do produto adquirido.


ALÍQUOTAS APLICÁVEIS 

1) Duas: 1º) alíquota interestadual; 2º) diferença entre a alíquota interna e a interestadual. 

2) Duas: 1º) alíquota interestadual; 2º) diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

3) Interestadual

QUEM FICA COM O ICMS? 

1) Os dois Estados. * O Estado de origem fica com o valor obtido com a alíquota interestadual. * O Estado de destino fica com o valor obtido com a diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual. Obs.: o adquirente (destinatário) do produto ou serviço é quem deverá fazer o recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. 

2) Os dois Estados. * O Estado de origem fica com o valor obtido com a alíquota interestadual. * O Estado de destino fica com o valor obtido com a diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual. Obs.: o remetente do produto ou serviço é quem deverá fazer o recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. 

3) Estado de origem. Aplica-se a alíquota interestadual, mas o valor ficará todo com o Estado de origem. 

QUADRO-COMPARATIVO: 

Redação anterior à EC 87/2015 

Art. 155 (...) § 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte: VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; (regra aplicável à SITUAÇÃO 1) b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; (regra que era aplicável à SITUAÇÃO 2) 

VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; 


Redação dada pela EC 87/2015 

Art. 155 (...) § 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte: VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; a) (revogada); b) (revogada); 

VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: 

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; 

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; 


O pagamento do diferencial de alíquota é devido mesmo que o contribuinte seja uma empresa aderente ao Simples? 

SIM. É constitucional a cobrança antecipada de diferencial de alíquota de ICMS de sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, independentemente de o contribuinte estar na condição de consumidor final no momento da aquisição. 

O que é o Simples Nacional? 

O Simples Nacional é um regime unificado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte, estando previsto na Lei Complementar nº 123/2006. A empresa que aderir ao Simples desfruta da vantagem de recolher quase todos os tributos (federais, estaduais e municipais) mediante um único pagamento, calculado sobre um percentual de sua receita bruta. O objetivo do Simples é fazer com que as microempresas e empresas de pequeno porte tenham um regime jurídico simplificado e favorecido, com menos burocracia e menor carga tributária. O tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte é um mandamento constitucional, previsto no art. 146, III, “d”, art. 170, IX e art. 179, da CF/88. A inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional exige o preenchimento de determinadas condições listadas no art. 17 da LC 123/2006. A cobrança do diferencial de alíquota não viola a sistemática do Simples Nacional, uma vez que há previsão expressa no art. 13, § 1º, XIII, “g”, da LC 123/2006 (Lei do Simples Nacional): 

Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições: (...) § 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas: (...) XIII - ICMS devido: (...) g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal: 1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4º do art. 18 desta Lei Complementar; 2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor; 

Além disso, não há ofensa à regra da não cumulatividade, haja vista que o art. 23 da LC 123/2006 veda explicitamente a apropriação ou compensação de créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional. O diferencial de alíquota consiste em recolhimento pelo Estado de destino da diferença entre as alíquotas interestadual (menor) e interna (maior), de maneira a equilibrar a partilha do ICMS em operações entre entes federados. Complementa-se o valor do ICMS devido na operação. Ocorre, portanto, a cobrança de um único imposto (ICMS), calculado de duas formas distintas, de modo a alcançar o valor total devido na operação interestadual. Cabe ao legislador ordinário excepcionar a norma-regra da não cumulatividade mesmo em situação de plurifasia, impedindo a formação do direito ao abatimento, desde que em prol da racionalidade do regime diferenciado e mais favorável ao micro e pequeno empreendedor, bem como lastreado em finalidades com assento constitucional, como é o caso da promoção do federalismo fiscal cooperativo de equilíbrio e da continuidade dos pilares do Estado Fiscal. Cabe destacar, por fim, que a opção pelo Simples Nacional é facultativa no âmbito da livre conformação do planejamento tributário, arcando-se com bônus e ônus decorrentes dessa escolha empresarial que, em sua generalidade, representa um tratamento tributário sensivelmente mais favorável à maioria das sociedades empresárias de pequeno e médio porte. Nesse contexto, não há como prosperar uma adesão parcial ao regime simplificado, adimplindo-se obrigação tributária de forma centralizada e com carga menor, simultaneamente ao não recolhimento de diferencial de alíquota nas operações interestaduais. 

Em suma: É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos. STF. Plenário. RE 970821/RS, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/5/2021 (Info 1017).

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