19 de novembro de 2021

A tese fixada pelo STJ no Tema 1031 (reconhecimento do tempo especial para a atividade de vigilante) é aplicável mesmo após a EC 103/2019

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


APOSENTADORIA ESPECIAL A tese fixada pelo STJ no Tema 1031 (reconhecimento do tempo especial para a atividade de vigilante) é aplicável mesmo após a EC 103/2019

No dia 09/12/2020, o STJ, ao apreciar o Resp 1.830.508-RS, decidiu que é possível reconhecer como tempo especial a atividade de vigilante mesmo após normas de 1995 e 1997, mas isso depende de prova da nocividade. Ao julgar embargos de declaração, o STJ deixou expressamente previsto que esse entendimento vale mesmo após a EC 103/2019: É possível o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, mesmo após EC 103/2019, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei nº 9.032/95 e ao Decreto nº 2.172/97, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 05/03/1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado. STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1.830.508-RS, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), julgado em 22/09/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1031) (Info 711). 

ACORDÃO ORIGINAL DO STJ NO RESP 1.830.508-RS 

No dia 09/12/2020, o STJ, ao apreciar o Resp 1.830.508-RS, decidiu que é possível reconhecer como tempo especial a atividade de vigilante mesmo após normas de 1995 e 1997, mas isso depende de prova da nocividade. Foi fixada a seguinte tese: 

É admissível o reconhecimento da atividade especial de vigilante, com ou sem arma de fogo, em data posterior à edição da Lei nº 9.032/95 e do Decreto nº 2.172/97, desde que haja comprovação da efetiva nocividade da atividade por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para a comprovar a permanente, não ocasional, nem intermitente, exposição a agente nocivo que coloque em risco a integridade física do segurado. STJ. 1ª Seção. REsp 1830508/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 09/12/2020 (Recurso Repetitivo - Tema 1031). 

Veja abaixo um resumo dos argumentos invocados pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho e encampados pelo Tribunal: 

Aposentadoria especial 

Aposentadoria especial é aquela cujos requisitos e critérios exigidos do beneficiário são mais favoráveis que os estabelecidos normalmente para as demais pessoas. 

Aposentadoria especial regulada pela Lei 3.807/60 e pelos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 

A aposentadoria especial foi instituída pelo art. 31 da Lei nº 3.807/60 (antiga Lei Orgânica da Previdência Social). Esse art. 31 (atualmente revogado) previu que o segurado poderia se aposentar com menos tempo caso trabalhasse em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos. Segundo o dispositivo legal, a relação desses serviços deveria ser definida por Decreto do Poder Executivo. Assim, durante muitos anos, a comprovação das atividades nocivas (que ensejavam aposentadoria especial) encontrava-se disciplinada pelos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. Tais Decretos listavam, portanto, uma série de categorias profissionais que, na visão do Poder Executivo, estavam sujeitas a condições nocivas de trabalho e que, portanto, faziam jus à contagem diferenciada do tempo de serviço. Ex: o Decreto 53.831/64 previa que os telefonistas exerciam atividade insalubre e que, portanto, tinham direito à aposentadoria especial. Vale ressaltar que vigorava, nesta época, o sistema da presunção legal, de sorte que, estando prevista nos Decretos, aquela atividade ensejava aposentadoria especial mesmo sem que houvesse efetiva comprovação (exs: perícia, laudo etc.) de que a atividade era realmente nociva. Outra observação importante é que, segundo a jurisprudência, o rol de atividades previsto nos citados Decretos era exemplificativo, sendo possível que outras atividades não enquadradas fossem comprovadamente reconhecidas como insalubres, perigosas ou penosas. 

Redação originária da Lei nº 8.213/91 

Com a edição da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria especial passou a ser regulada pelos seus arts. 57 e 58 dessa lei. Mesmo com a edição da Lei nº 8.213/91, a jurisprudência continuou entendendo que, em regra, o reconhecimento da atividade especial era feito com base no mero enquadramento. Ex: a CTPS da pessoa indicava que ela era telefonista, então o tempo de trabalho já poderia ser considerado especial. A comprovação de que a pessoa desempenhava atividade nociva poderia ser feita por qualquer meio de prova (a única exceção era a comprovação do ruído). 

Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, alterou a Lei nº 8.213/91 

A Lei nº 9.032/95 alterou a redação do § 3º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 e passou a exigir, para contar como tempo de aposentadoria especial, que o segurado comprovasse a efetiva nocividade da atividade realizada de forma permanente: 

Lei nº 8.213/91 

Art. 57 (...) § 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95) 

Comprovação mediante formulário 

Em seguida, o art. 58 da Lei nº 8.213/91 também foi alterado para exigir a comprovação dos agentes nocivos mediante formulário aprovado pelo INSS: 

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 9.528/97) § 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista. (Redação dada pela Lei nº 9.732/98) (...) 

Recapitulando: 

• até 28/4/1995: é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); 

• a partir de 29/4/1995: não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 5/3/1997; 

• a partir de 05/03/1997 e até 28/5/1998: a comprovação deve ser feita por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 

Decretos 2.172/97 e 3.048/99 

O Decreto nº 2.172/97 era o antigo Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. Ele foi revogado pelo Decreto nº 3.048/99, que é o atual Regulamento da Previdência Social. O Decreto nº 2.172/97 previa e o Decreto nº 3.048/99 prevê a relação dos agentes nocivos que podem ser considerados para fins de aposentadoria especial. Veja o que diz o art. 68 do atual Regulamento da Previdência Social: 

Art. 68. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, consta do Anexo IV. 

