RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.372 - RS (2010/0199295-7)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE DUPLICATAS
REFERENTES A EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO PARCIAL
DA EDIFICAÇÃO - PENHORA DO PRÓPRIO IMÓVEL OBJETO
DO CONTRATO DE EMPREITA - INCIDENTE DE
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA REJEITADO -
IRRESIGNAÇÃO DOS EXECUTADOS - RECURSO
DESPROVIDO.
Hipótese: Averiguar se o crédito oriundo de contrato de
empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel
residencial, encontra-se salvaguardado nas exceções legais de
impenhorabilidade do bem de família.
1. No caso, as instâncias ordinárias entenderam que a
obrigação/dívida oriunda de financiamento de material e
mão-de-obra destinados à construção de moradia, decorrente de
contrato de empreitada, enquadra-se na hipótese prevista pelo
inciso II do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, não sendo oponível ao
credor a impenhorabilidade resguardada ao bem de família.
2. Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do
art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo
legislador abarca operações de crédito destinadas à
aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo
essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na
qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece
recursos para outra a fim de que essa possa executar
benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente
acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui
o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou
a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a
entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a
aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não
deseja pagar o preço à vista.
3. Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação
extensiva das exceções legais descritas na norma, vez que há
subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os
limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que,
diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, uma vez
incontroversa a origem e a finalidade voltada à edificação ou aquisição do bem, não fica adstrito a mútuos realizados por
agente financeiro do SFH.
4. Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento
contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável
enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao
prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com
seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo
tomador valendo-se de recursos do primeiro.
5. Recurso Especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília (DF), 15 de outubro de 2019 (Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por JORGE LUIZ WEBER E
OUTRO, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição
Federal, em desafio a acórdão proferido em agravo de instrumento pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Depreende-se dos autos que, na origem, a ora recorrida MATTIAZZI
CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA - EMPRESA DE PEQUENO PORTE
ajuizou execução em face dos insurgentes afirmando ser credora da quantia original de
R$ 10.702,25 (dez mil, setecentos e dois reais e vinte e cinco centavos) representada
por três duplicatas vinculadas a contrato particular de construção por empreitada parcial
de imóvel.
Em fevereiro de 1998, foi penhorado o bem consistente no "lote urbano nº 21,
da Quadra nº 22 da cidade de Porto Mauá, com área de 730,49 m², sem benfeitorias",
conforme auto de penhora às fls. 33 dos presentes autos.
Realizada a avaliação do imóvel (fl. 34), constatou-se que, "sobre o terreno
foi iniciada uma construção, em alvenaria, composta de uma base e um piso superior,
com apenas as paredes erguidas, com uma área de soalho em madeira", referindo, o
aludido laudo, que ao tempo da diligência a obra estaria inacabada e abandonada.
Os executados manejaram incidente de impenhorabilidade (fls. 31-41)
aduzindo, em síntese, que o bem é o único do casal e, apesar de estar em construção,
é destinado à residência do conjunto familiar.
O magistrado a quo rejeitou o incidente e manteve a penhora, nos termos da
deliberação de fls 82-86.
Os executados interpuseram agravo de instrumento, ao qual foi negado
provimento pelo acórdão de fls. 113-121, assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE IMÓVEL RESIDENCIAL.
EXECUÇÃO DE DUPLICATAS REFERENTES A EMPREITADA DE
CONSTRUÇÃO PARCIAL DA EDIFICAÇÃO.
O crédito decorrente da construção de parte do imóvel residencial
(material e mão-de-obra) configura a hipótese do art. 3°, inc. II, da Lei
8.009/90, exceção à regra da impenhorabilidade.
Na situação concreta, a credora, empresa de construção civil
responsável pela compra dos materiais de construção e pela execução
da obra de empreitada, dispõe do benefício da penhora, ainda que sobre
imóvel residencial.
Constrição do imóvel mantida.
Agravo desprovido, por maioria.
Nas razões do recurso especial (fls. 126-137), alegam os
insurgentes/executados, além de dissídio jurisprudencial, violação aos artigos 1º e 3º,
inciso II da Lei nº 8.009/90.
