Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-697-stj.pdf
ALIMENTOS - É cabível o ajuizamento de ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto, quando o valor da pensão alimentícia não atende aos interesses da criança
Situação concreta: mãe e pai da criança firmaram acordo extrajudicial de alimentos no centro judiciário de solução de conflitos. Cerca de 2 meses depois, a criança, representada pela mãe, ajuizou ação de alimentos contra o pai pedindo um valor maior. O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito, decisão que, na visão do STJ, foi incorreta, não estando de acordo com a teoria da asserção, adotada em nosso ordenamento jurídico. O arrependimento e a insatisfação com os termos da avença realizada, porque não atenderia interesse indisponível e teria sido prejudicial, em tese, para a criança, caracteriza, sim, potencial interesse processual e o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, mostrando-se adequada a pretensão buscada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.609.701-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 18/05/2021 (Info 697).
Imagine a seguinte situação adaptada:
João e Regina foram casados e tiveram um filho chamado Lucas (10 anos). Regina, que ficou morando com Lucas, foi se informar a respeito dos direitos do filho, ocasião em que soube que poderia convocar João para um acordo extrajudicial a ser firmado no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUS), com a homologação do juiz coordenador do centro. João e Regina celebraram, então, um acordo extrajudicial, no CEJUSC, por meio do qual o pai se comprometeu a pagar, mensalmente, 35% do salário-mínimo, a título de pensão alimentícia em favor do filho Lucas. Cerca de 60 dias depois do acordo, Lucas, representado por Regina, ajuizou ação de alimentos contra João requerendo que fosse fixado um novo valor a título de alimentos. Isso porque a quantia definida no acordo não é suficiente para as necessidades da criança, além de estar aquém das possibilidades do pai. Narrou que João, apesar de possuir razoável condição financeira, não contribui suficientemente para a sua subsistência, deixando tal encargo exclusivamente à sua mãe. O juiz extinguiu o processo sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir, pela inadequação da via eleita, pois os alimentos já tinham sido fixados 60 dias antes no CEJUSC, com a homologação do juiz coordenador, possuindo o acordo natureza de título executivo extrajudicial. O caso chegou ao STJ.
O fato de haver acordo extrajudicial homologado pelo juiz coordenador do CEJUSC autoriza logo de pronto a extinção do processo, sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual?
NÃO. O STJ adota a teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação, dentre elas o interesse processual, definem-se pela narrativa formulada na petição inicial, e não pela análise do mérito da demanda, motivo pelo qual o juiz, na fase postulatória, não deve se aprofundar no exame de tais preliminares. Assim, os fatos narrados na inicial constituem meras alegações, de modo que, nesse momento (análise da inicial), as condições da ação, dentre elas o interesse processual, devem ser avaliadas in status assertionis, ou seja, de forma abstrata, à luz exclusivamente da narrativa constante na inicial, sem o aprofundamento na matéria de mérito e dispensando qualquer atividade probatória.
A jurisprudência desta Corte Superior adota a teoria da asserção, segundo a qual a presença das condições da ação, entre elas a legitimidade ativa, deve ser apreciada à luz da narrativa contida na petição inicial, não se confundindo com o exame do direito material objeto da ação, a ser enfrentado mediante confronto dos elementos de fato e de prova apresentados pelas partes em litígio. STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp nº 1.710.937/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado aos 14/10/2019.
O entendimento do Tribunal de origem não afasta a orientação desta Corte de que, segundo a teoria da asserção, as condições da ação devem ser aferidas a partir das afirmações deduzidas na petição inicial, dispensando-se qualquer atividade instrutória. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 776.762/RO, Rel. Min. Raul Araújo, julgado aos 24/8/2020.
Veja como o tema já foi cobrado em provas:
(Juiz TJDFT 2015 CESPE) De acordo com o entendimento dominante no STJ, as condições da ação, incluída a legitimidade das partes, devem ser aferidas pelo juiz com base na teoria da asserção, ou seja, de forma abstrata e de acordo com as afirmações deduzidas na petição inicial. (CORRETA)
(Juiz TJAM 2016 CESPE) Segundo a teoria da asserção, a análise das condições da ação é feita pelo juiz com base nas alegações apresentadas na petição inicial. (CORRETA)
(Juiz TJAC 2012 CESPE) Na atual fase de evolução da lei processual brasileira, nos termos da teoria da asserção, devese considerar, na aferição das condições da ação, tanto o que foi alegado pelo autor na inicial quanto o que foi apurado, em concreto, após a instrução da causa. (INCORRETA)
Na situação analisada, a ação de alimentos argumenta que o valor acordado a título de alimentos não atendia às necessidades básicas e era prejudicial ao alimentado. Em outras palavras, o caso não questiona a validade formal do acordo, e sim o binômio (necessidade/possibilidade) do filho, sendo, portanto, possível o prosseguimento da pretensão veiculada na ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto. Deve-se buscar conferir efetividade aos princípios do melhor interesse e da proteção integral do menor e do adolescente, e, principalmente da dignidade da pessoa humana consagrados na ordem constitucional, de maneira que o trabalho interpretativo do magistrado, na solução de causa dessa natureza, seja guiado pelas linhas mestras do sistema constitucional, pelos seus princípios, suas garantias e suas normas valorativas. Nesse trilhar, é de se ter em mente que a questão envolve, não somente o interesse patrimonial, mas também a dignidade do infante, que é sujeito de direitos, e não objeto, de receber alimentos, ao menos, suficientes para o atendimento das suas necessidades básicas, que são presumidas, considerando a sua pouca idade (atualmente com 10 anos). Nesta toada, conclui-se que o arrependimento e a insatisfação com os termos da avença realizada no CEJUSC, porque não atenderia interesse indisponível e a ele teria sido prejudicial, em tese, caracterizou, sim, potencial interesse processual. Ademais, o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, que se mostra adequada para a pretensão buscada.
Em suma: É cabível o ajuizamento de ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto, quando o valor da pensão alimentícia não atende aos interesses da criança. STJ. 3ª Turma. REsp 1.609.701-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 18/05/2021 (Info 697)