6 de maio de 2021

EXECUÇÃO DE DUPLICATAS REFERENTES A EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO PARCIAL DA EDIFICAÇÃO - PENHORA DO PRÓPRIO IMÓVEL OBJETO DO CONTRATO DE EMPREITA - INCIDENTE DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA REJEITADO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.372 - RS (2010/0199295-7) 

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI 

RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO DE DUPLICATAS REFERENTES A EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO PARCIAL DA EDIFICAÇÃO - PENHORA DO PRÓPRIO IMÓVEL OBJETO DO CONTRATO DE EMPREITA - INCIDENTE DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA REJEITADO - IRRESIGNAÇÃO DOS EXECUTADOS - RECURSO DESPROVIDO. 

Hipótese: Averiguar se o crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se salvaguardado nas exceções legais de impenhorabilidade do bem de família. 

1. No caso, as instâncias ordinárias entenderam que a obrigação/dívida oriunda de financiamento de material e mão-de-obra destinados à construção de moradia, decorrente de contrato de empreitada, enquadra-se na hipótese prevista pelo inciso II do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, não sendo oponível ao credor a impenhorabilidade resguardada ao bem de família. 

2. Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. 

3. Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação extensiva das exceções legais descritas na norma, vez que há subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que, diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, uma vez incontroversa a origem e a finalidade voltada à edificação ou aquisição do bem, não fica adstrito a mútuos realizados por agente financeiro do SFH. 

4. Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo tomador valendo-se de recursos do primeiro. 

5. Recurso Especial desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. 

Brasília (DF), 15 de outubro de 2019 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por JORGE LUIZ WEBER E OUTRO, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, em desafio a acórdão proferido em agravo de instrumento pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 

Depreende-se dos autos que, na origem, a ora recorrida MATTIAZZI CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA - EMPRESA DE PEQUENO PORTE ajuizou execução em face dos insurgentes afirmando ser credora da quantia original de R$ 10.702,25 (dez mil, setecentos e dois reais e vinte e cinco centavos) representada por três duplicatas vinculadas a contrato particular de construção por empreitada parcial de imóvel. 

Em fevereiro de 1998, foi penhorado o bem consistente no "lote urbano nº 21, da Quadra nº 22 da cidade de Porto Mauá, com área de 730,49 m², sem benfeitorias", conforme auto de penhora às fls. 33 dos presentes autos. 

Realizada a avaliação do imóvel (fl. 34), constatou-se que, "sobre o terreno foi iniciada uma construção, em alvenaria, composta de uma base e um piso superior, com apenas as paredes erguidas, com uma área de soalho em madeira", referindo, o aludido laudo, que ao tempo da diligência a obra estaria inacabada e abandonada. 

Os executados manejaram incidente de impenhorabilidade (fls. 31-41) aduzindo, em síntese, que o bem é o único do casal e, apesar de estar em construção, é destinado à residência do conjunto familiar. 

O magistrado a quo rejeitou o incidente e manteve a penhora, nos termos da deliberação de fls 82-86. 

Os executados interpuseram agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento pelo acórdão de fls. 113-121, assim ementado: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE IMÓVEL RESIDENCIAL. EXECUÇÃO DE DUPLICATAS REFERENTES A EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO PARCIAL DA EDIFICAÇÃO. O crédito decorrente da construção de parte do imóvel residencial (material e mão-de-obra) configura a hipótese do art. 3°, inc. II, da Lei 8.009/90, exceção à regra da impenhorabilidade. Na situação concreta, a credora, empresa de construção civil responsável pela compra dos materiais de construção e pela execução da obra de empreitada, dispõe do benefício da penhora, ainda que sobre imóvel residencial. Constrição do imóvel mantida. Agravo desprovido, por maioria. 

Nas razões do recurso especial (fls. 126-137), alegam os insurgentes/executados, além de dissídio jurisprudencial, violação aos artigos 1º e 3º, inciso II da Lei nº 8.009/90. 

Sustentam, em síntese: a) a inviabilidade de conferir interpretação extensiva à norma do artigo 3º, inciso II da Lei nº 8.009/90, pois a exceção lá estabelecida é destinada, apenas, para os casos de financiamento de imóvel residencial, parcial ou total, desde que efetuado por agente financeiro do Sistema Financeiro Habitacional; b) o crédito resultante de aquisição de material de construção e mão-de-obra (empreitada) não é privilegiado, motivo pelo qual deve ser afastada a penhora sobre o único imóvel do casal, vez que considerado bem de família. 

Contrarrazões às fls. 178-188. 

Inadmitido o reclamo na origem (fls. 210-214), os autos ascenderam a esta Corte Superior por força do provimento dado ao AG nº 1.264.578/RS (fl. 219) 

É o relatório. 

VOTO 

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O reclamo não merece prosperar. 

