19 de julho de 2021

DIREITO EMPRESARIAL - PROPRIEDADE INDUSTRIAL: Aplica-se o prazo quinquenal do art. 206, § 5º, I, do Código Civil, no caso de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-698-stj-1.pdf


DIREITO EMPRESARIAL - PROPRIEDADE INDUSTRIAL: Aplica-se o prazo quinquenal do art. 206, § 5º, I, do Código Civil, no caso de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares 

A pretensão de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares possui prazo prescricional quinquenal. A Lei nº 9.456/97 não cuida do contrato de licença de uso, nem tampouco do prazo prescricional para a ação de cobrança de royalties. Além disso, não prevê a aplicação subsidiária de outro regramento, de modo que, para regular a prescrição, deve ser aplicada a norma geral, isto é, o Código Civil. No caso concreto, a apuração do valor devido dependia apenas de meros cálculos aritméticos. Assim, a pretensão era de recebimento de dívida líquida constante de instrumento particular. Nesse contexto, deve ser aplicado o prazo quinquenal de que trata o art. 206, § 5º, I, do CC: “Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;” STJ. 3ª Turma. REsp 1.837.219-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

O que é uma “cultivar”? 

Uma “cultivar” ocorre quando uma pessoa (física ou jurídica) consegue obter uma variedade cultivada de planta por meio de técnicas de melhoramento genético. Veja o conceito legal de cultivar: 

Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456/97) Art. 3º Considera-se, para os efeitos desta Lei: (...) IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos; 

O mesmo dispositivo legal prevê ainda outra expressão “nova cultivar”: 

V - nova cultivar: a cultivar que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies; 

Ambas são protegidas pela Lei 9.456/97 (art. 4º), que garante o direito de propriedade da “cultivar” e “nova cultivar” ao titular/obtentor (art. 5º), inclusive o direito à reprodução comercial no território brasileiro (art. 9º), durante o prazo de proteção: 

Art. 4º É passível de proteção a nova cultivar ou a cultivar essencialmente derivada, de qualquer gênero ou espécie vegetal. 

Art. 5º À pessoa física ou jurídica que obtiver nova cultivar ou cultivar essencialmente derivada no País será assegurada a proteção que lhe garanta o direito de propriedade nas condições estabelecidas nesta Lei. § 1º A proteção poderá ser requerida por pessoa física ou jurídica que tiver obtido cultivar, por seus herdeiros ou sucessores ou por eventuais cessionários mediante apresentação de documento hábil. § 2º Quando o processo de obtenção for realizado por duas ou mais pessoas, em cooperação, a proteção poderá ser requerida em conjunto ou isoladamente, mediante nomeação e qualificação de cada uma, para garantia dos respectivos direitos. § 3º Quando se tratar de obtenção decorrente de contrato de trabalho, prestação de serviços ou outra atividade laboral, o pedido de proteção deverá indicar o nome de todos os melhoristas que, nas condições de empregados ou de prestadores de serviço, obtiveram a nova cultivar ou a cultivar essencialmente derivada. 

Art. 8º A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira. 

Art. 9º A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial no território brasileiro, ficando vedados a terceiros, durante o prazo de proteção, a produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou a comercialização, do material de propagação da cultivar, sem sua autorização. 

A proteção das cultivares é temporária e perdurará durante os prazos fixados pela Lei nº 9.456/97. Passados os prazos de proteção, a cultivar cairá em domínio público, ou seja, poderá ser utilizada por outras pessoas sem necessidade de autorização do titular/obtentor: 

Art. 11. A proteção da cultivar vigorará, a partir da data da concessão do Certificado Provisório de Proteção, pelo prazo de quinze anos, excetuadas as videiras, as árvores frutíferas, as árvores florestais e as árvores ornamentais, inclusive, em cada caso, o seu porta-enxerto, para as quais a duração será de dezoito anos. 

Art. 12. Decorrido o prazo de vigência do direito de proteção, a cultivar cairá em domínio público e nenhum outro direito poderá obstar sua livre utilização. 

Como se dá a proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar? 

Segundo o art. 2º da Lei 9.456/97, a proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se dá mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, obstando a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País: 

Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País. 