Sustentam, em síntese: a) a inviabilidade de conferir interpretação extensiva
à norma do artigo 3º, inciso II da Lei nº 8.009/90, pois a exceção lá estabelecida é
destinada, apenas, para os casos de financiamento de imóvel residencial, parcial ou
total, desde que efetuado por agente financeiro do Sistema Financeiro Habitacional; b) o
crédito resultante de aquisição de material de construção e mão-de-obra (empreitada)
não é privilegiado, motivo pelo qual deve ser afastada a penhora sobre o único imóvel do
casal, vez que considerado bem de família.
Contrarrazões às fls. 178-188.
Inadmitido o reclamo na origem (fls. 210-214), os autos ascenderam a esta
Corte Superior por força do provimento dado ao AG nº 1.264.578/RS (fl. 219)
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):
O reclamo não merece prosperar.
Inicialmente, é imprescindível mencionar que, consoante informações
colhidas do sítio eletrônico do Tribunal gaúcho, os autos da execução na origem
encontravam-se suspensos desde 11/05/2011 aguardando o julgamento do presente
reclamo. Porém, recentemente, em 20/03/2019, o magistrado a quo deferiu o
prosseguimento do feito, tendo, no entanto, inviabilizado, por ora, a reavaliação do bem
penhorado até o julgamento definitivo da insurgência nessa instância superior.
1. A controvérsia trazida ao exame desta Corte Superior consiste em
averiguar se o crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que
parcial, de imóvel residencial, encontra-se salvaguardado nas exceções legais à
impenhorabilidade do bem de família.
No caso, as instâncias precedentes entenderam que a obrigação/dívida
oriunda de financiamento de material e mão-de-obra destinados à construção de
moradia, decorrente de contrato de empreitada, enquadra-se na hipótese prevista pelo
inciso II do artigo 3º da Lei 8009/90, não sendo oponível ao credor a impenhorabilidade
resguardada ao bem de família.
Inegavelmente, o bem de família legal/obrigatório está disciplinado na Lei nº
8.009, de 29 de março de 1990 que dispõe, em seu artigo 1º:
O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus
proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta
lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual
se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer
natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou
móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
A referida legislação arrola taxativamente as hipóteses autorizadoras da
penhorabilidade do bem de família, consoante se depreende dos artigos 2º, 3º, 4º e 5º,
sendo que, para o caso, é oportuno transcrever o normativo apontado como malferido, qual seja, o artigo 3º, inciso II:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido:
(...)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado
à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e
acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
(...)
No caso sub judice sobressai peculiaridade que justifica o tratamento
diferenciado à questão, uma vez que não se trata de contrato de mútuo/financiamento
entabulado com agente financeiro ou contrutora/incorporadora, nos moldes usualmente
analisados por esta Corte Superior. Aqui, a dívida decorreu da inadimplência de valores
relativos a contrato de empreitada para construção, ainda que parcial, de uma casa de
alvenaria, com fornecimento de material e mão-de-obra.
Apesar da instância originária ter afirmado tratar-se de crédito/financiamento
advindo de venda de material de construção, aduziu existir contrato de construção por
empreitada global, o que foi corroborado pela Corte local ao asseverar que a
construtora/exequente assumiu o encargo de fornecer o material e executar a
obra.
Confira-se o trecho:
Com efeito, o credor do financiamento dispõe da possibilidade de
penhora, ainda que sobre imóvel residencial.
Conforme se extrai dos autos, a residência dos agravantes estava sendo
erigida pela empresa agravada, por força de contrato particular de
empreitada global firmado entre os litigantes, mediante o qual a
construtora assumiu o encargo de fornecer o material e executar a obra.
Dessa forma, as duplicatas executadas estão vinculadas a esse contrato,
de sorte que os valores para construção do imóvel foram financiados
pela exequente.
