17 de novembro de 2021

Em ação renovatória do contrato de locação de espaço em shopping center a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf


LEI DE LOCAÇÕES Em ação renovatória do contrato de locação de espaço em shopping center a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel 

Caso concreto: determinado supermercado funciona em um shopping center, com quem mantém contrato de locação de espaço. O ajuste prevê que o aluguel corresponde a 2% sobre as vendas líquidas que o supermercado realizar. O supermercado ajuizou ação renovatória de locação contra a administradora do shopping pedindo a renovação do aluguel. O shopping contestou afirmando que não se opõe à renovação do contrato, desde que haja um aumento do aluguel para o percentual de 2,5% das vendas líquidas, considerando que o valor originalmente contratado (2%) está abaixo do percentual adotado comumente no mercado. O pedido do shopping não foi acolhido. Para a fixação do valor do aluguel no contrato de locação de espaço em shopping center, são consideradas algumas características especiais do empreendimento e que o diferencia dos demais. Assim, a título de exemplo, devem ser consideradas a disponibilidade e a facilidade de estacionamento, a segurança do local, a oferta de produtos e serviços, opções de lazer, entre outros. Desse modo, há uma série de fatores que influenciam na fixação da remuneração mensal e que são alheios ao valor de mercado. Frente às singularidades que diferenciam tais contratos, o art. 54 da Lei nº 8.245/91 assegura a prevalência dos princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Nesse sentido, a alteração do aluguel percentual em sede de ação renovatória de locação de espaço em shopping center somente é viável caso demonstrado pela parte postulante - locatário ou locador - o desequilíbrio econômico superveniente resultante de evento imprevisível (arts. 317 e 479 do CC/2002). STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.694-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 709). 

Ação renovatória 

A ação renovatória garante ao locatário o direito de renovar o contrato de locação empresarial, mesmo contra a vontade do locador, desde que presentes certos requisitos. Desse modo, a ação renovatória tem por finalidade a renovação compulsória, obrigatória, do contrato de locação empresarial, estando prevista na Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações). 

Ponto comercial 

Algo muito importante na atividade empresarial é o “ponto comercial”. Ponto comercial é a localização do estabelecimento empresarial. Pensando nisso, o direito protege o ponto comercial. Uma das formas de proteção ocorre por meio da ação renovatória. A principal finalidade da ação renovatória é a proteção do fundo de comércio que foi desenvolvido pelo empresário locatário. Isso porque durante um longo período o locatário desenvolveu sua atividade empresarial naquele local, investindo na formação de uma clientela, na publicidade do ponto comercial e na valorização do imóvel locado. Por isso, o Estado reconhece ao locatário de imóvel comercial, buscando a proteção do seu fundo de comércio, o direito à renovação compulsória do seu contrato de locação, uma vez atendidos os requisitos elencados no art. 51 da Lei de Locações. 

Se a ação renovatória for julgada procedente: 

A locação é renovada. 

Se a ação renovatória for julgada improcedente: 

Sendo julgada improcedente a ação, a locação comercial não será renovada e o juiz determinará a desocupação do imóvel alugado no prazo de 30 dias, desde que haja pedido na contestação: 

Art. 74. Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, se houver pedido na contestação. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) 

Requisitos da ação renovatória 

Segundo o art. 51 da referida Lei, nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito à renovação do contrato, por igual prazo, desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos cumulativos: 

a) o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e por prazo determinado de 5 anos ou mais, ou, a soma dos prazos ininterruptos dos contratos seja de, no mínimo, 5 anos (art. 51, incisos I e II); 

b) exploração do comércio pelo locatário, no mesmo ramo, por pelo menos 3 anos ininterruptos (art. 51, III); 

c) prova do exato cumprimento das obrigações contratuais, bem como do pagamento de impostos e taxas incidentes sobre o imóvel (art. 71, incisos II e III); 

d) indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação (art. 71, IV); 

e) declaração dos fiadores aceitando a renovação do contrato e os encargos da fiança, se forem os mesmos. Se forem outros, indicação do nome ou denominação completa, número de sua inscrição no Ministério da Fazenda, endereço e, tratando-se de pessoa natural, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e o número da carteira de identidade. Mesmo não havendo alteração do fiador, é necessária a comprovação da idoneidade financeira (art. 71, V). 

Prazo 

A sua propositura deve ocorrer no prazo de 1 ano, no máximo, e até 6 meses, no mínimo, antes da data do término do contrato em vigor, sob pena de decadência do direito (art. 51, § 5º, da Lei nº 8.245/91). 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

O Hipermercado Extra, conhecida rede de supermercados, possui uma grande loja no Shopping Center Guarulhos. Isso significa que esse supermercado mantém um contrato de locação de espaço com a empresa administradora do shopping. O contrato prevê que o supermercado deverá pagar, a título de aluguel mensal, o valor de 2% sobre as vendas líquidas que realizar no estabelecimento. Esse aluguel baseado em percentual é comum nas locações envolvendo supermercados ou outras grandes lojas. 

