15 de outubro de 2021

RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Não incide a multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 sobre o crédito sujeito ao processo de recuperação judicial, decorrente de ação que demandava quantia ilíquida

 Fonte: Dizer o Direito

Referência:  https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-703-stj-1.pdf


RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Não incide a multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 sobre o crédito sujeito ao processo de recuperação judicial, decorrente de ação que demandava quantia ilíquida 

Exemplo: João foi atropelado por um ônibus da Transportadora. A vítima ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa. Antes que fosse julgada a demanda, a Transportadora ingressou com pedido de recuperação judicial, tendo sido deferido seu processamento pelo juiz da vara empresarial. O juiz da vara cível, responsável pela ação de indenização, condenou a ré a pagar R$ 100 mil em favor do autor. João ingressou com pedido de cumprimento de sentença e o magistrado determinou a intimação da Transportadora para pagar a dívida no prazo de 15 dias, nos termos do caput do art. 523 do CPC. A Transportadora que, como vimos, estava em processo de recuperação judicial, não efetuou o pagamento, razão pela qual o juízo da vara cível afirmou que o débito agora seria acrescido de multa e de honorários advocatícios, invocando o § 1º do art. 523 do CPC: § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. Não agiu corretamente o juízo. Não há como fazer incidir à espécie a multa estipulada no art. 523, § 1º do CPC, uma vez que o pagamento do valor da condenação não era obrigação passível de ser exigida no cumprimento de sentença, devendo ser paga segundo as regras do plano de recuperação, nos termos definidos pela Lei nº 11.101/2005. STJ. 3ª Turma. REsp 1.937.516-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/08/2021 (Info 703). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João foi atropelado por um ônibus da Transportadora Vantroba Ltda. A vítima ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa. Antes que fosse julgada a demanda, a Transportadora ingressou com pedido de recuperação judicial, tendo sido deferido seu processamento pelo juiz da vara empresarial. O juiz da vara cível, responsável pela ação de indenização, condenou a ré a pagar R$ 100 mil em favor do autor. João ingressou com pedido de cumprimento de sentença e o magistrado determinou a intimação da Transportadora para pagar a dívida no prazo de 15 dias, nos termos do caput do art. 523 do CPC: 

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. 

A Transportadora que, como vimos, estava em processo de recuperação judicial, não efetuou o pagamento, razão pela qual o juízo da vara cível afirmou que o débito agora seria acrescido de multa e de honorários advocatícios, invocando o § 1º do art. 523 do CPC: 

Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. 

Agiu corretamente o magistrado? Aplica-se o § 1º do art. 523 ao caso? NÃO. 

Não incide a multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 sobre o crédito sujeito ao processo de recuperação judicial, decorrente de ação que demandava quantia ilíquida. STJ. 3ª Turma. REsp 1.937.516-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/08/2021 (Info 703). 

Primeira pergunta: esse crédito decorrente da indenização estava sujeito à recuperação judicial? Em outras palavras, esse valor deverá ser pago pela Transportadora segundo as regras da recuperação judicial? 

SIM. Para saber se um crédito está, ou não, sujeito à recuperação judicial, deve-se analisar o art. 49 da Lei nº 11.101/2005, que afirma: 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 

Assim, em regra, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial. Para se aferir a existência ou não do crédito deve-se levar em consideração a data da ocorrência de seu fato gerador (fonte da obrigação). Como o acidente foi antes do pedido de recuperação, a fonte da obrigação (ato ilícito que gerou dano) foi anterior à recuperação judicial e, portanto, está sujeito a ela. E por que motivo a ação de indenização continuou tramitando normalmente? Por que a ação de conhecimento não foi suspensa, nos termos do art. 6º da Lei nº 11.101/2005? O art. 6º afirma o seguinte: 

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: 

I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; 

II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; 

III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. 

Ocorre que o § 1º do art. 6º traz uma exceção e diz que, se a ação busca uma obrigação ilíquida (como é o caso de uma ação de indenização por danos morais), ela continua tramitando na fase de conhecimento: 

Art. 6º (...) § 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. 

A execução (cumprimento de sentença) desse crédito também continua a correr no juízo cível independentemente da recuperação judicial? João poderia executar o crédito fora da recuperação? 

NÃO. Tratando-se de crédito derivado de ação na qual se demandava quantia ilíquida, a Lei nº 11.101/2005 (LFRE) estabelece que ele somente passa a ser passível de habilitação no quadro de credores a partir do momento em que adquire liquidez, de modo que o prosseguimento da execução singular, desse momento em diante, deve ficar obstado (inteligência do art. 6º, § 1º). Logo, somente a fase de conhecimento poderia continuar (não a fase de execução). Conforme expressamente pontuou a Min. Nancy Andrighi: 

“No que concerne à habilitação, em processo de recuperação judicial, de quantias decorrentes de demandas cujos pedidos são ilíquidos, esta Corte Superior entende que, nos termos do art. 6, § 1º, da Lei 11.101/05, a ação de conhecimento deverá prosseguir perante o juízo na qual foi proposta até a determinação do valor do crédito, momento a partir do qual este deverá ser habilitado no quadro geral de credores da recuperanda.” 

O art. 59, caput, da LFRE, prevê que o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos: 

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei. 

Desse modo, o adimplemento das dívidas da recuperanda deverá seguir as condições pactuadas entre os sujeitos envolvidos no processo de soerguimento, sempre respeitando-se o tratamento igualitário entre os credores de cada classe. Assim, fica claro que a satisfação (execução) do crédito objeto da ação indenizatória deverá ocorrer, após devidamente habilitado, de acordo com as disposições do plano de recuperação judicial. Logo, João deverá habilitar seu crédito na recuperação judicial. 

Não há que se falar na penalidade do § 1º do art. 523 do CPC se a Transportadora não podia pagar João fora do plano de recuperação 

Nesse contexto, não se pode considerar que a causa que dá ensejo à aplicação da penalidade prevista no § 1º do art. 523 do CPC/2015 - recusa voluntária ao adimplemento da obrigação constante de título executivo judicial - tenha se perfectibilizado na hipótese. Em outras palavras, não há como fazer incidir à espécie a multa estipulada no art. 523, § 1º do CPC, uma vez que o pagamento do valor da condenação não era obrigação passível de ser exigida, por força da Lei nº 11.101/2005. Estando em curso processo recuperacional, a livre disposição, pela devedora, de seu acervo patrimonial para pagamento de créditos individuais sujeitos ao plano de soerguimento violaria o princípio segundo o qual os credores devem ser tratados em condições de igualdade dentro das respectivas classes (princípio da par conditio creditorum).


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