Vigilante 

A atividade de vigilante pode ser considerada uma atividade perigosa. Ocorre que os Decretos 2.172/97 e 3.048/99 não previram que a periculosidade pode ser considerada como uma atividade que gera direito à aposentadoria especial. Os Decretos dizem que ensejam aposentadoria especial apenas o trabalho realizado com exposição a agentes químicos, físicos, biológicos. Não fala nada, portanto, em agentes “perigosos” (periculosidade). O vigilante, em regra, não fica exposto a agentes químicos, físicos ou biológicos. Por outro lado, ele pode sim, a depender do caso concreto, ficar exposto a perigos, podendo ser considerada uma atividade perigosa. 

Diante disso, indaga-se: o vigilante pode, a depender do caso concreto, ter direito à aposentadoria especial mesmo isso não estando previsto nos regulamentos da Previdência Social (nem no antigo nem no atual)? SIM. 

É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei nº 9.032/95 e ao Decreto nº 2.172/97, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado. STJ. 1ª Seção. REsp 1830508/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 09/12/2020 (Recurso Repetitivo - Tema 1031). 

O art. 57 da Lei nº 8.213/91 assegura expressamente o direito à aposentadoria especial ao segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, em harmonia com o texto do art. 201, § 1º da Constituição Federal. 

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. 

Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que não seja mais possível o reconhecimento da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico, hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física do trabalhador. Corroborando tal assertiva, o STJ já decidiu que, a despeito da supressão do agente eletricidade pelo Decreto nº 2.172/97, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso, desde que comprovada a exposição do trabalhador de forma permanente, não ocasional, nem intermitente: 

(...) as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). STJ. 1ª Seção. REsp 1306113/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/11/2012. 

É certo que, a partir da edição do Decreto nº 2.172/97, não cabe mais o reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de vigilante, contudo, tal reconhecimento é possível desde que apresentadas provas da permanente exposição do trabalhador à atividade nociva, independentemente do uso de arma de fogo ou não. Assim, é possível o reconhecimento de tempo especial prestado com exposição a agente nocivo periculosidade, na atividade vigilante, em data posterior a 5/3/1997, desde que laudo técnico (ou elemento probatório equivalente) comprove a permanente exposição à atividade nociva. Como bem alerta a Professora Adriane Bramante, em sua obra “Aposentadoria Especial: teoria e prática”, é inegável que há exposição ao risco iminente e possibilidade de um acidente/acontecimento súbito que pode ocasionar prejuízo à integridade física do trabalhador, principalmente no que tange às atividades de segurança pessoal e patrimonial que, como todos sabemos, atualmente é bastante precária (LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria Especial: teoria e prática. 3ª ed., Curitiba: Juruá, 2016, p. 107). 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO 

Depois de publicado o acórdão, o Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV, que atuou como amicus curiae no recurso especial repetitivo, opôs embargos de declaração (art. 138, § 1º do CPC) alegando que, durante os debates orais, a Min. Assussete Magalhães apresentou voto oral afirmando que o referido entendimento pode ser aplicado mesmo após a EC 103/2019 (Reforma da Previdência). Os demais Ministros concordaram com essa afirmação, mas, a despeito disso, tal conclusão não constou expressamente no acórdão. Diante disso, o embargante pediu o acolhimento dos embargos de declaração a fim de que seja sanada essa omissão. 

O STJ concordou com o embargante? 

SIM. Em seu voto-vista, a Min. Assussete Magalhães afirmou o seguinte: 

A EC 103/2019 alterou a redação do art. 201, § 1º, II, da CF/88: 

CONSTITUIÇÃO FEDERAL 

Antes da Reforma (EC 103/2019) 

Art. 201 (...) § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.


ATUALMENTE 

Art. 201 (...) § 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar; II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. 

Ocorre que a matéria relativa à aposentadoria especial, na forma da EC 103/2019, não é auto-executável, estando a depender de lei complementar regulamentadora. Desse modo, subsiste a legislação infraconstitucional, que prevê, no art. 57 da Lei nº 8.213/91, aposentadoria especial pelo trabalho em condições que prejudiquem a integridade física, bem como no seu § 4º, que o segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. Logo, até que sobrevenha a lei complementar de que trata o § 1º do art. 201 da CF/88, mesmo após a EC 103/2019, prevalece o entendimento acima exposto a respeito da aposentadoria especial dos vigilantes. 

Na prática, o que decidiu o STJ nos embargos? 

Diante da importância da matéria e para evitar questionamentos futuros, o STJ decidiu esclarecer que o entendimento prevalece mesmo após a EC 103/2019. Para isso, o STJ alterou a redação do item 10 da ementa do acórdão embargado: 

RESP 1.830.508-RS 

Redação original do item 10 do acórdão 

10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado. 

Redação após os embargos 

10. Firma-se a seguinte tese: é possível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, mesmo após EC 103/2019, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado

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