Dito isso, para o correto deslinde à controvérsia, afigura-se imprescindível
tecer breves considerações sobre o instituto jurídico da empreitada, considerado como
o contrato por meio do qual uma das partes (empreiteiro) se obriga, pessoalmente ou
por meio de terceiros, sem subordinação ou dependência, porém mediante instruções,
a realizar/executar certa obra para a outra (proprietário, comitente, dono da obra), com
material próprio ou por este fornecido, percebendo remuneração global ou proporcional ao trabalho executado. Nesse sentido confira-se o escólio de DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 465; RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume 3: Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30 ed.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 246 e GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil
Brasileiro: volume III – Contratos e Atos Unilaterais. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
344.
Nos termos da legislação civil (art. 610 do Código Civil de 2002) a
empreitada pode ser de duas modalidades, a de mão de obra ou a mista. Na primeira
espécie (empreitada de mão de obra), também denominada de empreitada de lavor ou
simples, o empreiteiro contribui somente com o seu trabalho, isso é, com a mão de
obra, ficando os materiais sob responsabilidade do proprietário da edificação.
Nessa hipótese, em regra, consoante previsto no artigo 612 do Código Civil,
os riscos inerentes à execução da obra são assumidos pelo dono.
A empreitada mista, por sua vez, compreende a mão de obra e o
fornecimento de materiais pelo próprio empreiteiro. Os riscos da execução, neste caso,
recaem sobre esse último até a entrega efetiva da obra (artigo 611).
Não se confunde a empreitada com o contrato de trabalho, tampouco com o
de prestação civil de serviços (artigos 593 a 609 do Código Civil). Não obstante o ponto
de aproximação, que é a efetivação da atividade, a empreitada caracteriza-se
nitidamente pela circunstância de considerar o resultado final, e não a operação em si,
como objeto de relação contratual. Enquanto no contrato de serviços se cogita da
atividade como prestação imediata, na empreitada tem-se em vista a obra executada,
figurando o trabalho que a realiza como prestação mediata ou meio de consecução.
Aproxima-se, também, da compra e venda a empreitada com fornecimento
de materiais por parte do empreiteiro, que os afeiçoa ou transforma, e entrega ao outro
contraente a obra encomendada. Essencialmente, difere da venda porque não visa a
uma obrigação de dar, mas sim a uma obrigação de fazer, essa atinente a executar a
obra.
Dado esse panorama sobre o instituto da empreitada, é oportuno destacar
precedentes desta Corte Superior que, em hipóteses peculiares, gravitam em torno da
controvérsia em exame.
O STJ já afirmou inviável a penhora do bem de família ante a inadimplência
decorrente de compras de materiais de construção, ainda que utilizados pelo
devedor para a construção do imóvel onde reside.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPENHORABILIDADE DO
BEM DE FAMÍLIA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. A inadimplência dos réus em relação a compras de materiais de
construção do imóvel onde residem não autoriza afastar a
impenhorabilidade de bem de família, dado que a hipótese excepcional
em contrário, prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, é taxativa, não
permitindo elastecimento de modo a abrandar a regra protetiva conferida
pelo referenciado diploma legal.
II. Agravo improvido.
(AgRg no Ag 888.313/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 08/09/2008)
Inegavelmente, esse entendimento não é aplicável ao caso como almejam
fazer crer os insurgentes, pois a hipótese ora em foco não retrata simples dívida
decorrente de aquisição de materiais de construção, para a qual, ainda que sejam
utilizados pelo devedor para erguer a própria moradia, não encontra lastro nas exceções
legais estabelecidas pelo legislador, notadamente quando esse, nos termos do inciso II
do artigo 3º, vincula o limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato.
Afasta-se, assim, o alegado dissenso interpretativo referido pelos
recorrentes, pois o precedente invocado não possui similitude fática com o caso
retratado nos autos, vez que este diz respeito a contrato de empreitada global/mista,
com fornecimento de material de construção e mão de obra pelo empreiteiro,
vinculando as partes por contrato específico e mediante pagamento parcelado do débito
contraído.