Inicialmente, é imprescindível mencionar que, consoante informações colhidas do sítio eletrônico do Tribunal gaúcho, os autos da execução na origem encontravam-se suspensos desde 11/05/2011 aguardando o julgamento do presente reclamo. Porém, recentemente, em 20/03/2019, o magistrado a quo deferiu o prosseguimento do feito, tendo, no entanto, inviabilizado, por ora, a reavaliação do bem penhorado até o julgamento definitivo da insurgência nessa instância superior. 

1. A controvérsia trazida ao exame desta Corte Superior consiste em averiguar se o crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se salvaguardado nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família. 

No caso, as instâncias precedentes entenderam que a obrigação/dívida oriunda de financiamento de material e mão-de-obra destinados à construção de moradia, decorrente de contrato de empreitada, enquadra-se na hipótese prevista pelo inciso II do artigo 3º da Lei 8009/90, não sendo oponível ao credor a impenhorabilidade resguardada ao bem de família. 

Inegavelmente, o bem de família legal/obrigatório está disciplinado na Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990 que dispõe, em seu artigo 1º: 

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. 

A referida legislação arrola taxativamente as hipóteses autorizadoras da penhorabilidade do bem de família, consoante se depreende dos artigos 2º, 3º, 4º e 5º, sendo que, para o caso, é oportuno transcrever o normativo apontado como malferido, qual seja, o artigo 3º, inciso II: 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; (...) 

No caso sub judice sobressai peculiaridade que justifica o tratamento diferenciado à questão, uma vez que não se trata de contrato de mútuo/financiamento entabulado com agente financeiro ou contrutora/incorporadora, nos moldes usualmente analisados por esta Corte Superior. Aqui, a dívida decorreu da inadimplência de valores relativos a contrato de empreitada para construção, ainda que parcial, de uma casa de alvenaria, com fornecimento de material e mão-de-obra. 

Apesar da instância originária ter afirmado tratar-se de crédito/financiamento advindo de venda de material de construção, aduziu existir contrato de construção por empreitada global, o que foi corroborado pela Corte local ao asseverar que a construtora/exequente assumiu o encargo de fornecer o material e executar a obra. 

Confira-se o trecho: 

Com efeito, o credor do financiamento dispõe da possibilidade de penhora, ainda que sobre imóvel residencial. Conforme se extrai dos autos, a residência dos agravantes estava sendo erigida pela empresa agravada, por força de contrato particular de empreitada global firmado entre os litigantes, mediante o qual a construtora assumiu o encargo de fornecer o material e executar a obra. Dessa forma, as duplicatas executadas estão vinculadas a esse contrato, de sorte que os valores para construção do imóvel foram financiados pela exequente. 

Dito isso, para o correto deslinde à controvérsia, afigura-se imprescindível tecer breves considerações sobre o instituto jurídico da empreitada, considerado como o contrato por meio do qual uma das partes (empreiteiro) se obriga, pessoalmente ou por meio de terceiros, sem subordinação ou dependência, porém mediante instruções, a realizar/executar certa obra para a outra (proprietário, comitente, dono da obra), com material próprio ou por este fornecido, percebendo remuneração global ou proporcional ao trabalho executado. Nesse sentido confira-se o escólio de DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 465; RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume 3: Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 246 e GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: volume III – Contratos e Atos Unilaterais. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 344. 

Nos termos da legislação civil (art. 610 do Código Civil de 2002) a empreitada pode ser de duas modalidades, a de mão de obra ou a mista. Na primeira espécie (empreitada de mão de obra), também denominada de empreitada de lavor ou simples, o empreiteiro contribui somente com o seu trabalho, isso é, com a mão de obra, ficando os materiais sob responsabilidade do proprietário da edificação. 

Nessa hipótese, em regra, consoante previsto no artigo 612 do Código Civil, os riscos inerentes à execução da obra são assumidos pelo dono. 

A empreitada mista, por sua vez, compreende a mão de obra e o fornecimento de materiais pelo próprio empreiteiro. Os riscos da execução, neste caso, recaem sobre esse último até a entrega efetiva da obra (artigo 611). 

Não se confunde a empreitada com o contrato de trabalho, tampouco com o de prestação civil de serviços (artigos 593 a 609 do Código Civil). Não obstante o ponto de aproximação, que é a efetivação da atividade, a empreitada caracteriza-se nitidamente pela circunstância de considerar o resultado final, e não a operação em si, como objeto de relação contratual. Enquanto no contrato de serviços se cogita da atividade como prestação imediata, na empreitada tem-se em vista a obra executada, figurando o trabalho que a realiza como prestação mediata ou meio de consecução. 

