5 de junho de 2021

É inconstitucional lei municipal que discipline a instalação de sistemas transmissores de telecomunicações

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1014-stf.pdf


COMPETÊNCIA LEGISLATIVA 

É inconstitucional lei municipal que discipline a instalação de sistemas transmissores de telecomunicações 

É inconstitucional lei municipal que estabeleça limitações à instalação de sistemas transmissores de telecomunicações por afronta à competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, nos termos dos arts. 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADPF 732/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Na cidade de Valinhos (SP), foi editada a Lei nº 5.683/2018, que tratou sobre a instalação de infraestrutura de suporte para equipamentos de telecomunicações no Município. Veja o que disse o art. 2º da Lei: 

Art. 2º Os sistemas transmissores de que trata a presente Lei poderão ser instalados em todo o território municipal, independente da classificação do uso do solo e desde que atendidas as demais condições estabelecidas, exceto nas denominadas ‘Áreas Criticas’, nas áreas localizadas até 100 (cem) metros de residências, praças, parques, jardins, imóveis integrantes do patrimônio histórico cultural, áreas de preservação permanente (APP), áreas verdes definidas pelo inciso IX do art. 2º da Lei Municipal nº 4.186, de 10 de outubro de 2007, ou áreas destinadas à implantação de sistema de lazer definidas pelo inciso XLIX do art. 2º da Lei Municipal nº 4.186, de 10 de outubro de 2007. Parágrafo único. As exceções contidas no caput não se aplicam aos sistemas de transmissão já instalados no Município. 

Essa Lei é constitucional? 

NÃO. Essa lei é formalmente inconstitucional porque adentrou na esfera de competência privativa da União. 

Competência para legislar sobre telecomunicações é da União 

O art. 21, XI, da CF/88 prevê que compete à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. O art. 22, IV, por sua vez, afirma que compete privativamente à União legislar sobre “água, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão”. 

Essa lei de Valinhos tratou sobre telecomunicações? O que é serviço de telecomunicações? 

O art. 60 da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações) traz a seguinte definição: 

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. (...) § 2º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis. 

A partir da leitura desse dispositivo, é possível identificar que estão incluídos no conceito de serviços de telecomunicações os equipamentos e os meios necessários para transmissão dos sinais eletromagnéticos, tais como as antenas de telefonia celular. Logo, o dispositivo legal impugnado, ao prever que os sistemas transmissores de telefonia não poderão ser instalados nas áreas localizadas até 100 metros de residências, praças, parques, jardins etc., invadiu competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, nos termos dos arts. 21, XI, e 22, IV, da CF/88. 

Direito à saúde 

O Município argumentou que a referida lei teria por objetivo proteger a saúde da população contra a radiação. A defesa da saúde é matéria de competência concorrente (art. 24, XII, da CF/88). No entanto, esta Lei, a pretexto de proteger a saúde da população, traz regras sobre os serviços de telecomunicações. A competência atribuída aos Municípios em matéria de defesa e proteção da saúde não pode se sobrepor ao interesse mais amplo da União no tocante à formulação de uma política de âmbito nacional para o estabelecimento de regras uniformes, em todo o território nacional, com a finalidade de proteger a saúde de toda população brasileira. Desse modo, ainda que a questão envolva matéria relacionada à proteção de saúde, a regulamentação deve ser feita de forma homogênea no território brasileiro, de acordo com os valores fixados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os quais são obtidos por meio de embasamento científico com a finalidade de proteger a população em geral e viabilizar a operação dos sistemas de telefonia celulares com limites considerados seguros. Assim, diante do aumento da expansão dos serviços de telefonia móvel no País, da multiplicação na instalação de antenas para possibilitar a execução dos serviços e do fato de não haver estudos conclusivos acerca de malefícios causados à saúde pela emissão de radiação por essas antenas, a necessidade de se garantir a defesa e a proteção da saúde de todos constitui uma das atribuições da União, cujo enfoque há de ser necessariamente nacional. 

Legislação federal tratou sobre o tema 

Vale ressaltar, por fim, que a matéria já está disciplinada em nível nacional. A Anatel, agência reguladora do setor, estabeleceu os critérios a serem observados em âmbito nacional. A Anatel editou a Resolução 700/2018, que regulamenta os limites de exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de radiofrequências entre 9 kHz (nove quilohertz) e 300 GHz (trezentos giga-hertz), que devem ser observados por todos que utilizem estações transmissoras de serviços de telecomunicações. Ainda, no exercício de sua competência privativa para legislar sobre telecomunicações, a União editou a Lei nº 11.934/2009, a qual estabelece “limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz (trezentos giga-hertz), visando a garantir a proteção da saúde e do meio ambiente” (art. 1º, caput). De acordo com essa legislação, são adotados expressamente os limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde – OMS, que por sua vez, seguem os limites da Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante – ICNIRP. Posteriormente, foi editada a Lei nº 13.116/2015, “que estabelece normas gerais para a implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações”, a qual objetiva, dentre outras coisas, a “precaução contra os efeitos da emissão de radiação não ionizante, de acordo com os parâmetros definidos em lei” (art. 2º, IV). 

Em suma: É inconstitucional lei municipal que estabeleça limitações à instalação de sistemas transmissores de telecomunicações por afronta à competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, nos termos dos arts. 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADPF 732/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Dispositivo 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 5.683/2018, do município de Valinhos. 

DOD PLUS – JULGADO CORRELATO 

É inconstitucional lei estadual que discipline a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular Ao estabelecer condições para a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular no Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 10.995/2001, a pretexto de proteger a saúde da população, adentrou na esfera de competência privativa da União. Dessa forma, a presunção de que gozam os entes menores para, nos assuntos de interesse comum e concorrente, legislarem sobre seus respectivos interesses (presumption against preemption) foi nitidamente afastada por norma federal expressa (clear statement rule). STF. Plenário. ADI 2902, Rel. Edson Fachin, julgado em 04/05/2020 (Info 981 – clipping). 



Nenhum comentário:

Postar um comentário