24 de abril de 2021

São inconstitucionais as decisões judiciais que determinam a constrição de verbas públicas oriundas de Fundo Estadual de Saúde (FES) — que devem ter aplicação compulsória na área de saúde — para atendimento de outras finalidades específicas.

 Decisões judiciais e constrição de verbas públicas ADPF 664/ES 

 

Resumo:

São inconstitucionais as decisões judiciais que determinam a constrição de verbas públicas oriundas de Fundo Estadual de Saúde (FES) — que devem ter aplicação compulsória na área de saúde — para atendimento de outras finalidades específicas.

 

A jurisprudência da Corte (1) não admite a constrição indiscriminada de verbas públicas por meio de decisões judiciais, sob pena de afronta ao preceito contido no art. 167, VI, da Constituição Federal (CF) (2), e ao modelo constitucional de organização orçamentária das finanças públicas. Além disso, essas decisões afrontam o preceito da separação funcional de Poderes [art. 2º (3) c/c art. 60, § 4º, III (4), da CF], o princípio da eficiência da Administração Pública [art. 37, caput, da CF (5)] e o princípio da continuidade dos serviços públicos [art. 175 da CF (6)].

Com efeito, a possibilidade de constrição judicial de receita pública é absolutamente excepcional. O texto constitucional o permite apenas em hipóteses que envolvem o pagamento de dívidas do Poder Público mediante o sistema de precatórios, conforme o art. 100, § 6º, da CF (7), ao tratar da possibilidade de sequestro de verbas em caso de preterição da ordem de pagamento. Conforme apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (8), é inconstitucional a ampliação dessas hipóteses constitucionais de sequestro, tal como pretendido na hipótese.

Portanto, não pode o Poder Judiciário, por mera comodidade da execução, determinar medida que acarreta gravame para as atividades administrativas e financeiras do Estado. Se nem ao próprio Poder Executivo é dado remanejar receitas públicas ao seu livre arbítrio, quanto mais se mostra temerário que o Poder Judiciário o faça, pois lhe falta capacidade institucional para avaliar os impactos desses bloqueios e sequestros de verbas sobre a atividade administrativa e a programação financeira do ente.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental, para declarar a inconstitucionalidade das decisões judiciais que determinaram a constrição de verbas públicas oriundas do Fundo Estadual de Saúde em contas vinculadas a contratos de gestão ou termos de parceria para a execução de ações de saúde pública, nos termos do voto do relator, vencido o ministro Marco Aurélio.

(1) Precedentes citados: ADPF 275/PB, relator Ministro Alexandre de Moraes (DJe de 27.6.2019); ADPF 33/PA, relator Ministro Gilmar Mendes (DJ de 27.10.2006); ADPF 114/PI MC, relator Ministro Roberto Barroso (DJe de 6.9.2019); entre outros julgados.

(2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.”

(3) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

(4) CF: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III - a separação dos Poderes;”

(5) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

(6) CF: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

(7) CF: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (...) § 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.”

(8) ADI 1.662/SP, relator Min. Maurício Corrêa (DJ de 19.9.2003).

ADPF 664/ES, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 16.4.2021 (sexta-feira), às 23:59

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