Aproxima-se, também, da compra e venda a empreitada com fornecimento de materiais por parte do empreiteiro, que os afeiçoa ou transforma, e entrega ao outro contraente a obra encomendada. Essencialmente, difere da venda porque não visa a uma obrigação de dar, mas sim a uma obrigação de fazer, essa atinente a executar a obra. 

Dado esse panorama sobre o instituto da empreitada, é oportuno destacar precedentes desta Corte Superior que, em hipóteses peculiares, gravitam em torno da controvérsia em exame. 

O STJ já afirmou inviável a penhora do bem de família ante a inadimplência decorrente de compras de materiais de construção, ainda que utilizados pelo devedor para a construção do imóvel onde reside. 

Nesse sentido: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. A inadimplência dos réus em relação a compras de materiais de construção do imóvel onde residem não autoriza afastar a impenhorabilidade de bem de família, dado que a hipótese excepcional em contrário, prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90, é taxativa, não permitindo elastecimento de modo a abrandar a regra protetiva conferida pelo referenciado diploma legal. II. Agravo improvido. (AgRg no Ag 888.313/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 08/09/2008) 

Inegavelmente, esse entendimento não é aplicável ao caso como almejam fazer crer os insurgentes, pois a hipótese ora em foco não retrata simples dívida decorrente de aquisição de materiais de construção, para a qual, ainda que sejam utilizados pelo devedor para erguer a própria moradia, não encontra lastro nas exceções legais estabelecidas pelo legislador, notadamente quando esse, nos termos do inciso II do artigo 3º, vincula o limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. 

Afasta-se, assim, o alegado dissenso interpretativo referido pelos recorrentes, pois o precedente invocado não possui similitude fática com o caso retratado nos autos, vez que este diz respeito a contrato de empreitada global/mista, com fornecimento de material de construção e mão de obra pelo empreiteiro, vinculando as partes por contrato específico e mediante pagamento parcelado do débito contraído. 

Outrossim, esta Corte Superior admite a penhora do bem de família, quando o resultado da dívida exequenda é decorrente de contrato de promessa ou compra e venda do próprio imóvel. Nessa hipótese, a constrição é admissível com base na interpretação conferida ao artigo 3º, inciso II, da Lei nº 8.009/90, a qual decorre da compatibilização da proteção legal conferida ao bem de família com a livre manifestação de vontade do proprietário que, ao expor o imóvel em banco de negociação, adota conduta incompatível com a manutenção da impenhorabilidade legal conferida ao bem. 

Nesse sentido: 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, existe possibilidade de penhora do bem de família para saldar débito decorrente de contrato de promessa de compra e venda para aquisição do imóvel. 2. A constrição é admissível com base na interpretação conferida ao art. 3º, II, da Lei 8.009/1990, a qual decorre da compatibilização da proteção legal conferida ao bem de família com a livre manifestação de vontade do proprietário que, in casu, ao expor o imóvel em banco de negociação, adotou conduta incompatível com a manutenção da impenhorabilidade legal conferida ao bem. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1420192/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/07/2019, DJe 06/08/2019) 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. (...) 2. É admitida a penhora do bem de família, quando o resultado da dívida exequenda é decorrente do contrato de compra e venda do próprio imóvel, conforme exceção prevista no art. 3º da Lei nº 8.009/1990. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 652.420/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 04/02/2016) 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. ART. 3º, II, DA LEI N. 8.009/90. OBRIGAÇÕES DECORRENTES DO CONTRATO DE AQUISIÇÃO DO BEM DESTINADO À RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA. I. A impenhorabilidade prevista na Lei n. 8.009/90 não se aplica ao imóvel cuja dívida exigida é originária de obrigações decorrentes do contrato de compra e venda do próprio bem destinado à residência da família, aplicando-se, neste caso, o disposto no art. 3.º, II, da referida lei. Precedentes. II. Agravo improvido. (AgRg no Ag 1254681/MS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 18/10/2010) 

Em sentido análogo: 

AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL E CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. DÍVIDA ORIUNDA DE NEGÓCIO ENVOLVENDO O PRÓPRIO IMÓVEL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, II, DA LEI N. 8.009/90. 1. A exceção prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/90 - possibilidade de se penhorar bem de família - deve ser estendida também aos casos em que o proprietário firma contrato de promessa de compra e venda do imóvel e, após receber parte do preço ajustado, se recusa a adimplir com as obrigações avençadas ou a restituir o numerário recebido, e não possui outro bem passível de assegurar o juízo da execução. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 806.099/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 14/03/2016) - grifo nosso 

PROCESSO CIVIL E CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. CARACTERIZAÇÃO. VALOR DO IMÓVEL. IRRELEVÂNCIA. PENHORABILIDADE. DÍVIDA ORIUNDA DE NEGÓCIO ENVOLVENDO O PRÓPRIO IMÓVEL. CABIMENTO. EXEGESE SISTEMÁTICA DA LEI Nº 8.009/90. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 1º E 3º, II, DA LEI Nº 8.009/90. (...) 5. A regra do art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90, se estende também aos casos em que o proprietário firma contrato de promessa de compra e venda do imóvel e, após receber parte do preço ajustado, se recusa a adimplir com as obrigações avençadas ou a restituir o numerário recebido, e não possui outro bem passível de assegurar o juízo da execução. 6. Recurso especial provido. (REsp 1440786/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 27/06/2014) - grifo nosso 

O caso ora em foco também não se amolda às hipóteses acima referidas que envolvem contratos de promessa ou compra e venda do próprio imóvel, pois aqui inexistiu a negociação do bem. 

