3 de setembro de 2021

VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA

RECURSO ESPECIAL Nº 1931432 - DF (2020/0235304-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/2015. 

1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/05/2020 e concluso ao gabinete em 08/04/2021. 

2. O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

3. É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

4. O fato de o pagamento das parcelas incidir diretamente sobre a contraprestação recebida como fruto do trabalho não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, ou às quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

5. Se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam de impenhorabilidade absoluta, não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

6. Hipótese em que, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), o Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília, 08 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 

RELATÓRIO 

Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO MIGUEL BULAT, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/DFT. 

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERV DO PODER EXEC FED, DOS SERV DA SEC DE SAUDE E DOS TRAB EM ENSINO DO DF LTDA - SICOOB EXECUTIVO em face de BRAZUNI GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BENEFÍCIOS EIRELI – ME, ROBERTO MIGUEL BULAT e ISABEL SARAIVA DE SOUZA, referente à cédula de crédito bancário no valor de R$ 74.508,39 (setenta e quatro mil quinhentos e oito reais e trinta e nove centavos). 

Decisão: o Juízo de primeiro grau rejeitou a impugnação oferecida por ROBERTO à penhora, via Bacenjud, das quantias de R$ 11.929,94 (Banco BRB) e R$ 251,57 (Banco do Brasil) existentes em suas contas bancárias (fls. 262-263, e-STJ). 

Acórdão: o TJ/DFT, à unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto por ROBERTO, nos termos da seguinte ementa: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE REJEITA IMPUGNAÇÃO E MANTÉM PENHORA REALIZADA NA CONTA DO DEVEDOR. VALORES BLOQUEADOS SE REFEREM A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE NATUREZA SALARIAL. FALTA DE PROVAS DE QUE A PENHORA RESULTOU EM SALDO NEGATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto contra decisão proferida na execução de título extrajudicial, em que o juiz determinou o levantamento apenas da restrição do valor comprovadamente de salário e manteve penhora realizada em parte do valor constante em conta bancária do executado, por entender que inexiste previsão legal que confira natureza salarial a empréstimos consignados. 1.1. Em seu agravo, o recorrente pede que seja julgada insubsistente e indeferida a penhora dos autos principais, que recaiu sobre numerário impenhorável de verba de caráter estritamente salarial, de empréstimo consignado e de saldo negativo em conta salarial do agravante. 2. Os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, que prevê quais são as verbas impenhoráveis. 2.1. Precedentes deste Tribunal: “A proteção conferida às verbas de natureza salarial não pode ser estendida aos empréstimos consignados disponibilizados pela instituição financeira ao correntista, por absoluta falta de previsão legal.” (07005606520198070000, Relator: Eustáquio De Castro, 8ª Turma Cível, PJe: 7/6/2019).” 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.837.702 – DF, passou a permitir a constrição de percentual dos proventos dos devedores, de modo a garantir a efetividade do processo, sem afrontar a dignidade ou a subsistência destes e de sua família. 4. Não consta nos autos comprovação de que os valores bloqueados sejam verbas salariais. Ademais, não há no extrato do executado qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta. 5. Agravo improvido 

Recurso especial: aponta violação do art. 1º, III, da CF/1988, do art. 833, IV, do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial. 

Alega que a penhora recaiu sobre “valor disponibilizado em conta a título de empréstimo consignado de natureza salarial, que fora depositado em sua conta justamente para cobrir o valor que o Recorrente devia à Recorrida, não caracterizado como uma fonte de renda, tampouco renda estável do Recorrente, bem como valor de sua propriedade (R$ 11.929,94)”, e que “tal numerário, enquanto não utilizado pelo correntista, constitui patrimônio da própria SICOOB, retirado de sua conta devido a penhora deferida nos autos n° 0703098- 44.2018.8.07.0003” (fls. 413-414, e-STJ). 

