15 de outubro de 2021

Não há que se falar em coisa julgada material contra transação homologada em juízo pactuada entre a associação e entidade previdenciária para liquidação de sentença coletiva

 Fonte: Dizer o Direito

Referência:  https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-703-stj-1.pdf


PROCESSO COLETIVO - Não há que se falar em coisa julgada material contra transação homologada em juízo pactuada entre a associação e entidade previdenciária para liquidação de sentença coletiva 

Caso adaptado: a associação dos servidores públicos, na qualidade de representante processual dos associados, ajuizou ação coletiva contra a Geap (entidade fechada de previdência complementar) pedindo a restituição de valores pagos pelos associados participantes do plano (ação coletiva 1). O juiz julgou o pedido procedente, tendo havido trânsito em julgado. Na fase de liquidação da sentença, as partes, de comum acordo, fizeram transação na qual a Geap ajustou determinado pagamento. A transação continha cláusula conferindo quitação geral. Essa transação foi homologada pelo juiz. Posteriormente, essa mesma associação ajuizou outra ação coletiva contra a Geap (“ação coletiva 2”) aduzindo que no valor que a entidade foi condenada a restituir na “ação coletiva 1” não foram incluídos os expurgos inflacionários. O juiz extinguiu esse “processo 2” sob o argumento de que ela não poderia prosseguir,tendo em vista que houve coisa julgada material no processo 1. Não houve coisa julgada. A sentença que se limita a homologar transação constitui mero juízo de delibação. Logo, essa sentença não pode nem mesmo ser impugnada mediante ação rescisória. Obs: mesmo não havendo coisa julgada, o STJ não concordou com o pedido feito pela associação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.418.771-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 03/08/2021 (Info 703). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Geap é uma entidade fechada de previdência complementar. Essa entidade oferece, dentre outros serviços, plano de previdência complementar para os servidores públicos. A associação dos servidores públicos, na qualidade de representante processual dos associados, ajuizou ação coletiva contra essa entidade pedindo a restituição de valores pagos pelos associados participantes do plano. Vamos chamar de ação coletiva 1. O juiz julgou o pedido procedente, tendo havido trânsito em julgado. Na fase de liquidação da sentença, diante da dificuldade e da complexidade de serem feitos os cálculos relativos à liquidação do julgado (quantum debeatur), as próprias partes, de comum acordo, fizeram uma transação denominado de “termo de acordo e quitação mútua”. A transação continha cláusula conferindo quitação geral. Essa transação foi homologada pelo juiz. 

Ação coletiva 2 

Posteriormente, essa mesma associação ajuizou outra ação coletiva contra a Geap (“ação coletiva 2”) aduzindo que no valor que a entidade foi condenada a restituir na “ação coletiva 1” não foram incluídos os expurgos inflacionários. A Geap contestou alegando que o acordo foi homologado judicialmente e que houve quitação plena, incluindo, portanto, os expurgos inflacionários. O juiz acolheu a argumentação da Geap e extinguiu esse “processo 2” sob o argumento de que ela não poderia prosseguir, tendo em vista que houve coisa julgada material no processo 1. 

Diante disso, indaga-se: a transação pactuada entre a associação autora e a entidade previdenciária e homologada judicialmente constitui decisão sob o manto da coisa julgada material? 

NÃO. A sentença que se limita a homologar transação constitui mero juízo de delibação. Logo, essa sentença não pode nem mesmo ser impugnada mediante ação rescisória. Foi o que decidiu o STJ: 

Não há que se falar em coisa julgada material contra transação homologada em juízo pactuada entre a associação e entidade previdenciária para liquidação de sentença coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.418.771-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 03/08/2021 (Info 703). 

Isso significa, então, que será possível cobrar os expurgos nessa ação coletiva 2? 

NÃO. O STJ afirmou que a transação efetuada configura ato jurídico perfeito, tendo havido expressa e incontroversa cláusula de quitação geral. A transação, com observância das exigências legais, sem demonstração de vício algum, é ato jurídico perfeito e acabado. A segunda ação é novamente uma ação condenatória, não tendo o condão de desconstituir esse ato jurídico perfeito. 

Ação anulatória 

Os efeitos da transação somente poderão ser afastados por meio da ação própria, qual seja, a ação anulatória, nos termos do art. 966, § 4º do CPC: 

Art. 966 (...) § 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei. 

De todo modo, isso não tem o condão de alterar o decidido, pois, malgrado não se possa falar em coisa julgada material, segundo a doutrina "o ato jurídico perfeito e a coisa julgada podem ser reconduzidos ao conceito de direito adquirido, que abrange os outros dois institutos". Está presente o ato jurídico perfeito, consubstanciado em contrato de transação firmado entre as partes (legitimado, reconhecido pela lei como idôneo para defesa dos interesses individuais dos associados), com expressa e incontroversa cláusula de quitação geral. Vale ressaltar que, em havendo transação, como no caso concreto, o exame do juiz em eventual ação anulatória, deve limitar-se à sua validade e eficácia, verificando se houve efetiva transação, se a matéria comporta disposição, se os transatores são titulares do direito do qual dispõem parcialmente, se são capazes de transigir – não podendo, sem que se proceda a esse exame, ser simplesmente desconsiderada a avença (STJ. 2ª Seção. AgRg no AREsp n. 504.022/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/9/2014). 

Comportamento contraditório da associação 

O comportamento da parte autora é manifestamente contraditório e incompatível com a tutela da confiança, pois pactua transação, conferindo expressa quitação geral e, em seguida, de modo oposto ao primeiro comportamento, ajuíza ação condenatória incompatível com o acordado. A segurança das relações jurídicas depende da lealdade, da equivalência das prestações e contraprestações, da confiança recíproca, da efetividade dos negócios jurídicos, da coerência e clarividência dos direitos e deveres (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 32).

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