Outrossim, esta Corte Superior admite a penhora do bem de família, quando
o resultado da dívida exequenda é decorrente de contrato de promessa ou compra e
venda do próprio imóvel. Nessa hipótese, a constrição é admissível com base na
interpretação conferida ao artigo 3º, inciso II, da Lei nº 8.009/90, a qual decorre da
compatibilização da proteção legal conferida ao bem de família com a livre
manifestação de vontade do proprietário que, ao expor o imóvel em banco de
negociação, adota conduta incompatível com a manutenção da impenhorabilidade legal
conferida ao bem.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO
DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA.
EXCEÇÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Nos termos da jurisprudência aplicada pelo Superior Tribunal de
Justiça, existe possibilidade de penhora do bem de família para saldar
débito decorrente de contrato de promessa de compra e venda para
aquisição do imóvel. 2. A constrição é admissível com base na
interpretação conferida ao art. 3º, II, da Lei 8.009/1990, a qual decorre
da compatibilização da proteção legal conferida ao bem de família com a
livre manifestação de vontade do proprietário que, in casu, ao expor o
imóvel em banco de negociação, adotou conduta incompatível com a
manutenção da impenhorabilidade legal conferida ao bem.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1420192/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 01/07/2019, DJe 06/08/2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. (...)
2. É admitida a penhora do bem de família, quando o resultado da dívida
exequenda é decorrente do contrato de compra e venda do próprio
imóvel, conforme exceção prevista no art. 3º da Lei nº 8.009/1990.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 652.420/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 04/02/2016)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO.
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. ART. 3º, II, DA
LEI N. 8.009/90. OBRIGAÇÕES DECORRENTES DO CONTRATO DE
AQUISIÇÃO DO BEM DESTINADO À RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA.
I. A impenhorabilidade prevista na Lei n. 8.009/90 não se aplica ao imóvel
cuja dívida exigida é originária de obrigações decorrentes do contrato de
compra e venda do próprio bem destinado à residência da família,
aplicando-se, neste caso, o disposto no art. 3.º, II, da referida lei.
Precedentes.
II. Agravo improvido.
(AgRg no Ag 1254681/MS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 18/10/2010)
Em sentido análogo:
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL E CIVIL. EXECUÇÃO DE
SENTENÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. BEM
DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. DÍVIDA ORIUNDA DE NEGÓCIO
ENVOLVENDO O PRÓPRIO IMÓVEL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA
EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, II, DA LEI N. 8.009/90.
1. A exceção prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90 - possibilidade de
se penhorar bem de família - deve ser estendida também aos casos em
que o proprietário firma contrato de promessa de compra e venda do
imóvel e, após receber parte do preço ajustado, se recusa a adimplir com
as obrigações avençadas ou a restituir o numerário recebido, e não
possui outro bem passível de assegurar o juízo da execução.
2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 806.099/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 14/03/2016) - grifo nosso
PROCESSO CIVIL E CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. CARACTERIZAÇÃO.
VALOR DO IMÓVEL. IRRELEVÂNCIA. PENHORABILIDADE. DÍVIDA
ORIUNDA DE NEGÓCIO ENVOLVENDO O PRÓPRIO IMÓVEL.
CABIMENTO. EXEGESE SISTEMÁTICA DA LEI Nº 8.009/90.
DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 1º E 3º, II, DA LEI Nº
8.009/90. (...)
5. A regra do art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90, se estende também aos casos
em que o proprietário firma contrato de promessa de compra e
venda do imóvel e, após receber parte do preço ajustado, se recusa a
adimplir com as obrigações avençadas ou a restituir o numerário
recebido, e não possui outro bem passível de assegurar o juízo da
execução.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1440786/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/05/2014, DJe 27/06/2014) - grifo nosso
O caso ora em foco também não se amolda às hipóteses acima referidas
que envolvem contratos de promessa ou compra e venda do próprio imóvel, pois aqui
inexistiu a negociação do bem.
Como cediço, a situação dos autos é efetivamente peculiar, pois o terreno
sobre o qual foi ou seria erigido/construído o prédio residencial é de propriedade do
contratante/dono do imóvel que se comprometeu, mediante contrato específico de
empreitada global, a saldar a dívida contraída para a construção de sua moradia com
recursos próprios, porém, mediante pagamento parcelado, tendo inadimplido a
obrigação.
