18 de julho de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ

RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ (2021/0062376-6) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECORRIDO : MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS RABHA ADVOGADO : GABRIEL BORSOTTO THODE - RJ189146 EMENTA PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR SOBRE O ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então Prefeita de Angra dos Reis/RJ teria deixado de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, o que teria resultado na apropriação indébita, entre Janeiro e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. Em valores atualizados: R$ 23.590.184,71 (vinte e três milhões, quinhentos e noventa mil, cento e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos). 2. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que resultou na interposição de Agravo de Instrumento. 3. O acordão ora recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49, e-STJ). PREVALÊNCIA DO MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA SOBRE NORMAS INCOMPATÍVEIS PREVISTAS NA LEI GERAL 4. Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013). 5. Na mesma direção: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (art. 83 do CDC)" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011). 6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: "A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018. CONCLUSÃO 7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. 8. Recurso Especial provido, com determinação de o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o decida como entender de direito. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator." Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento). MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ (2021/0062376-6) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECORRIDO : MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS RABHA ADVOGADO : GABRIEL BORSOTTO THODE - RJ189146 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado: Agravo de Instrumento – Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa – Decisão que indeferiu a produção da prova oral consubstanciada no depoimento pessoal da ré. A análise sobre a admissibilidade recursal deve se orientar pela disciplina do Código de Processo Civil ora vigente; assim sendo, forçoso se reconheça que a matéria versada no recurso sub examine - qual seja, produção de prova oral consubstanciada no depoimento pessoal da ré - não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do sobredito diploma legal. Ausência de preclusão da matéria, que poderá ser reiterada na forma do artigo 1.009, parágrafo 1º do Código de Processo Civil. Diferentemente do que procura fazer crer o agravante inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares – Não conhecimento do Agravo de Instrumento. Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 75-81, e-STJ). O recorrente aponta ofensa aos artigos 489, § 1°, IV, 1.015 e 1.022, parágrafo único, II, do CPC; 19, da Lei n° 4.717/1965; 21, da Lei 7.347/1985 e 90, do CDC. Não houve contrarrazões (fl. 121, e-STJ). O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do Recurso Especial (fls. 159-165, e-STJ). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.925.492 - RJ (2021/0062376-6) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 8 de abril de 2021. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então Prefeita de Angra dos Reis/RJ deixou de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, apropriação indébita, realizada entre Janeiro de 2016 e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que resultou na interposição de Agravo de Instrumento. O acórdão recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49, e-STJ). Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013). A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. Nesse sentido: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011). Confira-se, ainda: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. DECISÃO DECLINATÓRIA DA COMPETÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. MICROSSISTEMA DE DIREITO COLETIVO. PRESTÍGIO. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. A discussão travada nos presentes autos consiste em saber se é cabível agravo de instrumento, no bojo de ação popular, contra decisão que declinou da competência. 3. O aresto distrital não conheceu do recurso por entender que o art. 1.015 do CPC/2015 elenca um rol taxativo de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. 4. A despeito de inaplicável a tese fixada pela Corte Especial, sob a sistemática de recursos representativos, acerca da taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do CPC/2015 (REsps n. 1.696.396/MT e 1.704.520/MT - DJe 19/12/2018), posto que a decisão agravada na origem é anterior à publicação daquele paradigma, o caso guarda peculiaridade, porquanto o art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular traz previsão expressa de que "das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento." 5. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que as disposições do Código de Processo Civil aplicam-se de forma subsidiária às normas insertas nos diplomas que compõem o microssistema de tutela dos interesses ou direitos coletivos (composto pela Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa, Mandado de Segurança Coletivo, Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente) e, em algumas situações, tem feito prevalecer a norma especial em detrimento da geral (REsp 1452660/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 27/04/2018). 6. A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em "outros casos expressamente referidos em lei". 7. Agravo interno provido para anular o aresto recorrido e determinar que o Tribunal a quo examine o agravo de instrumento ali interposto, como entender de direito. (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019, negritado). ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INCLUSÃO SUPERVENIENTE DE PESSOA JURÍDICA NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ADITAMENTO DA INICIAL. ANUÊNCIA DOS DEMAIS CORRÉUS. DESNECESSIDADE. 1. Não há exame da tese veiculada no apelo especial, no tocante à necessidade de o art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil/1973 ser interpretado em conjunto com o art. 202, I, do Código Civil. O Tribunal a quo, em nenhum momento, emitiu juízo de valor sobre a alegativa de que o equívoco do Ministério Público em não requerer a oportuna notificação dos réus para a apresentação da defesa prévia impossibilitaria a interrupção do marco prescritivo. Aplica-se, nesse particular, os óbices das Súmulas 282 e 356 do STF. 2. A jurisprudência do STJ pacificou orientação de que o Código de Processo Civil só se aplica de forma subsidiária ao microssistema de tutela coletiva, desde que não afronte os princípios do processo coletivo. Nesse sentido: REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 15/8/2013, DJe 22/8/2013. 3. O princípio da estabilidade da demanda não pode ser utilizado, de maneira absoluta, como óbice ao aditamento da inicial da ação de improbidade administrativa, especialmente quando ainda não foi prolatado o despacho saneador, devendo-se aplicar, no caso, o disposto no art. 264, parágrafo único, do CPC/1973. 4. No que se refere à indigitada violação do art. 294 do CPC/1973 - ante a ausência de consentimento dos demais litisconsortes com a inclusão de novo réu após a citação -, o dispositivo processual não se aplica na hipótese, por facultar a transação processual, o que se contrapõe à natureza indisponível do interesse tutelado na ação de improbidade administrativa, mormente quando engloba pretensão de ressarcimento ao erário. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido. (REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018) Ante o exposto, dou provimento ao Recurso Especial, com determinação de que o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e decida como entender de direito. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2021/0062376-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.925.492 / RJ Números Origem: 0017047-55.2018.8.19.0000 00170475520188190000 170475520188190000 202025113557 PAUTA: 04/05/2021 JULGADO: 04/05/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA Secretária Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES AUTUAÇÃO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECORRIDO : MARIA DA CONCEIÇÃO CALDAS RABHA ADVOGADO : GABRIEL BORSOTTO THODE - RJ189146 ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Improbidade Administrativa CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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