8 de agosto de 2021

É inviável a cessão de direito ao reembolso das despesas médico-hospitalares, cobertas pelo seguro DPVAT, realizada por vítimas de acidente automobilístico em favor de clínica particular, não conveniada ao SUS, que prestou atendimento aos segurados

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


DPVAT - É inviável a cessão de direito ao reembolso das despesas médico-hospitalares, cobertas pelo seguro DPVAT, realizada por vítimas de acidente automobilístico em favor de clínica particular, não conveniada ao SUS, que prestou atendimento aos segurados 

A lei de regência veda expressamente a cessão de direitos no que tange às despesas de assistência médica e suplementares, efetuadas pela rede credenciada junto ao Sistema Único de Saúde, quando em caráter privado (art. 3º, § 2º, da Lei nº 6.194/64). A inviabilidade da cessão na espécie não se dá propriamente com base na restrição feita pelo art. 3º, § 2º, da Lei 6.194/64. Isto é, não é a ausência da vinculação da clínica fisioterápica ao SUS a base da conclusão adotada, mas sim o fato de que não houve diminuição patrimonial dos segurados. Em não havendo o dispêndio de valores por parte das vítimas, não há que se falar em reembolso pela seguradora e, via de consequência, inviável mostra-se qualquer cessão de tais direitos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.911.618-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

O que é o DPVAT? 

O DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros. Ex: dois carros batem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais. 

Quem custeia as indenizações pagas pelo DPVAT? 

Os proprietários de veículos automotores. Trata-se de um seguro obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um valor cobrado a título de DPVAT. O STJ afirma que a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho social. O DPVAT é regulamentado pela Lei nº 6.194/74. 

Existe um prazo para pagamento? SIM. A Lei prevê que a indenização deve ser paga, em cheque nominal aos beneficiários, no prazo de 30 dias da entrega dos documentos que comprovem o acidente, o óbito, a invalidez etc. (art. 5º, § 1º). 

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei? 

• no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima) 

• no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima) 

• no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso a cada vítima. 

Feita esta breve revisão, imagine a situação hipotética 1: 

João faleceu em um acidente de trânsito e deixou como única herdeira a sua esposa Maria. Logo, ela tem direito de receber R$ 13.500,00 a título de indenização pelo DPVAT. Ocorre que Maria está cheia de dívidas e precisa do dinheiro hoje mesmo. Assim, um amigo (Pedro) oferece para lhe dar os R$ 13.500,00 e, em troca, ela cede a ele o seu crédito do DPVAT. Desse modo, Maria faz uma cessão de crédito a Pedro e outorga a ele uma procuração permitindo que cobre o valor do DPVAT em seu nome. 

É possível a cessão de crédito do DPVAT neste caso? SIM. 

É possível a cessão de crédito relativo à indenização do seguro DPVAT decorrente de morte. STJ. 3ª Turma. REsp 1.275.391-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 19/5/2015 (Info 562). 

O crédito do DVPAT é um direito pessoal disponível e, em regra, pode ser cedido porque não há nenhum impedimento na lei. Logo, aplica-se a regra geral do art. 286 do CC: 

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. 

Imagine agora a situação hipotética 2: 

Pedro sofreu um acidente de trânsito e fraturou o tornozelo. O ortopedista afirmou que ele precisaria fazer 10 sessões de fisioterapia. A vítima procurou, então, uma clínica privada de fisioterapia para realizar as sessões. Como estava sem dinheiro, Pedro combinou de fazer as sessões na clínica sem pagar nada e, como contraprestação pelos serviços prestados, cedeu os direitos que ele possui ao reembolso das despesas médico-hospitalares, na forma do art. 3º, III e § 2º, da Lei nº 6.194/94: 

Art. 3º Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2º desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (...) III - até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas. 

De posse dessa cessão de direitos, a clínica de fisioterapia ajuizou ação de cobrança contra a seguradora pedindo o pagamento de R$ 2.700,00, relativos ao reembolso das despesas médico-hospitalares a que a vítima teria direito. A seguradora contestou a demanda afirmando que a Lei nº 6.194/64 veda expressamente a cessão de direitos no que tange às despesas de assistência médica e suplementares: 

Art. 3º (...) § 2º Assegura-se à vítima o reembolso, no valor de até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), previsto no inciso III do caput deste artigo, de despesas médico-hospitalares, desde que devidamente comprovadas, efetuadas pela rede credenciada junto ao Sistema Único de Saúde, quando em caráter privado, vedada a cessão de direitos. 

A clínica contra-argumentou afirmando que esse dispositivo veda a cessão de direitos apenas se as despesas foram efetuadas no SUS. Ocorre que a clínica é privada, não conveniada ao SUS. Logo, não haveria qualquer impedimento para a cessão de direitos. 

Esse pedido deve ser julgado procedente, segundo a jurisprudência do STJ? NÃO. 

É inviável a cessão de direito ao reembolso das despesas médico-hospitalares, cobertas pelo seguro DPVAT, realizada por vítimas de acidente automobilístico em favor de clínica particular não conveniada ao SUS, que prestou atendimento aos segurados. STJ. 3ª Turma. REsp 1.911.618-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

O escopo do art. 3º, § 2º da Lei nº 6.194/64 foi o de evitar o desvirtuamento da cobertura securitária prevista em lei. Afinal de contas, se a vítima não desembolsou nada para realizar seu tratamento porque foi atendido em instituição credenciada ao SUS, não há que se falar em reembolso de valores. Assim, de fato, esse dispositivo se volta para atendimentos feitos no SUS. No entanto, no caso concreto (envolvendo clínica particular), também não é possível a cessão do crédito. O motivo não é a vedação legal expressa (que realmente não existe). A razão está no fato de que, se a vítima não gastou nada (não teve diminuição patrimonial), não há que falar em reembolso. Para o STJ, não se pode reembolsar algo que não foi gasto. Não se pode transmitir um direito que não se possui, isto é, o reembolso de despesa que não fora efetuada pela cedente. Por isso, o negócio jurídico operou no vazio, sem objeto, padecendo de nulidade insanável.

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