Para isso, é necessário realizar o chamado “pedido de proteção” (art. 13) pela pessoa física ou jurídica que obtiver “cultivar”, ou por seu procurador, e protocolizar no órgão competente: 

Art. 13. O pedido de proteção será formalizado mediante requerimento assinado pela pessoa física ou jurídica que obtiver cultivar, ou por seu procurador, e protocolado no órgão competente. Parágrafo único. A proteção, no território nacional, de cultivar obtida por pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior, nos termos dos incisos I e II do art. 6º, deverá ser solicitada diretamente por seu procurador, com domicílio no Brasil, nos termos do art. 50 desta Lei. 

Após a publicação oficial da decisão do órgão competente, o Certificado de Proteção de Cultivar será expedido (art. 20), resguardando os direitos de propriedade do titular/obtentor durante o respectivo prazo de proteção: 

Art. 20. O Certificado de Proteção de Cultivar será imediatamente expedido depois de decorrido o prazo para recurso ou, se este interposto, após a publicação oficial de sua decisão. § 1º Deferido o pedido e não havendo recurso tempestivo, na forma do § 7º do art. 18, a publicação será efetuada no prazo de até quinze dias. § 2º Do Certificado de Proteção de Cultivar deverão constar o número respectivo, nome e nacionalidade do titular ou, se for o caso, de seu herdeiro, sucessor ou cessionário, bem como o prazo de duração da proteção. § 3º Além dos dados indicados no parágrafo anterior, constarão do Certificado de Proteção de Cultivar o nome do melhorista e, se for o caso, a circunstância de que a obtenção resultou de contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou outra atividade laboral, fato que deverá ser esclarecido no respectivo pedido de proteção. 

Art. 21. A proteção concedida terá divulgação, mediante publicação oficial, no prazo de até quinze dias a partir da data de sua concessão. 

Art. 22. Obtido o Certificado Provisório de Proteção ou o Certificado de Proteção de Cultivar, o titular fica obrigado a manter, durante o período de proteção, amostra viva da cultivar protegida à disposição do órgão competente, sob pena de cancelamento do respectivo Certificado se, notificado, não a apresentar no prazo de sessenta dias. Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, quando da obtenção do Certificado Provisório de Proteção ou do Certificado de Proteção de Cultivar, o titular fica obrigado a enviar ao órgão competente duas amostras vivas da cultivar protegida, uma para manipulação e exame, outra para integrar a coleção de germoplasma. 

Dentro do prazo de proteção, o uso não autorizado da cultivar em áreas de plantação é passível de sanção? SIM. Confira o que diz o art. 37 da Lei nº 9.456/97: 

Art. 37. Aquele que vender, oferecer à venda, reproduzir, importar, exportar, bem como embalar ou armazenar para esses fins, ou ceder a qualquer título, material de propagação de cultivar protegida, com denominação correta ou com outra, sem autorização do titular, fica obrigado a indenizá-lo, em valores a serem determinados em regulamento, além de ter o material apreendido, assim como pagará multa equivalente a vinte por cento do valor comercial do material apreendido, incorrendo, ainda, em crime de violação dos direitos do melhorista, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. 

Há exceção ao direito de propriedade sobre a cultivar protegida? SIM. 

O art. 10 prevê algumas exceções ao direito de propriedade sobre a cultivar protegida: 

Art. 10. Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que: I - reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em estabelecimento de terceiros cuja posse detenha; II - usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu plantio, exceto para fins reprodutivos; III - utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica; IV - sendo pequeno produtor rural, multiplica sementes, para doação ou troca, exclusivamente para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programas de financiamento ou de apoio a pequenos produtores rurais, conduzidos por órgãos públicos ou organizações nãogovernamentais, autorizados pelo Poder Público. V - multiplica, distribui, troca ou comercializa sementes, mudas e outros materiais propagativos no âmbito do disposto no art. 19 da Lei no 10.696, de 2 de julho de 2003, na qualidade de agricultores familiares ou por empreendimentos familiares que se enquadrem nos critérios da Lei n o 11.326, de 24 de julho de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018) 

O que acontece se a cultivar não estiver no “prazo de proteção”? Ela passa a ser de domínio público? 