Afirma que “todos os empréstimos, taxados como consignados, como no caso dos presentes autos, são descontados diretamente da aposentadoria do ora Recorrente, o que lhe confere natureza salarial e impenhorável” e que “não se considerou a real situação de penúria do Recorrente, porque já vem cumprindo outra decisão judicial de pagar pensão alimentícia à sua ex-esposa, fixada em 40% (quarenta por cento) de seus rendimentos, conforme sentença de divórcio/alimentos (ID n° 11817571) e demais deduções na fonte demonstradas nos contracheques, que, somados, estão comprometendo 60% (sessenta por cento) da sua renda mensal” (fl. 414, e-STJ). 

Pleiteia o provimento do recurso especial para que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/DFT inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.757.790/DF, do qual não conheceu a e. Presidência do STJ. 

Agravo interno: interposto por ROBERTO, foi provido para reconsiderar a decisão agravada e determinar a autuação em recurso especial. 

É o relatório.

VOTO 

O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

DA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL 

É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

DA POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VALORES ORIUNDOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, DEPOSITADOS NA CONTA SALÁRIO DO EXECUTADO 

Sustenta o recorrente ROBERTO que os valores depositados em sua conta salário, decorrentes de empréstimo consignado, são impenhoráveis, por força do disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

Para o TJ/DFT, no entanto, “os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil” (fl. 379, e-STJ), razão pela qual foi mantida a penhora realizada. 

Sobre o tema, a Lei 10.820/2003 estabelece que os empregados regidos pela CLT, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. 

Assim também previu o legislador quanto aos benefícios da Previdência Social (art. 115, da Lei 8.213/1991) e à remuneração ou proventos dos servidores públicos civis federais (art. 45, § 2º, da Lei 8.112/1990). 

Nessa toada, o empréstimo consignado, como informa o Banco Central do Brasil, “é uma operação de crédito (empréstimo pessoal) cujo pagamento é descontado diretamente, em parcelas mensais fixas, da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do contratante” (informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimo_consignado.pdf, acesso em 23/04/2021). 

Trata-se, portanto, de uma espécie de empréstimo com garantia, sendo esta representada pela própria remuneração do trabalhador, o que explica ser uma das linhas de crédito mais baratas do mercado, na medida em que o risco reduzido de inadimplência possibilita a cobrança de taxas de juros mais baixas. 

E, justamente por incidir diretamente sobre a remuneração do trabalhador, o percentual de comprometimento desta renda com o pagamento das parcelas do empréstimo consignado é limitado por lei, no intuito de preservar a dignidade do devedor: a Lei 14.131/2021 aumentou, até 31/12/2021, de 35% para 40% o percentual máximo de consignação. 

O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

Como afirmado por esta Turma, no julgamento do REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), “o recebimento desses valores [salário e crédito decorrente do empréstimo consignado] encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato de trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante)”. 

Logo, não há falar em natureza salarial dos valores decorrentes de empréstimo consignado, como afirma o recorrente. 

De mais a mais, se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam da proteção da impenhorabilidade absoluta, segundo decidiu a Corte Especial no julgamento do EREsp 1.582.475/MG (julgado em 3/10/2018, DJe de 16/10/2018), não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

Firmadas essas premissas, verifica-se, no particular, que o TJ/DFT, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que “havia diversos créditos sem a comprovação da sua origem, totalizando R$ 18.633,68 (R$ 819,00 + 4.928,34 + 12.886,34)”; que se “determinou a manutenção da penhora do valor de R$ 12.181,51, que seria uma quantia inferior aos créditos sem a demonstração da sua origem”; que “no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 há informação de que apenas o montante de R$ 6.559,50 é decorrente de salário, os demais depósitos são decorrentes de empréstimos consignados ou verbas em que não houve comprovação da origem”; que “não há no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta”; e, por fim, que “está claramente demonstrado que o valor penhorado não se refere a verba salarial” (fl. 379, e-STJ). 

Nesse contexto, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), constata-se que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

DA CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

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