8 de junho de 2021

É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1015-stf-1.pdf


MINISTÉRIO PÚBLICO - É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário 

A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB ajuizou ADI contra o art. 2º e o art. 91, V, da Lei Complementar estadual nº 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro. O art. 2º prevê autonomia financeira ao MP. O art. 91, V, afirma que os membros do MP possuem direito à gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, verba a ser paga pelo TRE. A AMB possui pertinência temática para ajuizar ações que busquem o aperfeiçoamento e a defesa do funcionamento do próprio Poder Judiciário. Assim, o interesse dessa associação não se restringe às matérias de interesse corporativo. O art. 2º é constitucional. É constitucional dispositivo de lei estadual que prevê a autonomia financeira do Ministério Público. Fundamento: art. 127, § 1º e § 3º, da CF/88. O art. 91, V é inconstitucional. É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário. A previsão representa uma inadequada ingerência na autonomia financeira do Poder Judiciário. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

O caso concreto foi o seguinte:

 A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB ajuizou ADI contra o art. 2º e o art. 91, V, da Lei Complementar estadual nº 106/2003, oriunda do Estado do Rio de Janeiro. Confira a redação dos dispositivos impugnados: 

Art. 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira, cabendo-lhe, especialmente: (...) 

Art. 91. Além dos vencimentos, são asseguradas as seguintes vantagens aos membros do Ministério Público: (...) V - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao magistrado ante o qual oficiar e pagável com as dotações próprias do Tribunal Regional Eleitoral neste Estado; 

Antes de adentrar ao mérito do julgado, é importante indagar: a AMB possui legitimidade para propor essa ADI? 

SIM. A AMB é uma associação, de âmbito nacional, que tem como associados os magistrados estaduais, federais, trabalhistas e militares. Trata-se, portanto, de entidade de classe de âmbito nacional, nos termos do art. 103, IX, da CF/88: 

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 

Ainda sobre esse tema: a AMB é um legitimado universal ou precisa comprovar a pertinência temática? 

Precisa comprovar a pertinência temática. Explicando melhor. A jurisprudência do STF construiu a tese de que alguns dos legitimados do art. 103 da CF/88 poderiam ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade questionando leis ou atos normativos que tratassem sobre todo e qualquer assunto. Tais legitimados seriam, portanto, legitimados ativos universais. Por outro lado, o STF afirmou que os demais legitimados, ao proporem a ADI, deveriam comprovar que possuem legítimo interesse na ação. São, por isso, chamados de legitimados ativos especiais. Este legítimo interesse que precisa ser demonstrado é chamado de pertinência temática. 

Legitimados ativos da ADI e ADC 

UNIVERSAIS (NEUTROS) 

São aqueles que podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que versem sobre qualquer matéria, sem a necessidade de comprovar interesse específico no julgamento da ação. 

Quem são os legitimados universais: • Presidente da República; • Mesa do Senado e Mesa da Câmara; • Procurador-Geral da República; • Conselho Federal da OAB • Partido político com representação no CN


ESPECIAIS (NÃO UNIVERSAIS) 

São aqueles que somente podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que tratem sobre matérias que digam respeito às funções ou objetivos do órgão ou entidade. O autor especial terá que provar o seu interesse específico no julgamento daquela ação. Terá que ser provada a pertinência temática entre a norma impugnada e os objetivos do autor da ação. 

Quem são os legitimados especiais: • Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; • Governador de Estado/DF; • Confederação sindical; • Entidade de classe de âmbito nacional. 

A entidade de classe de âmbito nacional, por ser um legitimado especial, deverá provar que a legislação questionada guarda relação de pertinência temática com as finalidades institucionais dessa entidade (STF. Plenário. ADI 2903, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 01/12/2005). 

A pertinência temática da AMB para ajuizamento da ADI não se limita aos interesses corporativos dos magistrados 

O STF entende que: 

A AMB possui pertinência temática para ajuizar ações que busquem o aperfeiçoamento e a defesa do funcionamento do próprio Poder Judiciário. Assim, o interesse dessa associação não se restringe às matérias de interesse corporativo. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

Passemos ao mérito. O art. 2º da Lei, que assegura autonomia ao Ministério Público, é constitucional? SIM. 

É constitucional dispositivo de lei estadual que prevê a autonomia financeira do Ministério Público. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

A Constituição Federal, no art. 127, estabelece algumas prerrogativas institucionais ao Ministério Público: 

§1º: Princípios institucionais: Unidade, Indivisibilidade e Independência funcional 

§2º: Autonomia: Funcional Administrativa 

§3º: Orçamentária: Elaborar proposta orçamentária dentro dos limites na LDO 

O §2º, do art. 127, assegura ao Ministério Público a autonomia funcional e administrativa: 

Art. 127 (...) § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. 

