03/03/08
CONDIÇÕES DA AÇÃO: O artigo 267 inciso VI do CPC/73 estabelece que o juiz
extinguirá o processo sem resolução do mérito, sem examinar o direito material
quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual (de agir). E o
artigo 301 do CPC/73, ao tratar da contestação, estabelece que compete ao réu, na
contestação, ou seja, na defesa, antes de discutir o mérito, antes de discutir
o direito material, alegar, no inciso X, a carência da ação. O que é isso? É a
falta de condições da ação. O autor não tem o direito de pedir do Estado o
exercício da função jurisdicional sobre essa relação jurídica de direito
material. Por quê? Ou porque o pedido é juridicamente impossível, ou por que
ele não tem interesse de agir, ou porque ele não tem legitimidade. O réu deve
alegar na contestação a falta de condições da ação, a carência da ação. O juiz
também pode examinar de ofício, está expresso lá no artigo 267, § 3º. Mas se o
réu não alegou e o processo foi adiante, o réu vai arcar com as custas a que
deu casa por não ter alegado na contestação. Carência da ação é falta de alguma
das condições da ação. E as condições da ação são questões que o juiz tem que
apreciar antes de julgar o mérito do pedido, porque sem alguma delas o autor
não tem direito a sentença de mérito, não tem direito a prestação jurisdicional
sobre direito material. O que são as condições da ação? Qual é a natureza das
condições da ação? Aqui também há uma divergência na doutrina, mas aqueles
cinco significados que nós demos para o direito de ação ajudam a resolver essa
divergência. Na minha opinião, nós podemos afirmar que as condições da ação são
requisitos da existência do direito de ação. Sem alguma das condições da ação o
autor não tem direito a jurisdição, não tem direito ao exercício da função
jurisdicional sobre a demanda, e ele será julgado carecedor da ação e se
extingue o processo sem resolução de mérito. No entanto, vocês vão encontrar em
doutrina muito reputada, como José Carlos Barbosa Moreira, a noção de que as
condições da ação são requisitos do regular exercício do direito de ação.
Condições de existência ou condições de exercício? Condições de exercício
significa que a ação existe, mas ela não pode ser exercida. Condições de
existência significa que a ação não existe. Bom, aí na verdade, essa diferença
decorre do uso em sentidos diversos da idéia do direito de ação. Como direito a
jurisdição, as condições da ação são condições de existência. Agora como
direito cívico, aqueles que falam que as condições da ação são condições para o
regular exercício da ação estão admitindo que a ação exista sem as condições da
ação. Na verdade é a ação como direito cívico que todo cidadão tem, mesmo que
ele afirme uma hipótese absurda, que é o direito que ele tem de obter uma
resposta. Mas não é ação como direito a qualquer resposta que nos interessa
aqui no processo, e sim o direito a uma resposta sobre o direito material,
reconhecendo ou não a existência do direito de ação e tutelando ou não esse
mesmo direito. Portanto, me parece que as condições da ação são condições da
existência do direito de ação como direito a jurisdição, como direito a prestação
jurisdicional sobre a relação jurídica de direito. E quais são as condições da
ação? O inciso VI do artigo 267 fala em possibilidade jurídica, interesse e
legitimidade. Mas usa uma redação que gera a possibilidade de acreditar que
possam existir outras condições da ação. E vocês vão encontrar em fecunda e
relevante doutrina, até do professor Alfredo Buzaid que foi o autor do CPC/73.
Alfredo Buzaid escreve um livro sobre ação renovatória e diz: olha os
requisitos da ação renovatória, contrato e locação de cinco anos, que a locação
seja comercial, etc, são condições existenciais da ação renovatória. Então, as
condições da ação não são apenas três. Apesar da autoridade do professor
Alfredo Buzaid, ele não tinha razão. As condições da ação são apenas três: possibilidade
jurídica, interesse e legitimidade. As condições da ação renovatória são
condições de procedência de acolhimento do pedido que o autor tem que afirmar
na petição inicial, o autor tem que afirmar que a locação é de cinco anos, que
era uma locação comercial, mas é o juiz que vai verificar se ficou comprovado
ou não o que o autor confirmou. Se ele afirmou e não provou o seu pedido vai
ser julgado improcedente, não vai ser extinto sem resolução de mérito, vai ser
julgado, mas julgado contra ele. Isso é muito relevante porque normalmente
quando o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito a sua sentença não
vai fazer coisa julgada. Lá está no artigo 268 que extinto o processo sem
resolução do mérito, a demanda pode ser renovada, pode ser reiterada. Enquanto
que quando o juiz extingue o processo com julgamento de mérito, de acordo com o
artigo
O que é a possibilidade jurídica? Nós estamos caminhando num terreno
movediço, porque aqui no artigo 267, inciso VI o código fala em possibilidade
jurídica. Já lá no artigo 295, quando ele volta a mencionar as condições da
ação, no seu parágrafo único, inciso III, a lei manda que o juiz indefira a
petição inicial por inépcia quando o pedido for juridicamente impossível.
Então, na verdade nós estamos com duas idéias, uma mais ampla e outra mais
restrita, a de possibilidade jurídica ou a de possibilidade jurídica do pedido.