Imprescindível mencionar que não há como precisar, nesse momento
processual, se houve o cumprimento integral do contrato de empreitada com a entrega
efetiva do ajustado entre as partes, tampouco se o pagamento ocorreria após a entrega
da obra ou se haveria pagamento parcelado do débito durante o prazo da prestação do
serviço.
A despeito disso, o ponto nodal é que o executado realizou com a
construtora uma operação de crédito concomitante ao ajuste atinente à edificação, e
quedou-se inadimplente para com o pagamento da dívida contraída, essa vinculada
especificamente à construção de sua própria moradia, a atrair, nesses termos, a
exceção à regra da impenhorabilidade referida pelo inciso II do artigo 3º da Lei nº
8.009/90, pois aqui, a execução é movida pelo titular do crédito decorrente do
financiamento destinado à edificação do próprio prédio, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato.
Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º da Lei nº
8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito
destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas
serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante
mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar
benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como
aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em
prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou
após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a
aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço
à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de
crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade
parcelada.
Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação extensiva das
exceções legais descritas na norma, vez que há subsunção da hipótese à exceção
legal, considerando-se os limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que,
diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, não está adstrito a mútuos realizados
por agente financeiro do SFH.
Ressalte-se que, no caso, as instâncias precedentes realizaram exame
cuidadoso da questão, afirmando tratar-se sim, de financiamento realizado para a
edificação/aquisição do próprio bem, uma vez que "os valores para a construção do
imóvel foram financiados pela exequente". (fls. 116)
Ademais, esta Corte Superior já rechaçou a tese afeta à alegada
impenhorabilidade do bem quando o devedor assume dívida voltada à
aquisição/construção de imóvel residencial e se compromete a quitá-la com recursos
próprios, pois ausente o pagamento à vista do compromisso assumido.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPENHORABILIDADE DE
BEM DE FAMÍLIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA PARA AQUISIÇÃO
DE TERRENO SOBRE O QUAL FOI CONSTRUÍDA CASA COM
RECURSOS PRÓPRIOS. INADIMPLEMENTO DA DÍVIDA. PENHORA DO
IMÓVEL. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Aquele que contrai dívida para adquirir terreno sobre o qual edifica,
com recursos próprios, sua moradia, não pode invocar a proteção do
bem de família para impedir a penhora desse imóvel residencial em caso de inadimplemento da dívida.
A exceção prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990 possibilita a
penhora do bem de família para garantir a quitação da dívida contraída
para sua aquisição. Assim, inviável sustentar a impenhorabilidade sob o
fundamento de que a casa, especificamente falando, foi construída com
recursos próprios. Se o mútuo viabilizou a construção do bem de família,
não há como afirmar que ele não possa ser penhorado para pagamento
dessa mesma dívida.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1448796/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 25/11/2016)
Certamente, quando o legislador utilizou a palavra financiamento, não
objetivou restringir a regra da impenhorabilidade somente às hipóteses nas quais a
dívida assumida seria quitada com recursos de terceiros (agentes financiadores), mas
sim que, quando o encargo financeiro anunciado - operação de crédito - fosse voltado à
aquisição ou construção de imóvel residencial, ao credor seria salvaguardado o direito
de proceder à penhora do bem.
Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do
devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, haja vista que lhe bastaria
assumir o compromisso de quitar a obrigação com recursos próprios para estar
autorizado, nos termos da lei, a se locupletar ilicitamente.
Assim, se o bem de família pode ser penhorado para garantir a quitação da
dívida contraída para sua aquisição/contrução, não faz sentido afirmar que, no caso,
isso não possa ocorrer apenas porque a acessão sobre o terreno seria quitada com
recursos próprios. Ora, tendo o devedor contratado a empreitada na modalidade mista
para a construção de sua residência e se incumbido de adimplir a obrigação de forma
parcelada nas datas estabelecidas no contrato, consoante os títulos de crédito sacados
(duplicatas), não há como afastar a conclusão segundo a qual a operação de
crédito/financiamento viabilizou a construção do imóvel, motivo pelo qual não há como
afastar a possibilidade de sua penhora.
2. Do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.