30 de abril de 2021

DIREITO PROCESSUAL PENAL / PROVAS: Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf


DIREITO PROCESSUAL PENAL / PROVAS: Descumprimento do art. 212 do CPP e eventual nulidade processual 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012). 

Art. 212 do CPP e Lei nº 11.690/2008 

O art. 212 do Código de Processo Penal dispõe sobre a forma de inquirição das testemunhas na audiência. Este dispositivo foi alterado no ano de 2008 e atualmente prevê: 

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Redação dada pela Lei nº 11.690/2008) 

Com a reforma do CPP, operada pela Lei nº 11.690/2008, a participação do juiz na inquirição das testemunhas foi reduzida ao mínimo possível. Desse modo, as perguntas agora são formuladas diretamente pelas partes (MP e defesa) às testemunhas (sistema de inquirição direta ou cross examination). 

Quem começa perguntando: quem arrolou 

Outra inovação trazida é pela Lei nº 11.690/2008: quem começa perguntando à testemunha é a parte que teve a iniciativa de arrolá-la. Ex: na denúncia, o MP arrolou duas testemunhas (Carlos e Fernando). A defesa, na resposta escrita, também arrolou uma testemunha (André). No momento da audiência de instrução, inicia-se ouvindo as testemunhas arroladas pelo MP (Carlos e Fernando). 

Quem primeiro fará perguntas a essas testemunhas? 

O Ministério Público. Quando o MP acabar de perguntar, a defesa terá direito de formular seus questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos. 

Depois de serem ouvidas todas as testemunhas de acusação, serão inquiridas as testemunhas de defesa (no exemplo dado, apenas André). Quem primeiro fará as perguntas a André? 

A defesa. Quando a defesa acabar de perguntar, o Ministério Público terá direito de formular questionamentos e, por fim, o juiz poderá complementar a inquirição, se houver pontos não esclarecidos. 

Como funciona(va) na prática a inquirição? 

Redação original do CPP 

As perguntas elaboradas pelas partes (MP e defesa) eram feitas à testemunha por intermédio do juiz. Era o chamado sistema presidencialista. Assim, pelo sistema antigo, o Promotor de Justiça falava: “Excelência, eu queria saber da testemunha se ela viu o réu matar a vítima”. O juiz então falava: “testemunha, você viu o réu matar a vítima?” Só quando o juiz reperguntava é que a testemunha podia responder o questionamento. Era um excesso de formalismo que em nada contribuía para a celeridade e simplicidade da instrução. 

Depois da Lei nº 11.690/2008 (atualmente) 

As perguntas são formuladas pelas partes diretamente à testemunha. É o chamado sistema da inquirição direta. O sistema de inquirição direta divide-se em: 

a) direct examination (quando a parte que arrolou a testemunha faz as perguntas) e 

b) cross examination (quando a parte contrária é quem formula as perguntas). Em provas, contudo, é comum vir a expressão cross examination como sinônima de inquirição direta. 

Ex: o Juiz passa a palavra ao promotor: “Dr., o senhor pode formular as perguntas diretamente à testemunha arrolada pela acusação.” Daí, então, o Promotor inicia as perguntas, dirigindo-se diretamente à testemunha: “Você viu o réu matar a vítima? O réu segurava um revólver? Qual era a cor de sua camisa?” 

O que o juiz fará? 

Em regra, o juiz deverá apenas ficar calado, ouvindo e valorando, em seu íntimo, as perguntas e as respostas. O juiz deverá, contudo, intervir e indeferir a pergunta formulada pela parte caso se verifique uma das seguintes situações: 

a) Quando a pergunta feita pela parte puder induzir a resposta da testemunha; 

b) Quando a pergunta não tiver relação com a causa; 

c) Quando a pergunta for a repetição de outra já respondida. 

Se ocorrer alguma dessas três situações, o juiz deverá indeferir a pergunta antes que a testemunha responda. 

Como funciona(va) na prática a ordem das perguntas? 

Redação original do CPP 

O juiz era quem começava perguntando para as testemunhas. A ordem de perguntas era a seguinte: 

1º) O juiz fazia todas as perguntas que queria; 

2º) A parte que arrolou a testemunha fazia outras perguntas; 

3º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha fazia outras perguntas. 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. O juiz começava perguntando. Quando acabava, a defesa fazia perguntas. Por fim, o MP formulava seus questionamentos. 