Eu prefiro a delimitação dessa condição da ação como possibilidade jurídica do
pedido e não como possibilidade jurídica que possa ser do pedido ou da causa de
pedir. E é assim que eu vou tratar, em uma concepção mais restrita, menos
extensa de possibilidade jurídica como condição da existência do direito de
ação. A possibilidade jurídica ou possibilidade jurídica do pedido é a
conformidade do pedido com a ordem jurídica vigente. Eu só posso pedir na
justiça aquilo que a lei permite, eu não posso formular um pedido proibido pela
lei. Quando não existia divórcio, que ingressou no Brasil em 1977 pela E.C. nº
09 e pela lei 6.515, dizia-se o pedido do divórcio é juridicamente impossível,
porque era um pedido contrário a ordem jurídica, na constituição era escrito
que o casamento era indissolúvel, então não podia haver divórcio. Hoje, há
outros pedidos que podem ser considerados juridicamente impossíveis. Se eu
pedir ao juiz que mande cortar a mão do meu vizinho porque ele coloca a vitrola
muito alta e perturba o meu sossego noturno, ou pedir que ele seja preso por
isso, será um pedido impossível juridicamente, pois o ordenamento jurídico
brasileiro não permite a perda da liberdade de locomoção como sanção civil nem
como sanção penal permite a mutilação do corpo humano. Se o meu vizinho me
vendeu um rim e não quis me entregar e eu pedir na justiça que ele seja levado
a força ao hospital pra extrair o rim pra poder fazer o transplante o pedido
será juridicamente impossível, pois deve haver respeito ao corpo humano, não se
deve admitir coações sobre o corpo humano. Ele poderia até ter ido
voluntariamente ao hospital e ter tirado o rim. Houve um caso na França de uma
mulher, uma bailarina que praticava sessões de strip-tease em um cabaré. Toda
noite ela subia no palco e expunha seu corpo, voluntariamente. Um dia por uma
razão qualquer ela não quis mais subir ao palco, mas ela tinha um contrato
assinado que dizia que durante todo aquele mês ela iria subir todas as noites
no palco. Aí o dono do cabaré entrou com uma ação na justiça contra ela para
que ela fosse levada a força para se despir no palco. Pode? Fere a dignidade
humana dela. Ela pode despir o corpo se ela quiser, mas ela não pode ser
forçada a se despir nem com papel passado. Ela pode se arrepender do papel que
ela assinou. Ela pode responder por perdas e danos pelo prejuízo que ela causou
ao estabelecimento que deixou de faturar por causa de turistas que iriam lá
para assistir o espetáculo. Foi assim que decidiu a justiça francesa. Então,
hoje há muitos exemplos de pedidos juridicamente impossíveis, mas vocês vão
encontra nos manuais muitos exemplos de impossibilidade jurídica que não é do
pedido, mas é da causa de pedir. Por exemplo, a doutrina diz que não se pode
cobrar na justiça dívida de jogo, se alguém cobrar na justiça dívida de jogo o
seu pedido é juridicamente impossível? Na minha opinião, o pedido é possível
sim, pois o pedido na cobrança de dívida de jogo é o pagamento de importância
em dinheiro que é um pedido legalmente admitido. O que não é admitido é a causa
de pedir, é o fundamento jurídico, é cobrar uma prestação de dinheiro
decorrente de um jogo de azar. Para aqueles que têm uma concepção mais extensa
de possibilidade jurídica, abrangendo a causa de pedir, toda vez que o
fundamento for ilícito o autor é carecedor da ação. Mas eu acho que é um
exagero, deve se limitar a inexistência de possibilidade jurídica como condição
da ação apenas a ilicitude do pedido e não também da causa de pedir, por várias
razões. A primeira é a de que se der uma extensão muito grande a
impossibilidade jurídica o juiz, em muitos casos em que ele nega a existência
do direito, ele poderá equivocadamente julgar o autor carecedor da ação por
impossibilidade jurídica e a sentença não fará coisa julgada. Quando, na
verdade, o interesse do Estado e também das partes é de que o juiz procure a
sentença sobre a relação jurídica de direito material, sentença de mérito, que
de fato sepulte definitivamente a questão. Então a possibilidade jurídica, ao
meu ver, deve ser vista, hoje, como a ilicitude apenas do pedido. Além disso,
se eu estendo muito a impossibilidade jurídica também para direitos que são
alegados como fundamento do pedido, eu estou, de certo modo, frustrando a
evolução da ordem jurídica. Há muitos direitos que só nasceram através da
jurisprudência. Por exemplo, o direito da concubina a divisão dos bens
adquiridos durante a união estável nasceu através da jurisprudência que a
consagrou numa súmula do STF. Não foi a lei que criou. O direito evolui não
apenas com a modificação da lei, mas também com as decisões que vão dando nova
compreensão a lei. A hermenêutica moderna evolui muito através da
jurisprudência. O que hoje pode parecer ser contrário ao ordenamento jurídico,
amanhã pode não ser. Vejam aí a questão da mudança de nome ou até mesmo a
mudança de sexo. Sem mudança de lei nenhuma nós começamos a observar uma
evolução da jurisprudência. Primeiro ela era sempre negada e de repente começou
a surgir um caso aqui outro acolá. Então, o direito evolui porque a sociedade
evolui porque a compreensão da lei evolui e quem vai revelando essa evolução é
a jurisprudência. Se nós dissermos que toda vez que a jurisprudência se deparar
com um problema desses, ela deve simplesmente julgar o autor carecedor da ação,
não vai haver julgamento de mérito, impedindo formação de coisa julgada,
atrapalhando, dessa forma, a evolução do direito.
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