Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf
COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS - É constitucional lei estadual que proibiu o corte de energia elétrica durante a pandemia da Covid-19
São constitucionais as normas estaduais, editadas em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, pelas quais veiculados a proibição de suspensão do fornecimento do serviço de energia elétrica, o modo de cobrança, a forma de pagamentos dos débitos e a exigibilidade de multa e juros moratórios. STF. Plenário. ADI 6432/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/4/2021 (Info 1012).
A situação concreta foi a seguinte:
Em Roraima, foi editada a Lei estadual nº 1.389/2020, que tratou sobre medidas de proteção à população roraimense durante a pandemia da Covid-19. Confira alguns dispositivos da Lei:
Art. 2º Ficam proibidas as concessionárias de serviços públicos essenciais de cortar o fornecimento residencial de seus serviços por falta de pagamento de suas respectivas contas, enquanto perdurar o estado de emergência decorrente de situações de extrema gravidade social, no âmbito do estado de Roraima.
§ 1º Entendem-se como serviços públicos essenciais, para efeito do disposto no caput deste artigo, o fornecimento de água, energia elétrica e tratamento de esgoto.
§ 2º Após o fim das restrições decorrentes do plano de contingência, as concessionárias de serviço público, antes de proceder à interrupção do serviço em razão da inadimplência anterior a março de 2020, deverão possibilitar o parcelamento do débito das faturas referentes ao período de contingência. (...)
Art. 3º Ao consumidor que tiver suspenso o fornecimento fica assegurado o direito de acionar juridicamente a empresa concessionária por perdas e danos, além de ficar desobrigado do pagamento do débito que originou o referido corte.
Art. 4º Fica estabelecido que, cessado o estado de emergência, o consumidor deverá procurar as respectivas concessionárias de serviços públicos de água e energia elétrica, a fim de quitar o débito que, por ventura, venha a existir.
Art. 5º Ficam suspensos a incidência de multas e juros por atraso de pagamento das faturas de serviços públicos concedidos enquanto perdurar o plano de contingência da Secretaria de Estado da Saúde.
Art. 6º O descumprimento ao disposto na presente Lei ensejará a aplicação de multas, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, pelos órgãos responsáveis pela fiscalização, em especial, o Programa de Proteção e Orientação ao Consumidor do Estado de Roraima (PROCON-RR).
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, com vigência enquanto perdurar o plano de contingência adotado pela Secretaria de Saúde do Estado de Roraima em decorrência da pandemia pelo coronavírus (COVID-19).
ADI
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee ajuizou ADI contra a Lei objetivando a declaração de inconstitucionalidade da expressão “energia elétrica”, prevista no § 1º do art. 2º e a interpretação conforme à Constituição do § 2º do art. 2º e dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º daquele diploma. O objetivo da associação era afastar qualquer interpretação que inclua o serviço de energia elétrica no regramento estabelecido pelo Estado de Roraima. A autora alegou que a União possui competência privativa para legislar sobre energia elétrica (art. 22, IV) e, portanto, os Estados não estão autorizados a tratar sobre o tema.
O STF concordou com os pedidos formulados pela autora? A lei foi declarada inconstitucional?
NÃO. O STF julgou improcedente o pedido formulado na ADI e declarou que são constitucionais as normas previstas no § 1º do art. 2º, no § 2º do art. 2º e nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Lei 1.389/2020 do estado de Roraima, na parte relacionada com os serviços de “energia elétrica”.
Inexistência de violação à competência privativa da União
Não há se falar em invasão da competência legislativa privativa da União para legislar sobre energia elétrica. Isso porque a lei estadual impugnada não atinge de forma direta a relação contratual estabelecida entre a concessionária e o Poder Público concedente, titular do serviço. A lei também não fere o núcleo de atuação das empresas voltadas à prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica, uma vez que não se constata que possa gerar desequilíbrio contratual ou afetar políticas tarifárias, especialmente porque as medidas impostas são excepcionais e transitórias, limitadas ao tempo da vigência do plano de contingência adotado pela Secretaria estadual de saúde em decorrência da pandemia de Covid-19.
Legislação está fundamentada na dignidade da pessoa humana e em outros direitos fundamentais
A não interrupção dos serviços públicos de energia elétrica relaciona-se à satisfação das necessidades básicas da população, pelo que a continuidade do serviço é considerada essencial para a adoção de medidas de contenção do novo coronavírus. O fornecimento de energia elétrica é direito fundamental relacionado à dignidade humana, ao direito à saúde, à moradia, à alimentação, à educação e à profissão, constituindo-se em serviço público essencial e universal, que deve estar disponível a todos os cidadãos, especialmente no complexo contexto pandêmico vivenciado.
Lei nº 14.015/2020
A lei do Estado de Roraima é de 07/05/2020. Em 15/06/2020, foi editada a Lei federal nº 14.015/2020, que tratou sobre a possibilidade de interrupção do serviço público em caso de inadimplemento do usuário, desde que ele seja previamente avisado. Veja um resumo dos principais pontos da Lei nº 14.015/2020:
• Em caso de inadimplemento, é possível a suspensão da prestação do serviço público, mesmo que se trate de serviço público essencial (ex: energia elétrica, água etc.);
• Essa suspensão/interrupção não viola o princípio da continuidade dos serviços públicos;
• Para que essa suspensão seja válida, contudo, é indispensável que o usuário seja previamente comunicado de que o serviço será desligado, devendo ser informado também do dia exato em que haverá o desligamento;
• O desligamento do serviço deverá ocorrer em dia útil, durante o horário comercial;
• É vedado que o desligamento ocorra em dia de feriado, véspera de feriado, sexta-feira, sábado ou domingo.
• Caso o consumidor queira regularizar a situação e pagar as contas em atraso, a concessionária poderá cobrar uma taxa de religação do serviço. Essa taxa de religação, contudo, não será devida se a concessionária cortou o serviço sem prévia notificação.
• Assim, se a concessionária não comunicou previamente o consumidor do corte ela estará sujeita a duas consequências:
a) terá que pagar multa;
b) não poderá cobrar taxa de religação na hipótese de o cliente regularizar o débito.
A superveniência da Lei federal nº 14.015/2020 teria prejudicado a eficácia ou validade da Lei do Estado de Roraima?
NÃO. Para o STF, a superveniência de Lei federal nº 14.015/2020, também editada em razão da pandemia de Covid-19, não afasta a competência estadual para disciplinar a matéria de proteção e defesa do consumidor de forma mais ampla do que a estabelecida pela legislação federal. Em outras palavras, o legislador estadual poderia ter ampliado a proteção dos consumidores.
Em suma: São constitucionais as normas estaduais, editadas em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, pelas quais veiculados a proibição de suspensão do fornecimento do serviço de energia elétrica, o modo de cobrança, a forma de pagamentos dos débitos e a exigibilidade de multa e juros moratórios. As normas objetivam regulamentar a relação entre o usuário do serviço e a empresa concessionária, tratando-se, portanto, essencialmente de normas sobre defesa e proteção dos direitos do consumidor e da saúde pública. STF. Plenário. ADI 6432/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/4/2021 (Info 1012).
Cuidado
Em situações “normais”, ou seja, em períodos sem pandemia, o entendimento do STF é outro: É inconstitucional lei estadual que proíbe que as empresas concessionárias ou permissionárias façam o corte do fornecimento de água, energia elétrica e dos serviços de telefonia, por falta de pagamento, em determinados dias (ex: sextas-feiras, vésperas de feriados etc.). STF. Plenário. ADI 3824/MS, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 02/10/2020