Apesar do dispositivo não falar expressamente em autonomia financeira, esta também é assegurada ao Ministério Público? SIM. 

O STF entende que a autonomia financeira é assegurada ao Ministério Público pela Constituição Federal, com base nos seguintes dispositivos: 

• Art. 127, §3º, da CF: consagra a autonomia orçamentária do Ministério Público, ao prever a prerrogativa de elaboração da proposta orçamentária; 

• Art. 127, §1º, da CF: autonomia financeira é corolário da independência funcional; 

• Art. 99, §1º, CF: a autonomia financeira assegurada ao Poder Judiciário deve ser aplicada, sem qualquer distinção, ao Ministério Público. 

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. Art. 127 (...) § 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. (...) § 3º O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. 

Sobre o tema, veja: 

A falta da expressão “autonomia financeira” no art. 127, § 2º, da Constituição Federal não invalida a construção interpretativa de sua efetiva existência como garantia do livre exercício das funções institucionais do Ministério Público. Mesmo antes da Emenda Constitucional nº 19/98, o STF já consagrava a competência do Ministério Público para a fixação da política remuneratória de seus membros e dos serviços auxiliares. Precedentes. Constitucionalidade dos arts. 135, caput e I, e 136 da Constituição do Estado do Ceará. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018 (Info 907). 

Portanto, é constitucional a previsão em lei estadual da autonomia financeira do Ministério Público, já que encontra respaldo na própria Constituição Federal, de acordo com o posicionamento do STF. O tratamento é simétrico (semelhante) àquele conferido ao Poder Judiciário, sem qualquer distinção, no art. 99, § 1º da CF/88: 

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. (...) 

Não faria sentido reconhecer a autonomia financeira ao Poder Judiciário e negá-la ao Ministério Público. 

E o art. 91, V, da lei, também é constitucional? 

NÃO. O STF considerou que esse dispositivo viola a CF/88: 

É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

Relembrando a redação do dispositivo: 

Art. 91. Além dos vencimentos, são asseguradas as seguintes vantagens aos membros do Ministério Público: (...) V - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao magistrado ante o qual oficiar e pagável com as dotações próprias do Tribunal Regional Eleitoral neste Estado; 

Os Estados podem estabelecer, através de lei complementar, a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público. São as chamadas “Leis Orgânicas do Ministério Público”. A iniciativa legislativa é reservada ao respectivo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 128, §5º, da CF/88: 

Art. 128 (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (...) 

O julgado se refere exatamente a dispositivos da Lei Orgânica do Ministério Público do Rio de Janeiro (Lei Complementar Estadual 106/03). Observa-se que, no trâmite do processo legislativo desta lei complementar, não houve qualquer participação do Poder Judiciário, já que a iniciativa foi do chefe do Ministério Público (PGJ), seguindo para o Poder Legislativo (Assembleia Legislativa), e sendo sancionada pelo Poder Executivo (Governador). É impróprio que ato normativo, cujo processo legislativo foi deflagrado pelo Procurador-Geral de Justiça, imponha ao Poder Judiciário obrigação financeira, bem assim a realização de dotação orçamentária específica. O princípio da separação de Poderes não pode ser interpretado como absoluto, mas tampouco são adequadas medidas voltadas a moldar o campo de atuação de outro Poder, sobretudo quando ausente a oportunidade de participação na discussão e tomada de decisão. No caso, a obrigação imposta ao Judiciário no preceito em jogo decorre de diploma alusivo à atuação exclusiva do MP e concernente às respectivas finalidades institucionais. Descabe autorizar a inserção, nesse instrumento normativo, de preceito a criar obrigação e despesa a outro Poder. 

A inconstitucionalidade do dispositivo não é pela gratificação em sim, mas pelo fato de a lei representar uma ingerência na autonomia financeira do Poder Judiciário 

Vale ressaltar que a inconstitucionalidade do dispositivo não decorre do estabelecimento de gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral. Existe, inclusive, previsão dessa gratificação no art. 50, VI, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93): 

Art. 50. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas, a membro do Ministério Público, nos termos da lei, as seguintes vantagens: (...) VI - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao Magistrado ante o qual oficiar; 

O vício de inconstitucionalidade, neste caso, decorreu do fato de ter havido uma inadequada ingerência na autonomia financeira do Poder Judiciário 

Dispositivo 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido da ação direta, para declarar a constitucionalidade do art. 2º e a inconstitucionalidade do art. 91, V, ambos da Lei Complementar estadual nº 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro. Ficou vencido o Min. Marco Aurélio (relator) apenas no tocante à legitimidade da requerente. O Min. Marco Aurélio não reconhecia a legitimidade da AMB, mas ficou vencido


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