15 de agosto de 2021

Aula Leonardo Greco - 03/08/2008: Condições da Ação

 03/03/08

CONDIÇÕES DA AÇÃO: O artigo 267 inciso VI do CPC/73 estabelece que o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito, sem examinar o direito material quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual (de agir). E o artigo 301 do CPC/73, ao tratar da contestação, estabelece que compete ao réu, na contestação, ou seja, na defesa, antes de discutir o mérito, antes de discutir o direito material, alegar, no inciso X, a carência da ação. O que é isso? É a falta de condições da ação. O autor não tem o direito de pedir do Estado o exercício da função jurisdicional sobre essa relação jurídica de direito material. Por quê? Ou porque o pedido é juridicamente impossível, ou por que ele não tem interesse de agir, ou porque ele não tem legitimidade. O réu deve alegar na contestação a falta de condições da ação, a carência da ação. O juiz também pode examinar de ofício, está expresso lá no artigo 267, § 3º. Mas se o réu não alegou e o processo foi adiante, o réu vai arcar com as custas a que deu casa por não ter alegado na contestação. Carência da ação é falta de alguma das condições da ação. E as condições da ação são questões que o juiz tem que apreciar antes de julgar o mérito do pedido, porque sem alguma delas o autor não tem direito a sentença de mérito, não tem direito a prestação jurisdicional sobre direito material. O que são as condições da ação? Qual é a natureza das condições da ação? Aqui também há uma divergência na doutrina, mas aqueles cinco significados que nós demos para o direito de ação ajudam a resolver essa divergência. Na minha opinião, nós podemos afirmar que as condições da ação são requisitos da existência do direito de ação. Sem alguma das condições da ação o autor não tem direito a jurisdição, não tem direito ao exercício da função jurisdicional sobre a demanda, e ele será julgado carecedor da ação e se extingue o processo sem resolução de mérito. No entanto, vocês vão encontrar em doutrina muito reputada, como José Carlos Barbosa Moreira, a noção de que as condições da ação são requisitos do regular exercício do direito de ação. Condições de existência ou condições de exercício? Condições de exercício significa que a ação existe, mas ela não pode ser exercida. Condições de existência significa que a ação não existe. Bom, aí na verdade, essa diferença decorre do uso em sentidos diversos da idéia do direito de ação. Como direito a jurisdição, as condições da ação são condições de existência. Agora como direito cívico, aqueles que falam que as condições da ação são condições para o regular exercício da ação estão admitindo que a ação exista sem as condições da ação. Na verdade é a ação como direito cívico que todo cidadão tem, mesmo que ele afirme uma hipótese absurda, que é o direito que ele tem de obter uma resposta. Mas não é ação como direito a qualquer resposta que nos interessa aqui no processo, e sim o direito a uma resposta sobre o direito material, reconhecendo ou não a existência do direito de ação e tutelando ou não esse mesmo direito. Portanto, me parece que as condições da ação são condições da existência do direito de ação como direito a jurisdição, como direito a prestação jurisdicional sobre a relação jurídica de direito. E quais são as condições da ação? O inciso VI do artigo 267 fala em possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. Mas usa uma redação que gera a possibilidade de acreditar que possam existir outras condições da ação. E vocês vão encontrar em fecunda e relevante doutrina, até do professor Alfredo Buzaid que foi o autor do CPC/73. Alfredo Buzaid escreve um livro sobre ação renovatória e diz: olha os requisitos da ação renovatória, contrato e locação de cinco anos, que a locação seja comercial, etc, são condições existenciais da ação renovatória. Então, as condições da ação não são apenas três. Apesar da autoridade do professor Alfredo Buzaid, ele não tinha razão. As condições da ação são apenas três: possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. As condições da ação renovatória são condições de procedência de acolhimento do pedido que o autor tem que afirmar na petição inicial, o autor tem que afirmar que a locação é de cinco anos, que era uma locação comercial, mas é o juiz que vai verificar se ficou comprovado ou não o que o autor confirmou. Se ele afirmou e não provou o seu pedido vai ser julgado improcedente, não vai ser extinto sem resolução de mérito, vai ser julgado, mas julgado contra ele. Isso é muito relevante porque normalmente quando o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito a sua sentença não vai fazer coisa julgada. Lá está no artigo 268 que extinto o processo sem resolução do mérito, a demanda pode ser renovada, pode ser reiterada. Enquanto que quando o juiz extingue o processo com julgamento de mérito, de acordo com o artigo 467, a sentença vai atingir a imutabilidade da coisa julgada e aquele pedido não pode mais ser renovado. Então, vamos caminhar com cuidado nessa questão, não vamos cair na falácia em que caem alguns bons autores hoje.

