19 de julho de 2021

LEI DE CRIMES AMBIENTAIS - Construir uma casa em uma unidade de conservação: crime do art. 64 da Lei 9.605/98 (os delitos dos arts. 40 e 48 ficam absorvidos)

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-698-stj-1.pdf


LEI DE CRIMES AMBIENTAIS - Construir uma casa em uma unidade de conservação: crime do art. 64 da Lei 9.605/98 (os delitos dos arts. 40 e 48 ficam absorvidos) 


Absorção do delito do art. 40 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei nº 9.605/98). Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente, como se vê na própria Súmula 17/STJ. Absorção do delito do art. 48 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 A conduta do art. 48 da Lei nº 9.605/98 é mero pós-fato impunível do ato de construir em local não edificável. Afinal, com a própria existência da construção desejada e executada pelo agente - e à qual, portanto, se dirigia seu dolo -, é inevitável que fique impedida a regeneração da flora antes existente no mesmo lugar. Por isso, o princípio da consunção obsta a punição autônoma dos dois delitos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João construiu, dentro da área de uma estação ecológica (unidade de conservação), uma casa de alvenaria de 260m², sem autorização do ICMBio, autarquia federal responsável pela gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Ao tomar conhecimento desse fato, o Ministério Público federal denunciou João pela prática do crime previsto no art. 40 da Lei nº 9.605/98, em concurso material com o delito do art. 48 da mesma Lei: 

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização: Pena - reclusão, de um a cinco anos. 

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. 

Segundo o entendimento do STJ, a imputação feita pelo MPF está correta? NÃO. 


Absorção do delito do art. 40 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 

A construção em solo não edificável, ou seja, dentro de Unidade de Conservação, sem autorização da autoridade competente, amolda-se exatamente ao tipo penal previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98: 

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. 

O dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, absorvido pela edificação irregular. Este dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do iter do art. 64, caso em que se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência naturalística inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível. De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva. 

O MPF argumentava que não seria possível absorver o crime do art. 40 por duas razões: 1) os bens jurídicos protegidos pelos dois tipos penais são diferentes; 2) o crime do art. 40 possui pena maior que o do art. 64. 

O STJ, contudo, refutou esses argumentos: 

1) Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador, conforme explica a doutrina: 

“Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de bens jurídicos distintos. A prosperar tal argumento, jamais se poderia, por exemplo, falar em absorção nos crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492/86), na medida em que todos eles possuem uma objetividade jurídica específica. É conhecido, entretanto, o entendimento do TRF da 4ª Região, no sentido de que o art. 22 absorve o art. 6º da Lei nº 7.492/8612. Na verdade, a diversidade de bens jurídicos tutelados não é obstáculo para a configuração da consunção. Inegavelmente - exemplificando - são diferentes os bens jurídicos tutelados na invasão de domicílio para a prática de furto, e, no entanto, somente o crime-fim (furto) é punido, como ocorre também na falsificação de documento para a prática de estelionato, não se punindo aquele, mas somente este (Súmula 17/STJ)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal (v. 1). 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 272). 

2) Também é possível vislumbrar situações em que o estelionato, apenado com 1 a 5 anos de reclusão, absorve a falsidade de documento público, cuja sanção é mais grave (2 a 6 anos de reclusão). Nem por isso fica inviabilizada a consunção, nos exatos termos da Súmula 17 do STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. 

Em suma: O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei nº 9.605/98). Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente, como se vê na própria Súmula 17/STJ. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Absorção do delito do art. 48 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 

A conduta do art. 48 da Lei nº 9.605/98 é mero pós-fato impunível do ato de construir em local não edificável. Afinal, com a própria existência da construção desejada e executada pelo agente - e à qual, portanto, se dirigia seu dolo -, é inevitável que fique impedida a regeneração da flora antes existente no mesmo lugar. Por isso, o princípio da consunção obsta a punição autônoma dos dois delitos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Se é a própria existência da edificação irregular que impede a regeneração natural da vegetação, o delito do art. 48 da Lei nº 9.605/98 fica absorvido pelo crime do art. 64 da mesma Lei. O delito de impedir a regeneração natural da flora se dá como mero gozo da construção, em evidente pósfato impunível. Aquele que constrói uma edificação, claramente não poderá permitir que dentro daquela venha a nascer uma floresta. É mero exaurimento do crime de construção indevida, pelo aproveitamento natural da coisa construída. L

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