19 de novembro de 2021

É possível a juntada de documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


PROVAS É possível a juntada de documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos 

Viola o princípio constitucional da ampla defesa o indeferimento de prova nova sem a demonstração de seu caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, especialmente quando esta teve como causa situação processual superveniente. É possível a aplicação ao processo penal, por analogia, do art. 435 do CPC. STJ. 6ª Turma. HC 545.097-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/09/2021 (Info 711).

 Imagine a seguinte situação adaptada: 

João foi condenado pela prática de crime. Vale ressaltar que a principal prova invocada pelo juiz para a condenação foi a troca de mensagens entre réu e outros membros da organização criminosa nas quais ficaria demonstrada a sua participação. João interpôs apelação. Antes do julgamento da apelação, mas já depois do oferecimento das razões recursais, a defesa do réu/recorrente peticionou e juntou aos autos prova pericial, superveniente à prolação da sentença condenatória, perícia essa que buscou esclarecer a forma da tramitação das interceptações das mensagens, bem como demonstrar que, sem algumas informações técnicas relativas à metodologia aplicada ao procedimento de interceptação telemática, tornou-se impossível, segundo a defesa, ter certeza acerca da licitude das provas por tal meio obtidas. Segundo a perícia apresentada pela defesa, os arquivos não têm a integridade necessária para utilização, pois não existem garantias técnicas de que foram originados e/ou recebidos pelo réu e podem ter sido facilmente editados ou criados pelas autoridades. A defesa requereu a nulidade das provas produzidas e, alternativamente, pugnou pela conversão do julgamento em diligência, para o esclarecimento da questão levada a debate. O Tribunal Regional Federal, contudo, deixou de examinar o laudo apresentado pela defesa, sob a alegação de que seria inadmissível inovação em sede recursal. A defesa impetrou habeas corpus dirigido ao STJ alegando que o TRF, ao assim decidir, violou o princípio constitucional da ampla defesa. A defesa esclareceu, ainda, que só juntou a perícia naquele momento porque foi quando teve acesso ao inteiro teor das mensagens e pode assim providenciar a contratação de um perito para analisá-las. Logo, o pedido foi baseado em prova superveniente. 

O STJ concordou com o pedido da defesa? 

SIM. Veja o que diz o art. 435 do CPC, aplicável, por analogia, ao processo penal, por força do art. 3º do CPP: 

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos. 

Objetivamente, o fato novo surgido no Tribunal Regional Federal foi a juntada, pelo Desembargador relator da apelação, da íntegra das mensagens obtidas por meio das interceptações telemáticas, o que gerou o confronto pericial pela defesa. O CPP afirma, em seu art. 231 que: 

Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. 

Essa regra do art. 231 do CPP não é absoluta. Assim, o magistrado pode indeferir a juntada de documentos nas hipóteses em que isso se mostrar manifestamente protelatório ou tumultuário (STJ. 5ª Turma. HC 250.202/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2013). No entanto, caberia ao Tribunal de origem demonstrar, ainda que minimamente, as razões pelas quais a prova juntada aos autos pela defesa teria caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, o que, contudo, não ocorreu. O TRF poderia, evidentemente, até refutar, motivadamente, as conclusões apresentadas no laudo pericial trazido pela defesa, mas não simplesmente se negar a examiná-lo sob a alegação de que sua juntada aos autos teria sido intempestiva, sob pena de violação do próprio disposto no art. 93, IX, da CF/88, especialmente quando verificado que o pedido defensivo teve como causa situação processual superveniente, gerada pelo próprio Desembargador relator da apelação criminal. As normas processuais devem se ajustar ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88) e ao próprio princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF/88), na medida em que assegura ao réu a possibilidade de requerer diligências, quando surgir a possibilidade de uma prova revelar, esclarecer ou refutar os fatos criminosos a ele imputados. 

Em suma: Viola o princípio constitucional da ampla defesa o indeferimento de prova nova sem a demonstração de seu caráter manifestamente protelatório ou meramente tumultuário, mormente quando esta teve como causa situação processual superveniente. STJ. 6ª Turma. HC 545.097-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/09/2021 (Info 711). 

Ante o exposto, o STJ concedeu a ordem, para anular o julgamento da apelação criminal e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao TRF, para que reaprecie o pedido de conversão do julgamento em diligência, na forma requerida pela defesa, motivando, adequadamente, a sua decisão. A pertinência da diligência ou da produção de prova deverá ser examinada pelo Tribunal, que poderá, inclusive, julgar impertinente a medida, desde que o faça em decisão concretamente fundamentada e que não invoque, para tanto, a impossibilidade de inovação recursal naquele momento processual e a preclusão consumativa. 

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