Ação renovatória 

O prazo do contrato estava chegando ao fim e a administradora do shopping afirmou que não deseja renová-lo se as condições permanecerem as mesmas. O shopping pleiteava um aumento do valor do aluguel. O supermercado não concordou e ajuizou ação renovatória de locação contra a administradora do shopping pedindo a renovação do aluguel com a manutenção das demais cláusulas contratuais. O shopping contestou afirmando que não se opõe à renovação do contrato, desde que haja um aumento do aluguel para o percentual de 2,5% das vendas líquidas, considerando que o valor originalmente contratado (2%) está abaixo do percentual adotado comumente no mercado. A administradora requereu, inclusive, a realização de perícia para demonstrar que o percentual de 2% está abaixo do valor de mercado. 

Após ser julgado pelas instâncias ordinárias, a questão chegou até o STJ. O pedido da administradora do shopping foi acolhido? NÃO. 

Em ação renovatória do contrato de locação de espaço em shopping center a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.947.694-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/09/2021 (Info 709). 

Vamos entender com calma. 

Qual é a natureza jurídica do contrato celebrado entre o empreendedor e o lojista? 

O contrato celebrado entre o empreendedor e o lojista é marcado por certas singularidades, as quais o diferencia dos contratos ordinários de locação. Por essa razão, a doutrina diverge sobre a natureza desse contrato. Há, pelo menos, três correntes na doutrina a esse respeito, quais sejam: 

Natureza jurídica do contrato celebrado entre o empreendedor e o lojista 

1ª corrente: Trata-se de contrato atípico; Em razão das suas características exclusivas, a relação jurídica firmada entre o lojista e o incorporador não se caracteriza como locação, sendo atípica; Defendida por Orlando Gomes.

2ª corrente: É um contrato típico de locação; As singularidades desses contratos não desfiguram a locação; Caio Mário da Silva Pereira.

3ª corrente: É o resultado de diversos contratos coligados; Seriam contratos coligados, com predominância do contrato de locação de espalho ou de loja. A ele são coligados outros contratos;  Não tem grande adesão. 

Para a Min. Nancy Andrighi, revela-se mais razoável considerar o contrato pactuado entre o empreendedor do shopping center e o lojista como um típico contrato de locação, com particularidades próprias. 

É possível o ajuizamento de ação renovatória em contrato de locação de espaço de shopping center? 

SIM. Independente da natureza jurídica que se atribua a essa espécie contratual, não há dúvidas de que a Lei nº 8.245/91 permite que o lojista de shopping center proponha ação renovatória de locação. Confira, inclusive, o que prevê o § 2º do art. 52: 

Art. 52 (...) § 2º Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo. 

Assim, preenchidos os requisitos legais previstos nos arts. 51 e 71 da Lei nº 8.245/91, o lojista fará jus à renovação do contrato de locação da unidade imobiliária localizada em shopping center. 

Na ação renovatória, é possível discutir a alteração do valor do aluguel? 

SIM. A ação renovatória de locação tem como escopo principal a extensão do período de vigência do contrato. Considerando que a retribuição inicialmente entabulada (ou seja, o aluguel) tem relação direta com o prazo de vigência do contrato, a doutrina e a jurisprudência consideram que também é possível a alteração do valor do aluguel por meio da ação renovatória. Assim, pode-se dizer que a ação renovatória é dúplice. Daí porque é juridicamente possível ao locador postular, em sede de contestação, a majoração do valor do locativo (valor do aluguel). 

Fixação do valor do aluguel nos contratos de shopping center 

Para a fixação (cálculo) do valor do aluguel no contrato de locação de espaço em shopping center, são consideradas algumas características especiais do empreendimento e que o diferencia dos demais. Assim, a título de exemplo, devem ser consideradas a disponibilidade e a facilidade de estacionamento, a segurança do local, a oferta de produtos e serviços, opções de lazer, entre outros. Desse modo, há uma série de fatores que influenciam na fixação da remuneração mensal e que são alheios ao valor de mercado. Frente às singularidades que diferenciam tais contratos, o art. 54 da Lei nº 8.245/91 assegura a prevalência dos princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos): 

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei. 

Nesse sentido, a alteração do aluguel percentual em sede de ação renovatória de locação de espaço em shopping center somente é viável caso demonstrado pela parte postulante - locatário ou locador - o desequilíbrio econômico superveniente resultante de evento imprevisível (arts. 317 e 479 do CC/2002): 

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. 

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato. 

Assim, a mera dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel, sob pena de o juiz se imiscuir na “economia do contrato”. No mesmo sentido: 

A cláusula contratual em que se prevê a configuração do valor do aluguel não pode ser desprezada unicamente com fundamento na situação de mercado, mormente quando não há lastro suficientemente apto a demonstrar os motivos pelos quais a autonomia das partes não deve prevalecer. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1611717/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/11/2020. 

E a perícia? 

Conforme explicado acima, o STJ entendeu que a desarmonia entre o aluguel percentual ajustado pelas partes contratantes e o valor de mercado é insuficiente para ensejar a revisão do contrato. Logo, mesmo que se comprove que o valor do aluguel está abaixo do mercado, isso não será suficiente para a revisão do contrato. Desse modo, a perícia revela-se despropositada ao fim pretendido


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