SIM. Conforme já explicado acima, se a cultivar não está no prazo de proteção (art. 40, I), ela não está protegida pela Lei nº 9.456/97. Consequentemente, a pessoa jurídica que utiliza a cultivar em sua área de plantação (produtor) não está obrigada a pagar royalties para o titular/obtentor da cultivar, ou seja, a cultivar passa a ser de domínio público (art. 41): 

Art. 40. A proteção da cultivar extingue-se: I - pela expiração do prazo de proteção estabelecido nesta Lei; II - pela renúncia do respectivo titular ou de seus sucessores; III - pelo cancelamento do Certificado de Proteção nos termos do art. 42. Parágrafo único. A renúncia à proteção somente será admitida se não prejudicar direitos de terceiros. 

Art. 41. Extinta a proteção, seu objeto cai em domínio público. 

E quando a cultivar estiver no prazo de proteção? Como é possível veicular obrigações dessa natureza? Se a cultivar estiver dentro do prazo de proteção, uma das maneiras de veicular obrigações entre o titular/obtentor da cultivar e o produtor (licenciado) é por meio do chamado contrato de licença. Vale ressaltar que o contrato de licença deve descrever o objeto e os limites de autorização de uso, a forma de cálculo e o modo de pagamento da contraprestação. 

Feita essa necessária explicação, imagine a seguinte situação hipotética: 

A Copersucar, proprietária de cultivares de cana-de-açúcar (por um prazo de proteção), firmou com Sabálcool um contrato de licença de multiplicação de material vegetativo de cultivares de cana-de-açúcar. A Sabálcool sempre declarou as quantidades e tipos de cultivares utilizados a cada ano nas suas áreas de plantação, mas deixou de acompanhar o procedimento de apuração dos royalties devidos e, consequentemente, não efetuou o respectivo pagamento. A Copersucar ajuizou, então, ação de cobrança de royalties decorrentes do contrato de licenciamento. O juízo que proferiu a sentença entendeu que os valores (royalties) cobrados pela Copersucar estavam prescritos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do Código Civil: 

Art. 206. Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; (...) 

Ao apreciar o recurso, o TJ/SP seguiu o mesmo fundamento, mantendo a decisão recorrida. A empresa autora da ação interpôs recurso especial alegando que a Lei nº 9.456/97 não prevê prazo prescricional para a ação de cobrança de royalties. Logo, deveria ser aplicado o prazo geral de prescrição previsto no art. 205 do Código Civil (10 anos): 

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 

A decisão do TJ/SP foi mantida? É correto aplicar o art. 206, § 5º, I, do Código Civil, no caso de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares? 

SIM. Somente na falta de regramento específico é que irá incidir o prazo geral decenal do art. 205. Na situação analisada, o produtor informou a quantidade e os tipos de cultivares utilizados em sua área de plantação. Logo, a obrigação é líquida, ou seja, certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto. Diante disso, o cálculo do valor dos royalties dependia apenas de simples operação aritmética. Em sendo assim, de acordo com o art. 206, § 5º, I, do Código Civil, nos casos de dívida líquida prevista em instrumento particular, a pretensão de cobrança prescreve no prazo de 5 anos: 

Art. 206. Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; (...) 

Portanto, não se aplica o art. 205, mas sim o regramento específico do art. 206, § 5º, I, do Código Civil, porque o caso concreto se revelou como sendo dívida líquida constante de instrumento particular. 

Conclusão 

A Lei nº 9.456/97 não cuida do contrato de licença de uso, nem tampouco do prazo prescricional para a ação de cobrança de royalties. Além disso, não prevê a aplicação subsidiária de outro regramento, de modo que, para regular a prescrição, deve ser aplicada a norma geral, isto é, o Código Civil. No caso concreto, a apuração do valor devido depende de meros cálculos aritméticos. Assim, a pretensão é de recebimento de dívida líquida constante de instrumento particular. Nesse contexto, deve ser aplicado o prazo quinquenal de que trata o art. 206, § 5º, I, do Código Civil: 

A pretensão de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares possui prazo prescricional quinquenal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.837.219-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

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