19 de junho de 2021

Se o anistiado político ocupava um cargo público quando foi perseguido e esse cargo foi transformado em outro, o valor da reparação mensal deverá ser igual à remuneração do atual cargo

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-696-stj.pdf


ANISTIA POLÍTICA - Se o anistiado político ocupava um cargo público quando foi perseguido e esse cargo foi transformado em outro, o valor da reparação mensal deverá ser igual à remuneração do atual cargo 

No tocante ao valor da reparação mensal devida aos anistiados políticos, a fixação do quantum indenizatório por pesquisa de mercado deve ser supletiva, utilizada apenas quando não há, por outros meios, como se estipular o valor da prestação mensal, permanente e continuada. Ex: João era Fiscal do IAPC. Em razão de perseguição política ocorrida durante o regime militar, ele foi obrigado a abandonar o cargo, fugindo para o Paraguai. Se a União reconhecer a condição de anistiado político de João, deverá fixar a reparação mensal em valor igual à remuneração de Auditor Fiscal da Receita Federal, considerando que Fiscal do IAPC foi transformado neste outro cargo. Não se deve utilizar aqui o critério da pesquisa de mercado. STJ. 1ª Seção. MS 24.508/DF, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 12/05/2021 (Info 696). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João era Fiscal do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários - IAPC (cujas funções são atualmente exercidas pelo INSS). Em razão de perseguição política ocorrida durante o regime militar, ele foi obrigado a abandonar o cargo de Fiscal do IAPC, fugindo para o Paraguai. 

Anistia política e reparação de natureza econômica 

A fim de reparar política e economicamente situações como a que foi relatada acima, que atingiram milhares de indivíduos na época da ditadura militar, a CF/88 previu, no art. 8º do ADCT, que a União poderá conceder anistia política a pessoas que foram prejudicadas por perseguições decorrentes de motivação política no período de 18/09/1946 até a data de promulgação da Constituição. Há previsão também de que o anistiado receba uma reparação de natureza econômica, a ser paga pela União, em alguns casos nos quais fique demonstrado que ele sofreu prejuízos em sua atividade laboral. A Lei nº 10.559/2002 regulamentou o art. 8º do ADCT e a concessão dessa reparação econômica para os anistiados. 

Voltando ao caso concreto: 

Em 2011, João iniciou processo administrativo perante o Ministério da Justiça, buscando ver reconhecida sua condição de anistiado político e, com isso, receber a indenização devida. Em 2018, o Ministro da Justiça 

• declarou João como anistiado político; e 

• concedeu a ele reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente e continuada, no valor de R$ 3.259,00, com efeitos financeiros retroativos, nos termos do art. 1º, II, da Lei nº 10.559/2002: 

Art. 1º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: (...) II - reparação econômica, de caráter indenizatório, (...) em prestação mensal, permanente e continuada (...) 

Por que João tem direito de receber essa reparação econômica mensal? Por que ele vai ficar recebendo esse valor todo mês? 

Porque quando João foi perseguido politicamente, ele ocupava um cargo público (fiscal do IAPC), de forma que se amolda ao que prevê o art. 5º da Lei nº 10.559/2002: 

Art. 5º A reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, nos termos do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será assegurada aos anistiados políticos que comprovarem vínculos com a atividade laboral, à exceção dos que optarem por receber em prestação única. 

Qual é o critério que a União deve adotar para fixar o valor dessa reparação mensal? 

O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se ainda estivesse na ativa (art. 6º da Lei nº 10.559/2002). A dificuldade, no caso concreto, é que o IAPC não existe mais, ou seja, já foi extinto há muitos anos. 

Diante disso, qual foi o parâmetro que a União utilizou para fixar o valor da prestação mensal? 

A União calculou o valor com base em uma “pesquisa de mercado”, invocando, para isso, o § 1º do art. 6º da Lei nº 10.559/2002: 

Art. 6º (...) § 1º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de órgãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou empresas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado. 

Agiu corretamente a União ao se valer, no caso concreto, de pesquisa de mercado para fixar o valor da reparação mensal do anistiado? 

NÃO. A fixação do valor indenizatório mediante pesquisa de mercado (baseado em informações disponibilizadas por institutos de pesquisa) deve ser supletiva (subsidiária), ou seja, somente deve ser utilizada quando não há como se estipular o valor da prestação mensal por outros meios. O cargo de João (Fiscal do IAPC) não foi sumariamente extinto, tendo sido, por força de lei, transformado em outro cargo existente atualmente, qual seja, o de Auditor Fiscal da Receita Federal. Logo, deve-se aplicar a regra do caput do art. 6º da Lei nº 10.559/2002 e o valor da prestação mensal deve ser “igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse”. Em outras palavras, o valor da prestação mensal a ser recebida por João deve ser igual à remuneração de um Auditor Fiscal da Receita Federal. 

Em suma: No tocante ao valor da reparação mensal devida aos anistiados políticos, a fixação do quantum indenizatório por pesquisa de mercado deve ser supletiva, utilizada apenas quando não há, por outros meios, como se estipular o valor da prestação mensal, permanente e continuada. STJ. 1ª Seção. MS 24.508/DF, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 12/05/2021 (Info 696).

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