Como cediço, a situação dos autos é efetivamente peculiar, pois o terreno sobre o qual foi ou seria erigido/construído o prédio residencial é de propriedade do contratante/dono do imóvel que se comprometeu, mediante contrato específico de empreitada global, a saldar a dívida contraída para a construção de sua moradia com recursos próprios, porém, mediante pagamento parcelado, tendo inadimplido a obrigação. 

Imprescindível mencionar que não há como precisar, nesse momento processual, se houve o cumprimento integral do contrato de empreitada com a entrega efetiva do ajustado entre as partes, tampouco se o pagamento ocorreria após a entrega da obra ou se haveria pagamento parcelado do débito durante o prazo da prestação do serviço. 

A despeito disso, o ponto nodal é que o executado realizou com a construtora uma operação de crédito concomitante ao ajuste atinente à edificação, e quedou-se inadimplente para com o pagamento da dívida contraída, essa vinculada especificamente à construção de sua própria moradia, a atrair, nesses termos, a exceção à regra da impenhorabilidade referida pelo inciso II do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, pois aqui, a execução é movida pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à edificação do próprio prédio, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. 

Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade parcelada. 

Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação extensiva das exceções legais descritas na norma, vez que há subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que, diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, não está adstrito a mútuos realizados por agente financeiro do SFH. 

Ressalte-se que, no caso, as instâncias precedentes realizaram exame cuidadoso da questão, afirmando tratar-se sim, de financiamento realizado para a edificação/aquisição do próprio bem, uma vez que "os valores para a construção do imóvel foram financiados pela exequente". (fls. 116) 

Ademais, esta Corte Superior já rechaçou a tese afeta à alegada impenhorabilidade do bem quando o devedor assume dívida voltada à aquisição/construção de imóvel residencial e se compromete a quitá-la com recursos próprios, pois ausente o pagamento à vista do compromisso assumido. 

Nesse sentido: 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA PARA AQUISIÇÃO DE TERRENO SOBRE O QUAL FOI CONSTRUÍDA CASA COM RECURSOS PRÓPRIOS. INADIMPLEMENTO DA DÍVIDA. PENHORA DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Aquele que contrai dívida para adquirir terreno sobre o qual edifica, com recursos próprios, sua moradia, não pode invocar a proteção do bem de família para impedir a penhora desse imóvel residencial em caso de inadimplemento da dívida. A exceção prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990 possibilita a penhora do bem de família para garantir a quitação da dívida contraída para sua aquisição. Assim, inviável sustentar a impenhorabilidade sob o fundamento de que a casa, especificamente falando, foi construída com recursos próprios. Se o mútuo viabilizou a construção do bem de família, não há como afirmar que ele não possa ser penhorado para pagamento dessa mesma dívida. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1448796/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 25/11/2016) 

Certamente, quando o legislador utilizou a palavra financiamento, não objetivou restringir a regra da impenhorabilidade somente às hipóteses nas quais a dívida assumida seria quitada com recursos de terceiros (agentes financiadores), mas sim que, quando o encargo financeiro anunciado - operação de crédito - fosse voltado à aquisição ou construção de imóvel residencial, ao credor seria salvaguardado o direito de proceder à penhora do bem. 

Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, haja vista que lhe bastaria assumir o compromisso de quitar a obrigação com recursos próprios para estar autorizado, nos termos da lei, a se locupletar ilicitamente. 

Assim, se o bem de família pode ser penhorado para garantir a quitação da dívida contraída para sua aquisição/contrução, não faz sentido afirmar que, no caso, isso não possa ocorrer apenas porque a acessão sobre o terreno seria quitada com recursos próprios. Ora, tendo o devedor contratado a empreitada na modalidade mista para a construção de sua residência e se incumbido de adimplir a obrigação de forma parcelada nas datas estabelecidas no contrato, consoante os títulos de crédito sacados (duplicatas), não há como afastar a conclusão segundo a qual a operação de crédito/financiamento viabilizou a construção do imóvel, motivo pelo qual não há como afastar a possibilidade de sua penhora. 

2. Do exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É como voto. 

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