O que é a possibilidade jurídica? Nós estamos caminhando num terreno movediço, porque aqui no artigo 267, inciso VI o código fala em possibilidade jurídica. Já lá no artigo 295, quando ele volta a mencionar as condições da ação, no seu parágrafo único, inciso III, a lei manda que o juiz indefira a petição inicial por inépcia quando o pedido for juridicamente impossível. Então, na verdade nós estamos com duas idéias, uma mais ampla e outra mais restrita, a de possibilidade jurídica ou a de possibilidade jurídica do pedido. Eu prefiro a delimitação dessa condição da ação como possibilidade jurídica do pedido e não como possibilidade jurídica que possa ser do pedido ou da causa de pedir. E é assim que eu vou tratar, em uma concepção mais restrita, menos extensa de possibilidade jurídica como condição da existência do direito de ação. A possibilidade jurídica ou possibilidade jurídica do pedido é a conformidade do pedido com a ordem jurídica vigente. Eu só posso pedir na justiça aquilo que a lei permite, eu não posso formular um pedido proibido pela lei. Quando não existia divórcio, que ingressou no Brasil em 1977 pela E.C. nº 09 e pela lei 6.515, dizia-se o pedido do divórcio é juridicamente impossível, porque era um pedido contrário a ordem jurídica, na constituição era escrito que o casamento era indissolúvel, então não podia haver divórcio. Hoje, há outros pedidos que podem ser considerados juridicamente impossíveis. Se eu pedir ao juiz que mande cortar a mão do meu vizinho porque ele coloca a vitrola muito alta e perturba o meu sossego noturno, ou pedir que ele seja preso por isso, será um pedido impossível juridicamente, pois o ordenamento jurídico brasileiro não permite a perda da liberdade de locomoção como sanção civil nem como sanção penal permite a mutilação do corpo humano. Se o meu vizinho me vendeu um rim e não quis me entregar e eu pedir na justiça que ele seja levado a força ao hospital pra extrair o rim pra poder fazer o transplante o pedido será juridicamente impossível, pois deve haver respeito ao corpo humano, não se deve admitir coações sobre o corpo humano. Ele poderia até ter ido voluntariamente ao hospital e ter tirado o rim. Houve um caso na França de uma mulher, uma bailarina que praticava sessões de strip-tease em um cabaré. Toda noite ela subia no palco e expunha seu corpo, voluntariamente. Um dia por uma razão qualquer ela não quis mais subir ao palco, mas ela tinha um contrato assinado que dizia que durante todo aquele mês ela iria subir todas as noites no palco. Aí o dono do cabaré entrou com uma ação na justiça contra ela para que ela fosse levada a força para se despir no palco. Pode? Fere a dignidade humana dela. Ela pode despir o corpo se ela quiser, mas ela não pode ser forçada a se despir nem com papel passado. Ela pode se arrepender do papel que ela assinou. Ela pode responder por perdas e danos pelo prejuízo que ela causou ao estabelecimento que deixou de faturar por causa de turistas que iriam lá para assistir o espetáculo. Foi assim que decidiu a justiça francesa. Então, hoje há muitos exemplos de pedidos juridicamente impossíveis, mas vocês vão encontra nos manuais muitos exemplos de impossibilidade jurídica que não é do pedido, mas é da causa de pedir. Por exemplo, a doutrina diz que não se pode cobrar na justiça dívida de jogo, se alguém cobrar na justiça dívida de jogo o seu pedido é juridicamente impossível? Na minha opinião, o pedido é possível sim, pois o pedido na cobrança de dívida de jogo é o pagamento de importância em dinheiro que é um pedido legalmente admitido. O que não é admitido é a causa de pedir, é o fundamento jurídico, é cobrar uma prestação de dinheiro decorrente de um jogo de azar. Para aqueles que têm uma concepção mais extensa de possibilidade jurídica, abrangendo a causa de pedir, toda vez que o fundamento for ilícito o autor é carecedor da ação. Mas eu acho que é um exagero, deve se limitar a inexistência de possibilidade jurídica como condição da ação apenas a ilicitude do pedido e não também da causa de pedir, por várias razões. A primeira é a de que se der uma extensão muito grande a impossibilidade jurídica o juiz, em muitos casos em que ele nega a existência do direito, ele poderá equivocadamente julgar o autor carecedor da ação por impossibilidade jurídica e a sentença não fará coisa julgada. Quando, na verdade, o interesse do Estado e também das partes é de que o juiz procure a sentença sobre a relação jurídica de direito material, sentença de mérito, que de fato sepulte definitivamente a questão. Então a possibilidade jurídica, ao meu ver, deve ser vista, hoje, como a ilicitude apenas do pedido. Além disso, se eu estendo muito a impossibilidade jurídica também para direitos que são alegados como fundamento do pedido, eu estou, de certo modo, frustrando a evolução da ordem jurídica. Há muitos direitos que só nasceram através da jurisprudência. Por exemplo, o direito da concubina a divisão dos bens adquiridos durante a união estável nasceu através da jurisprudência que a consagrou numa súmula do STF. Não foi a lei que criou. O direito evolui não apenas com a modificação da lei, mas também com as decisões que vão dando nova compreensão a lei. A hermenêutica moderna evolui muito através da jurisprudência. O que hoje pode parecer ser contrário ao ordenamento jurídico, amanhã pode não ser. Vejam aí a questão da mudança de nome ou até mesmo a mudança de sexo. Sem mudança de lei nenhuma nós começamos a observar uma evolução da jurisprudência. Primeiro ela era sempre negada e de repente começou a surgir um caso aqui outro acolá. Então, o direito evolui porque a sociedade evolui porque a compreensão da lei evolui e quem vai revelando essa evolução é a jurisprudência. Se nós dissermos que toda vez que a jurisprudência se deparar com um problema desses, ela deve simplesmente julgar o autor carecedor da ação, não vai haver julgamento de mérito, impedindo formação de coisa julgada, atrapalhando, dessa forma, a evolução do direito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário