15 de fevereiro de 2022

divergência entre as duas Turmas do STJ sobre a possibilidade do alimentante propor ação de exigir contas contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente

 PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE EXIGIR CONTAS

STJ. 3ª Turma. REsp 1.767.456-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25/11/2021 (Info 720)

divergência entre as duas Turmas do STJ sobre a possibilidade do alimentante propor ação de exigir contas contra a guardiã do menor/alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente

4ª Turma do STJ

3ª Turma do STJ

STJ. 4ª Turma. REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.767.456-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25/11/2021 (Info 720)

SIM - O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia

NÃO - O alimentante não possui interesse processual em exigir contas da detentora da guarda do alimentando

3ª Turma do STJ - NÃO

STJ. 3ª Turma. REsp 1.767.456-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25/11/2021 (Info 720

O alimentante não possui interesse processual em exigir contas da detentora da guarda do alimentando

O genitor que não detém a guarda do filho tem o direito de fiscalizar o cumprimento, pelo outro genitor, dos aspectos pessoais e econômicos da guarda, como a educação, a saúde física e psicológica, o lazer e o desenvolvimento de modo geral do filho (arts. 1.583, § 5º, e 1.589, do CC). Isso, contudo, refoge ao verdadeiro objeto da ação de prestação de contas.

A possibilidade de se buscar informações a respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos recursos devidos a título de alimentos não significa que existe um dever do outro genitor de entregar uma planilha aritmética de gastos ao alimentante.

O procedimento especial da ação de prestação de contas está previsto nos arts. 550 a 553 do CPC. Àquele que detiver o direito de exigir contas de terceiro pode se utilizar do rito específico para averiguação de eventual crédito ou até mesmo de débito. Assim, essa ação pode ser proposta por quem deveria receber um balanço da administração dos bens, mas não a recebeu.

A ação de alimentos apresenta peculiaridades que não combinam com a lógica da ação de prestação de contas. A verba alimentar, uma vez transferida ao alimentante, ingressa definitivamente no patrimônio do alimentando. Obviamente que o detentor da guarda tem o dever de utilizar a quantia da melhor forma possível em favor do beneficiário. Contudo, ainda que se discorde da aplicação dos recursos, não há falar em devolução da quantia utilizada pelo credor, ante o princípio da irrepetibilidade que norteia as regras do direito de família, em especial, com relação aos alimentos.

Por outro lado, o suposto direito de exigir o adequado emprego dos valores repassados pressuporia a análise da utilização matemática da pensão alimentícia, o que não é plausível

Ação prestação contas tem a finalidade de declarar a existência de um crédito ou débito entre as partes.

Nas obrigações alimentares, não há saldo a ser apurado em favor do alimentante, porquanto, cumprida a obrigação, não há repetição de valores; A ação de prestação de contas proposta pelo alimentante é via inadequada para fiscalização do uso de recursos transmitidos ao alimentando por não gerar crédito em seu favor e não representar utilidade jurídica.

O alimentante não possui interesse processual em exigir contas da detentora da guarda do alimentando porque, uma vez cumprida a obrigação, a verba não mais compõe o seu patrimônio, remanescendo a possibilidade de discussão do montante em juízo com ampla instrução probatória

Ademais, seria imprescindível analisar todas as circunstâncias fáticas acerca da qualidade de vida do alimentando, consoante a condição social e econômica da família de forma global, o que não se coaduna com os fundamentos lógicos e jurídicos da ação de prestação de contas.

Há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação revisional, ação de modificação da guarda ou até mesmo a ação de suspensão do poder familiar, quando presente a suspeita de abuso de direito no exercício desse poder.

É óbvio que pode haver abuso do direito (art. 187 do CC) nas relações familiares, especialmente no que tange ao desvio ou má gestão da verba alimentar destinada à prole. Todavia, existindo a intenção de prejudicar os filhos por meio de temerária administração dos alimentos é necessário que se acione o Judiciário para a avaliação concreta do melhor interesse da criança ou adolescente, num contexto global. Permitir ações de prestação de contas significaria incentivar ações infindáveis e muitas vezes infundadas acerca de possível malversação dos alimentos, alternativa não plausível e pouco eficaz no Direito de Família

Dessa forma, eventual desconfiança sobre tais informações, em especial do destino dos alimentos que paga, não se resolve por meio de planilha ou balancetes pormenorizadamente postos, de forma matemática e objetiva, mas com ampla análise de quem subjetivamente detém melhores condições para manter e criar uma criança em um ambiente saudável, seguro e feliz, garantindo-lhe a dignidade tão essencial no ambiente familiar.

 

 

4ª Turma do STJ: SIM

STJ. 4ª Turma. REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 01/06/2021 (Info 699).

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia

O Código Civil prevê que, após cessar a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, os pais continuam com o dever de sustentar os filhos

O pai ou a mãe que não ficar na companhia dos filhos cumprirá esse dever por meio da prestação de alimentos.

Art. 1.703, CC: “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”.

Por outro lado, o pai ou a mãe que não ficar com a guarda do filho tem o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (art. 1.589).

Art. 1.589, CC: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua

companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade tem por objetivo evitar que ocorram abusos e desvios de finalidade no que tange à administração da pensão alimentícia. Para isso, esse genitor poderá verificar se as despesas e gastos estão sendo realizados para manutenção e educação da prole.

Esse poder-dever fiscalizatório pode ser exercido por meio da ação de exigir contas. A ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias aos interesses do menor.

O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor – apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 c/c com o art. 1.638 do CC/2002).

Vale ressaltar, inclusive, que a Lei nº 13.058/2014 incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/2002, prevendo expressamente a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos:

Art. 1.583 (...) § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos

“(...) consagra a possibilidade sempre negada pela jurisprudência brasileira da ação de prestação de contas do pagamento da pensão alimentícia, atribuindo, expressamente, legitimidade ativa ao genitor não guardião para solicitar informações ou prestação de contas sobre assuntos ou situações que reflitam sobre a saúde física e psicológica e educação dos filhos e, obviamente, neste espectro de incidências, a pensão alimentícia se apresenta como fundamental direito a ser fiscalizado, pois ainda que os alimentos não possam ser restituídos, ao menos a readequação dos fatos pode ser redirecionada.” (MADALENO, Rolf. (Direito de Família. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 1.023).

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