Depois da Lei nº 11.690/2008 (atualmente) 

As partes formulam as perguntas à testemunha antes do juiz, que é o último a inquirir. A ordem de perguntas é atualmente a seguinte: 

1º) A parte que arrolou a testemunha faz as perguntas que entender necessárias; 

2º) A parte contrária àquela que arrolou a testemunha faz outras perguntas; 

3º) O juiz, ao final, poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. 

Ex: Ivo foi arrolado como testemunha pela defesa. A defesa do réu começa perguntando. Quando acabar, o juiz passa a palavra ao MP, que irá formular as perguntas que entender necessárias. Por fim, o juiz poderá perguntar sobre algum ponto que não foi esclarecido. Vimos que o juiz é, portanto, o último a perguntar, fazendo-o apenas para complementar pontos não esclarecidos. 

O que acontece se o juiz não obedecer a esta regra? O que ocorre se o juiz iniciar as perguntas, inquirindo a testemunha antes das partes? 

Existem duas correntes sobre o tema: 

1ª corrente: se o juiz inicia as perguntas há inobservância do art. 212 do CPP, o que gera a nulidade do ato. É como se fosse uma nulidade absoluta: 

Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos. STF. 1ª Turma. HC 161658/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 (Info 980). STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 6/4/2021 (Info 1012). 

No caso concreto, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do CPP, por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque depois de perguntar, ela permitiu que os defensores e o MP fizessem questionamentos. A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), entendeu que houve nulidade. A alteração promovida pela Lei nº 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a aspectos não esclarecidos e relevantes. Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo porque compete às partes a comprovação do quanto alegado. 

2ª corrente: o fato de o juiz iniciar a inquirição das testemunhas pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. 

A inobservância do procedimento previsto no art. 212 do CPP pode gerar, quando muito, nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da demonstração do prejuízo para a parte que a suscita. A defesa trouxe argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo concretamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Nesse contexto, incide a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). STF. 1ª Turma. HC 177530 AgR, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/12/2019. 

Jurisprudência em Teses (Ed. 69) Tese 12: A inquirição das testemunhas pelo Juiz antes que seja oportunizada às partes a formulação das perguntas, com a inversão da ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, constitui nulidade relativa. 

Não é possível anular o processo, por ofensa ao art. 212 do Código de Processo Penal, quando não verificado prejuízo concreto advindo da forma como foi realizada a inquirição das testemunhas, sendo certo que, segundo entendimento consolidado neste Superior Tribunal, o simples advento de sentença condenatória não tem o condão, por si só, de cristalizar o prejuízo indispensável para o reconhecimento da nulidade. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1493757/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/04/2020. 

A inquirição das testemunhas pelo juiz antes que seja oportunizada a formulação das perguntas às partes, com a inversão da ordem prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, constitui nulidade relativa. Não havendo demonstração do prejuízo, nos termos exigidos pelo art. 563 do mesmo estatuto processual, não se procede à anulação do ato. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 578.934/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 02/06/2020. 

Assim, não deve ser acolhida a alegação de nulidade em razão da não observância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida pelo art. 212 do CPP, se a parte não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inversão da ordem de inquirição das testemunhas. A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade. 

Essa segunda corrente parece ser majoritária, tendo sido adotada em provas de concurso: 

 (Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) A formulação de perguntas pelo juiz com a inversão do rito previsto no art. 212 do CPP é causa de nulidade que independe da demonstração de prejuízo. (errado) 

 (Promotor MP/MS 2018) Na audiência de instrução e julgamento, porque iniciada a inquirição pelo próprio magistrado, em desobediência a ordem disposta no Código de Processo Penal, há nulidade relativa, devendo a parte interessada arguir a nulidade no próprio ato, sob pena de preclusão. (certo) 

 (Juiz de Direito TJ/RS 2012) Conforme determina o art. 212 do Código de Processo Penal, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha. Não observado esse sistema, impõe-se a declaração de nulidade, desde que demonstrado o prejuízo. (certo) 

 (Delegado PC/MA 2012 FGV) Desde a reforma do Código de Processo Penal realizada pela Lei 11.690 de 2008, as perguntas às testemunhas devem ser formuladas diretamente pelas partes. Contudo, de acordo com a jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores, se o magistrado iniciar as perguntas haverá apenas nulidade relativa. (certo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário