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19 de julho de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.868.072 - RS

RECURSO ESPECIAL Nº 1.868.072 - RS (2020/0068170-9) RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO RECORRENTE : CPX DISTRIBUIDORA S/A ADVOGADOS : NILTON ANDRÉ SALES VIEIRA - SC018660B LILIANE QUINTAS VIEIRA - SC031653 RECORRIDO : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADOR : PAULO ROBERTO BASSO - RS025762 EMENTA PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. RESULTADO NÃO UNÂNIME. AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA. I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que, em decisão por maioria em apelação, deixou de observar a técnica de ampliação do colegiado, que determina novo julgamento do recurso, prevista no art. 942 do CPC/2015, sob o fundamento de que o mandado de segurança permanece regulado por sua lei específica, nos termos do art. 1.046, § 2º, do CPC/2015. II - O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 942, institui a técnica de ampliação do colegiado, segundo a qual o julgamento não unânime da apelação terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para possibilitar a inversão do resultado inicial obtido. III - A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem por finalidade aprofundar as discussões relativas à controvérsia recursal, seja ela fática ou jurídica, sobre a qual houve dissidência. Cuida-se de técnica de julgamento, e não de modalidade de recursal, conforme depreende-se do rol de recursos enumerados no art. 994 do CPC/2015, razão pela qual a sua aplicação é automática, obrigatória e independente da provocação das partes. Precedentes: REsp n. 1.846.670/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; e REsp n. 1.762.236/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 15/3/2019. IV - O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao entrar em vigor, revogou o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), nos termos do art. 1.046, caput, do CPC/2015. Todavia, as disposições especiais dos procedimentos regulados por leis específicas permaneceram em vigor, mesmo após o advento do novel diploma legal, consoante o previsto no art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, de maneira que as disposições especiais pertinentes ao mandado de segurança seguem reguladas pela Lei n. 12.016/2009. Contudo, ao contrário do que ficou assentado no acórdão recorrido, a Lei n. 12.016/2009, responsável por disciplinar o mandado de segurança, não contém nenhuma disposição especial acerca da técnica de julgamento a ser adotada nos casos em que o resultado da apelação for não unânime. Enquanto o art. 14 da Lei n. 12.016/2009 se limita a preconizar que contra a sentença proferida em mandado de segurança cabe apelação, o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 veda a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em mandado de segurança. V - Embora a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, e os embargos infringentes, revogados junto com Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), possuam objetivos semelhantes, os referidos institutos não se confundem, sobretudo porque o primeiro compreende técnica de julgamento, já o segundo consistia em modalidade de recurso. Ademais: "(...) diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença" (REsp n. 179.8705/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019). VI - Conclui-se, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação que resultou não unânime interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. Precedente: REsp n. 1.817.633/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/9/2019, DJe 11/10/2019. VII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para anular o acórdão recorrido, bem como para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja convocada nova sessão destinada ao prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do disposto no art. 942 do CPC/2015. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). LILIANE QUINTAS VIEIRA, pela parte RECORRENTE: CPX DISTRIBUIDORA S/A Brasília (DF), 04 de maio de 2021(Data do Julgamento) MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.868.072 - RS (2020/0068170-9) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela pessoa jurídica CPX Distribuidora S/A, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal. Na origem, a pessoa jurídica ora recorrente impetrou um mandado de segurança em desfavor de autoridade reputada coatora vinculada ao Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o reconhecimento da ilegalidade do débito apurado no Auto de Lançamento n. 33634114, oriundo do inadimplemento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços arrecadado através do mecanismo de substituição tributária (ICMS-ST). Atribuiu-se à causa o valor de R$ 5.577.586,39 (cinco milhões, quinhentos e setenta e sete mil, quinhentos e oitenta e seis reais e trinta e nove centavos), em junho de 2017. A segurança pleiteada foi denegada, sendo que, contra a sentença denegatória proferida, a parte impetrante interpôs apelação. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria de votos, negou provimento à apelação, mantendo inalterada a sentença apelada. O acórdão prolatado foi assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTO DE LANÇAMENTO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. ESTABELECIMENTOS INTERDEPENDENTES. INEXISTÊNCIA DE EIVA NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. VOTO VENCIDO DO RELATOR. JULGAMENTO CONCLUÍDO POR NÃO SE APLICAR O ART. 942 AO MANDADO DE SEGURANÇA, CONFORME RESSALVA NO ART. 1.046, § 2º, AMBOS DO CPC. POR MAIORIA, APELAÇÃO DESPROVIDA. Os embargos de declaração opostos pela parte apelante contra o acórdão supramencionado não foram acolhidos. Contra a decisão cuja ementa encontra-se acima transcrita, a pessoa jurídica CPX Distribuidora S/A interpôs o presente recurso especial, no qual indica a ofensa ao art. 942 do CPC/2015. Sustenta, em resumo, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento não unânime de apelação interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. Assinala, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial quanto à interpretação do dispositivo legal federal reputado malferido. A parte recorrida apresentou contrarrazões pugnando pela negativa de conhecimento do recurso especial, ou ainda, pela negativa de provimento ao mesmo, com a consequente manutenção do acórdão recorrido. Na oportunidade, a parte recorrente argumentou que o reexame de fatos e provas não é admitido na via recursal eleita (Súmula n. 7/STJ), bem como que o recurso especial não se presta à análise da legislação local (Súmula n. 280/STF). O recurso especial foi admitido no Tribunal de origem (fls. 187-194). É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.868.072 - RS (2020/0068170-9) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator): Inicialmente cumpre registrar que a controvérsia recursal versa sobre matéria eminentemente jurídica, razão pela qual a sua análise prescinde do revolvimento do conjunto de fatos e provas acostado aos autos, o que afasta a incidência, sobre a hipótese em tela, do óbice ao conhecimento do recurso especial constante do enunciado da Súmula n. 07 do STJ. Ademais, a apreciação da questão controvertida prescinde do exame de lei local, limitando-se à análise da legislação infraconstitucional federal, motivo pelo qual fica afastada a incidência, por analogia, do óbice ao conhecimento recursal constante do enunciado da Súmula n. 280 do STF, sobre o caso em espeque. No tocante à suposta ofensa ao art. 942 do CPC/2015, assiste razão à parte recorrente. A análise dos autos revela que, embora a apelação interposta contra a sentença proferida na ação mandamental tenha sido desprovida por maioria de votos, ou seja, em julgamento não unânime, o Tribunal de origem deixou de aplicar, ao caso em tela, a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, sob o fundamento de que o mandado de segurança permaneceu regulado por sua lei específica, nos termos do art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, responsável por disciplinar a matéria de modo próprio e diverso. O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 942, institui a técnica de ampliação do colegiado, segundo a qual o julgamento não unânime da apelação terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para possibilitar a inversão do resultado inicial obtido. Estabelece o art. 942 do CPC/2015 que in verbis: Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurando às partes e a eventuais terceiro do direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem por finalidade aprofundar as discussões relativas à controvérsia recursal, seja ela fática ou jurídica, sobre a qual houve dissidência nos votos que ensejaram o resultado não unânime da apelação. Cuida-se de técnica de julgamento, e não de modalidade recursal, conforme depreende-se do rol de recursos enumerados no art. 994 do CPC/2015, razão pela qual a sua aplicação é automática, obrigatória e independente da provocação das partes (se dá de ofício). Acerca do assunto, destaco os seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL. ART. 942, CAPUT, DO CPC. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME DE APELAÇÃO POSTERIOR À VIGÊNCIA DO CPC/2015. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. 1. Conforme entendimento do STJ, o art. 942 do CPC/2015 não estabelece nova espécie recursal, mas técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência. 2. Com efeito, o STJ tem entendido que "diante da natureza jurídica sui generis da técnica de ampliação do colegiado, o marco temporal para aferir a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 deve ser a data da proclamação do resultado não unânime da apelação" (REsp 1762236/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Rel. p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, terceira turma, DJe 15/03/2019). No mesmo sentido: REsp 1798705/SC, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 28/10/2019; AgInt no AREsp 1309402/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 23/05/2019). 3. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.846.670/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019.) RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ART. 942, CAPUT, DO CPC/2015. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. APELAÇÃO. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. NATUREZA JURÍDICA. INCIDÊNCIA. MARCO TEMPORAL. ABRANGÊNCIA. NULIDADE. CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a aferir (i) qual o diploma adjetivo regulador do julgamento colegiado que se iniciou sob a vigência do CPC/1973, mas se encerrou na vigência do CPC/2015; (ii) sucessivamente, entendendo-se pela aplicação do CPC/2015, se era cabível a aplicação da sistemática do julgamento ampliado na hipótese em que a sentença é mantida por acórdão não unânime; e, no mérito, (iii) se há violação do direito exclusivo de exploração da marca validamente registrada "Empório Santa Maria" em virtude da utilização, como título de estabelecimento, do termo "Casa Santa Maria". 3. Nos termos do art. 942, caput, do CPC/2015, quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada, com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. 4. O art. 942 do CPC/2015 não estabelece uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência. 5. O art. 942 do CPC/2015 possui contornos excepcionais e enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, cuja aplicabilidade só se manifesta de forma concreta no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime, porém anterior ao ato processual formal subsequente, qual seja a publicação do acórdão. 6. Diante da natureza jurídica sui generis da técnica de ampliação do colegiado, o marco temporal para aferir a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 deve ser a data da proclamação do resultado não unânime da apelação, em respeito à segurança jurídica, à coerência e à isonomia. 7. Na hipótese em que a conclusão do julgamento não unânime da apelação tenha ocorrido antes de 18/3/2016, mas o respectivo acórdão foi publicado após essa data, haverá excepcional ultratividade do CPC/1973, devendo ser concedida à parte a possibilidade de interposição de embargos infringentes, atendidos todos os demais requisitos cabíveis. Precedente da Terceira Turma. 8. Na hipótese de proclamação do resultado do julgamento não unânime ocorrer a partir de 18/3/2016, deve ser observado o disposto no art. 942 do CPC/2015. 9. A incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 não se restringe aos casos de reforma da sentença de mérito, tendo em vista a literalidade da disposição legal, que não estabelece nenhuma restrição semelhante ao regime dos extintos embargos infringentes. 10. A redação do caput do art. 942 do CPC/2015, que dispõe acerca da apelação, é distinta do § 3º, que regulamenta a incidência da técnica nos julgamentos não unânimes de ação rescisória e agravo de instrumento, para os quais houve expressa limitação aos casos de rescisão ou modificação da decisão parcial de mérito. 11. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões. (REsp n. 1.762.236/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 15/3/2019.) O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao entrar em vigor, revogou o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), nos termos do art. 1.046, caput, do CPC/2015. Todavia, as disposições especiais dos procedimentos regulados por leis específicas permaneceram em vigor, mesmo após o advento do novel diploma legal, consoante o previsto no art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, de maneira que as disposições especiais pertinentes ao mandado de segurança seguem reguladas pela Lei n. 12.016/2009. Estabelece o art. 1.046, caput e § 2º, do CPC/2015 que in verbis: Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. (...) § 2º Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código. Contudo, ao contrário do que ficou assentado no acórdão recorrido, a Lei n. 12.016/2009, responsável por disciplinar o mandado de segurança, não contém nenhuma disposição especial acerca da técnica de julgamento a ser adotada nos casos em que o resultado da apelação for não unânime. Enquanto o art. 14 da Lei n. 12.016/2009 se limita a preconizar que contra a sentença proferida em mandado de segurança cabe apelação, o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 veda a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em mandado de segurança. Estabelecem respectivamente os arts. 14 e 25, ambos da Lei n. 12.016/2009, que in verbis: Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. (...) Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. Embora a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, e os embargos infringentes, revogados junto com Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), possuam objetivos semelhantes, os referidos institutos não se confundem, sobretudo porque o primeiro compreende técnica de julgamento, já o segundo consistia em modalidade de recurso. Ademais: "(...) diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença" (REsp n. 179.8705/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019). Conclui-se, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação que resultou não unânime interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. Nesse mesmo sentido, destaco o precedente que segue: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. ACÓRDÃO NÃO UNÂNIME. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. A técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 também tem aplicação para julgamento não unânime de apelação interposta em sede de mandado de segurança. 3. Hipótese em que o julgamento da apelação foi iniciado na sessão de 11/04/2018, com a apresentação de voto divergente pela manutenção da sentença, o que impõe a sua continuidade, com a extensão do colegiado. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.817.633/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/9/2019, DJe 11/10/2019.) Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dou-lhe provimento para anular o acórdão recorrido, bem como para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja convocada nova sessão destinada ao prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do disposto no art. 942 do CPC/2015. Outrossim, diante deste provimento preambular, reputo prejudicado o recurso especial quanto à parcela recursal lastreada no art. 105, III, c, da Constituição Federal. É o voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2020/0068170-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.868.072 / RS Números Origem: 00248501620208217000 00452923720198217000 02192185920198217000 02856332420198217000 2192185920198217000 248501620208217000 2856332420198217000 452923720198217000 70080733835 70082473091 70083137240 70083864918 90268204520178210001 PAUTA: 04/05/2021 JULGADO: 04/05/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA Secretária Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES AUTUAÇÃO RECORRENTE : CPX DISTRIBUIDORA S/A ADVOGADOS : NILTON ANDRÉ SALES VIEIRA - SC018660B LILIANE QUINTAS VIEIRA - SC031653 RECORRIDO : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROCURADOR : PAULO ROBERTO BASSO - RS025762 ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Obrigação Tributária - Responsabilidade tributária - Substituição Tributária SUSTENTAÇÃO ORAL Dr(a). LILIANE QUINTAS VIEIRA, pela parte RECORRENTE: CPX DISTRIBUIDORA S/A CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

24 de junho de 2021

Não cabe mandado de segurança contra atos de gestão comercial praticados por administradores de empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviço público (Lei 12.016/2019, art. 1º, § 2º)

 DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA

 

Cabimento de mandado de segurança e poder geral de cautela do magistrado - ADI 4296/DF 

 

Resumo:

Não cabe mandado de segurança contra atos de gestão comercial praticados por administradores de empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviço público (Lei 12.016/2019, art. 1º, § 2º) (1).

O ajuizamento do mandado de segurança é cabível apenas contra atos praticados no desempenho de atribuições do Poder Público [Constituição Federal (CF) art. 5º, LXIX] (2). Atos de gestão comercial são atos estranhos à ideia da delegação do serviço público em si. Esses atos se destinam à satisfação de interesses privados na exploração de atividade econômica, submetendo-se a regime jurídico próprio das empresas privadas.

O juiz tem a faculdade de exigir caução, fiança ou depósito para o deferimento de medida liminar em mandado de segurança, quando verificada a real necessidade da garantia em juízo, de acordo com as circunstâncias do caso concreto (Lei 12.016/2019, art. 7º, III) (3).

No exercício do seu poder geral de cautela, o magistrado pode analisar se determinado caso específico exige caução, fiança ou depósito. No art. 7º, III, da Lei 12.016/2019 há previsão de mera faculdade, que pode ser exercida se o magistrado entender ser necessária para assegurar o ressarcimento a pessoa jurídica. Não se trata de um obstáculo ao poder geral de cautela, mas uma faculdade que vai ao encontro do art. 300, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC) (4).

É inconstitucional ato normativo que vede ou condicione a concessão de medida liminar na via mandamental.

Impedir ou condicionar a concessão de medida liminar caracteriza verdadeiro obstáculo à efetiva prestação jurisdicional e à defesa do direito líquido e certo do impetrante (5).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria julgou parcialmente procedente ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º, e do art. 22, § 2º, da Lei 12.016/2009 (6), vencidos parcialmente os ministros Marco Aurélio, Nunes Marques, Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux.

(1) Lei 12.016/2009: “Art. 1º (...) § 2º Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.”

(2) CF/1988: “Art. 5º (...) LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas-corpus ou ‘habeas-data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”

(3) Lei 12.016/2009: “Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (...) III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.”

(4) CPC/2015: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. §1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.”

(5) Precedente citado: ADI 975/DF MC, relator Min. Carlos Velloso (DJ de 20.6.1997).

(6) Lei 12.016/2009: “Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (...) § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. (...) Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. (...) § 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

ADI 4296/DF, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 9.6.2021

A matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais.

Processo

AREsp 1.273.046-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

Compensação ou restituição de indébitos. Relação jurídico-tributária de filial. Matriz. Legitimidade ativa.

 

Destaque

A matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais.

Informações do Inteiro Teor

Na origem, trata-se de mandado de segurança, objetivando que a autoridade impetrada se abstivesse de cobrar a Contribuição para o Seguro Acidente de Trabalho (SAT) com base em alíquota apurada de acordo com a atividade preponderante da empresa como um todo e permitisse o recolhimento dessa contribuição com base em alíquotas aferidas de acordo com a atividade preponderante em cada estabelecimento.

No caso, o Tribunal a quo estabeleceu que a matriz e cada filial deveriam, individualmente, buscar o Poder Judiciário, com vistas a obter declaração do direito de se enquadrar em alíquota diversa da que vinha lhe sendo atribuída.

A sucursal, a filial e a agência não têm um registro próprio, autônomo, pois a pessoa jurídica como um todo é que possui personalidade, sendo ela sujeito de direitos e obrigações, assumindo com todo o seu patrimônio a correspondente responsabilidade

As filiais são estabelecimentos secundários da mesma pessoa jurídica, desprovidas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, apesar de poderem possuir domicílios em lugares diferentes (art. 75, § 1º, do CC) e inscrições distintas no CNPJ.

O fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz.

Os valores a receber provenientes de pagamentos indevidos a título de tributos pertencem à sociedade como um todo, de modo que a matriz pode discutir relação jurídico-tributária, pleitear restituição ou compensação relativamente a indébitos de suas filiais.


11 de maio de 2021

MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. RESULTADO NÃO UNÂNIME. AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.868.072 - RS (2020/0068170-9) 

RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO 

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. RESULTADO NÃO UNÂNIME. AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA. 

I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que, em decisão por maioria em apelação, deixou de observar a técnica de ampliação do colegiado, que determina novo julgamento do recurso, prevista no art. 942 do CPC/2015, sob o fundamento de que o mandado de segurança permanece regulado por sua lei específica, nos termos do art. 1.046, § 2º, do CPC/2015. 

II - O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 942, institui a técnica de ampliação do colegiado, segundo a qual o julgamento não unânime da apelação terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para possibilitar a inversão do resultado inicial obtido. 

III - A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem por finalidade aprofundar as discussões relativas à controvérsia recursal, seja ela fática ou jurídica, sobre a qual houve dissidência. Cuida-se de técnica de julgamento, e não de modalidade de recursal, conforme depreende-se do rol de recursos enumerados no art. 994 do CPC/2015, razão pela qual a sua aplicação é automática, obrigatória e independente da provocação das partes. Precedentes: REsp n. 1.846.670/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; e REsp n. 1.762.236/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 15/3/2019. 

IV - O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao entrar em vigor, revogou o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), nos termos do art. 1.046, caput, do CPC/2015. Todavia, as disposições especiais dos procedimentos regulados por leis específicas permaneceram em vigor, mesmo após o advento do novel diploma legal, consoante o previsto no art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, de maneira que as disposições especiais pertinentes ao mandado de segurança seguem reguladas pela Lei n. 12.016/2009. Contudo, ao contrário do que ficou assentado no acórdão recorrido, a Lei n. 12.016/2009, responsável por disciplinar o mandado de segurança, não contém nenhuma disposição especial acerca da técnica de julgamento a ser adotada nos casos em que o resultado da apelação for não unânime. Enquanto o art. 14 da Lei n. 12.016/2009 se limita a preconizar que contra a sentença proferida em mandado de segurança cabe apelação, o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 veda a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em mandado de segurança. 

V - Embora a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, e os embargos infringentes, revogados junto com Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), possuam objetivos semelhantes, os referidos institutos não se confundem, sobretudo porque o primeiro compreende técnica de julgamento, já o segundo consistia em modalidade de recurso. Ademais: "(...) diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença" (REsp n. 179.8705/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019). 

VI - Conclui-se, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação que resultou não unânime interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. Precedente: REsp n. 1.817.633/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/9/2019, DJe 11/10/2019. 

VII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para anular o acórdão recorrido, bem como para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja convocada nova sessão destinada ao prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do disposto no art. 942 do CPC/2015. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). LILIANE QUINTAS VIEIRA, pela parte RECORRENTE: CPX DISTRIBUIDORA S/A 

Brasília (DF), 04 de maio de 2021(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela pessoa jurídica CPX Distribuidora S/A, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal. 

Na origem, a pessoa jurídica ora recorrente impetrou um mandado de segurança em desfavor de autoridade reputada coatora vinculada ao Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o reconhecimento da ilegalidade do débito apurado no Auto de Lançamento n. 33634114, oriundo do inadimplemento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços arrecadado através do mecanismo de substituição tributária (ICMS-ST). 

Atribuiu-se à causa o valor de R$ 5.577.586,39 (cinco milhões, quinhentos e setenta e sete mil, quinhentos e oitenta e seis reais e trinta e nove centavos), em junho de 2017. 

A segurança pleiteada foi denegada, sendo que, contra a sentença denegatória proferida, a parte impetrante interpôs apelação. 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria de votos, negou provimento à apelação, mantendo inalterada a sentença apelada. O acórdão prolatado foi assim ementado: 

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTO DE LANÇAMENTO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. ESTABELECIMENTOS INTERDEPENDENTES. INEXISTÊNCIA DE EIVA NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. VOTO VENCIDO DO RELATOR. JULGAMENTO CONCLUÍDO POR NÃO SE APLICAR O ART. 942 AO MANDADO DE SEGURANÇA, CONFORME RESSALVA NO ART. 1.046, § 2º, AMBOS DO CPC. POR MAIORIA, APELAÇÃO DESPROVIDA. 

Os embargos de declaração opostos pela parte apelante contra o acórdão supramencionado não foram acolhidos. 

Contra a decisão cuja ementa encontra-se acima transcrita, a pessoa jurídica CPX Distribuidora S/A interpôs o presente recurso especial, no qual indica a ofensa ao art. 942 do CPC/2015. 

Sustenta, em resumo, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento não unânime de apelação interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. 

Assinala, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial quanto à interpretação do dispositivo legal federal reputado malferido. 

A parte recorrida apresentou contrarrazões pugnando pela negativa de conhecimento do recurso especial, ou ainda, pela negativa de provimento ao mesmo, com a consequente manutenção do acórdão recorrido. Na oportunidade, a parte recorrente argumentou que o reexame de fatos e provas não é admitido na via recursal eleita (Súmula n. 7/STJ), bem como que o recurso especial não se presta à análise da legislação local (Súmula n. 280/STF). 

O recurso especial foi admitido no Tribunal de origem (fls. 187-194). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator): Inicialmente cumpre registrar que a controvérsia recursal versa sobre matéria eminentemente jurídica, razão pela qual a sua análise prescinde do revolvimento do conjunto de fatos e provas acostado aos autos, o que afasta a incidência, sobre a hipótese em tela, do óbice ao conhecimento do recurso especial constante do enunciado da Súmula n. 07 do STJ. 

Ademais, a apreciação da questão controvertida prescinde do exame de lei local, limitando-se à análise da legislação infraconstitucional federal, motivo pelo qual fica afastada a incidência, por analogia, do óbice ao conhecimento recursal constante do enunciado da Súmula n. 280 do STF, sobre o caso em espeque. 

No tocante à suposta ofensa ao art. 942 do CPC/2015, assiste razão à parte recorrente. 

A análise dos autos revela que, embora a apelação interposta contra a sentença proferida na ação mandamental tenha sido desprovida por maioria de votos, ou seja, em julgamento não unânime, o Tribunal de origem deixou de aplicar, ao caso em tela, a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015, sob o fundamento de que o mandado de segurança permaneceu regulado por sua lei específica, nos termos do art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, responsável por disciplinar a matéria de modo próprio e diverso. 

O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 942, institui a técnica de ampliação do colegiado, segundo a qual o julgamento não unânime da apelação terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, convocados em número suficiente para possibilitar a inversão do resultado inicial obtido. Estabelece o art. 942 do CPC/2015 que in verbis: 

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurando às partes e a eventuais terceiro do direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. 

A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, tem por finalidade aprofundar as discussões relativas à controvérsia recursal, seja ela fática ou jurídica, sobre a qual houve dissidência nos votos que ensejaram o resultado não unânime da apelação. Cuida-se de técnica de julgamento, e não de modalidade recursal, conforme depreende-se do rol de recursos enumerados no art. 994 do CPC/2015, razão pela qual a sua aplicação é automática, obrigatória e independente da provocação das partes (se dá de ofício). 

Acerca do assunto, destaco os seguintes precedentes: 

PROCESSUAL CIVIL. ART. 942, CAPUT, DO CPC. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME DE APELAÇÃO POSTERIOR À VIGÊNCIA DO CPC/2015. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. 1. Conforme entendimento do STJ, o art. 942 do CPC/2015 não estabelece nova espécie recursal, mas técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência. 2. Com efeito, o STJ tem entendido que "diante da natureza jurídica sui generis da técnica de ampliação do colegiado, o marco temporal para aferir a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 deve ser a data da proclamação do resultado não unânime da apelação" (REsp 1762236/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Rel. p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, terceira turma, DJe 15/03/2019). No mesmo sentido: REsp 1798705/SC, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 28/10/2019; AgInt no AREsp 1309402/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 23/05/2019). 3. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.846.670/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019.) 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ART. 942, CAPUT, DO CPC/2015. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. APELAÇÃO. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. NATUREZA JURÍDICA. INCIDÊNCIA. MARCO TEMPORAL. ABRANGÊNCIA. NULIDADE. CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a aferir (i) qual o diploma adjetivo regulador do julgamento colegiado que se iniciou sob a vigência do CPC/1973, mas se encerrou na vigência do CPC/2015; (ii) sucessivamente, entendendo-se pela aplicação do CPC/2015, se era cabível a aplicação da sistemática do julgamento ampliado na hipótese em que a sentença é mantida por acórdão não unânime; e, no mérito, (iii) se há violação do direito exclusivo de exploração da marca validamente registrada "Empório Santa Maria" em virtude da utilização, como título de estabelecimento, do termo "Casa Santa Maria". 3. Nos termos do art. 942, caput, do CPC/2015, quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada, com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. 4. O art. 942 do CPC/2015 não estabelece uma nova espécie recursal, mas, sim, uma técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência. 5. O art. 942 do CPC/2015 possui contornos excepcionais e enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo órgão julgador, cuja aplicabilidade só se manifesta de forma concreta no momento imediatamente posterior à colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime, porém anterior ao ato processual formal subsequente, qual seja a publicação do acórdão. 6. Diante da natureza jurídica sui generis da técnica de ampliação do colegiado, o marco temporal para aferir a incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 deve ser a data da proclamação do resultado não unânime da apelação, em respeito à segurança jurídica, à coerência e à isonomia. 7. Na hipótese em que a conclusão do julgamento não unânime da apelação tenha ocorrido antes de 18/3/2016, mas o respectivo acórdão foi publicado após essa data, haverá excepcional ultratividade do CPC/1973, devendo ser concedida à parte a possibilidade de interposição de embargos infringentes, atendidos todos os demais requisitos cabíveis. Precedente da Terceira Turma. 8. Na hipótese de proclamação do resultado do julgamento não unânime ocorrer a partir de 18/3/2016, deve ser observado o disposto no art. 942 do CPC/2015. 9. A incidência do art. 942, caput, do CPC/2015 não se restringe aos casos de reforma da sentença de mérito, tendo em vista a literalidade da disposição legal, que não estabelece nenhuma restrição semelhante ao regime dos extintos embargos infringentes. 10. A redação do caput do art. 942 do CPC/2015, que dispõe acerca da apelação, é distinta do § 3º, que regulamenta a incidência da técnica nos julgamentos não unânimes de ação rescisória e agravo de instrumento, para os quais houve expressa limitação aos casos de rescisão ou modificação da decisão parcial de mérito. 11. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões. (REsp n. 1.762.236/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 15/3/2019.) 

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ao entrar em vigor, revogou o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), nos termos do art. 1.046, caput, do CPC/2015. Todavia, as disposições especiais dos procedimentos regulados por leis específicas permaneceram em vigor, mesmo após o advento do novel diploma legal, consoante o previsto no art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, de maneira que as disposições especiais pertinentes ao mandado de segurança seguem reguladas pela Lei n. 12.016/2009. Estabelece o art. 1.046, caput e § 2º, do CPC/2015 que in verbis: 

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. (...) 

§ 2º Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código. 

Contudo, ao contrário do que ficou assentado no acórdão recorrido, a Lei n. 12.016/2009, responsável por disciplinar o mandado de segurança, não contém nenhuma disposição especial acerca da técnica de julgamento a ser adotada nos casos em que o resultado da apelação for não unânime. Enquanto o art. 14 da Lei n. 12.016/2009 se limita a preconizar que contra a sentença proferida em mandado de segurança cabe apelação, o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 veda a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em mandado de segurança. Estabelecem respectivamente os arts. 14 e 25, ambos da Lei n. 12.016/2009, que in verbis: 

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. (...) 

Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé. 

Embora a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, e os embargos infringentes, revogados junto com Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), possuam objetivos semelhantes, os referidos institutos não se confundem, sobretudo porque o primeiro compreende técnica de julgamento, já o segundo consistia em modalidade de recurso. Ademais: "(...) diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença" (REsp n. 179.8705/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019). 

Conclui-se, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação que resultou não unânime interposta contra sentença proferida em mandado de segurança. 

Nesse mesmo sentido, destaco o precedente que segue: 

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA, APELAÇÃO. ACÓRDÃO NÃO UNÂNIME. ART. 942 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3). 2. A técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942 do CPC/2015 também tem aplicação para julgamento não unânime de apelação interposta em sede de mandado de segurança. 3. Hipótese em que o julgamento da apelação foi iniciado na sessão de 11/04/2018, com a apresentação de voto divergente pela manutenção da sentença, o que impõe a sua continuidade, com a extensão do colegiado. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.817.633/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/9/2019, DJe 11/10/2019.) 

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dou-lhe provimento para anular o acórdão recorrido, bem como para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que seja convocada nova sessão destinada ao prosseguimento do julgamento da apelação, nos moldes do disposto no art. 942 do CPC/2015. Outrossim, diante deste provimento preambular, reputo prejudicado o recurso especial quanto à parcela recursal lastreada no art. 105, III, c, da Constituição Federal.

 É o voto. 

A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação interposta contra sentença proferida em mandado de segurança.

 REsp 1.868.072-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Mandado de Segurança. Apelação. Resultado não unânime. Amplicação do colegiado. Art. 942 do CPC/2015. Incidência.


A técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação interposta contra sentença proferida em mandado de segurança.


O Código de Processo Civil de 2015, ao entrar em vigor, revogou o Código de Processo Civil de 1973, nos termos do art. 1.046, caput, do CPC/2015. Todavia, as disposições especiais dos procedimentos regulados por leis específicas permaneceram em vigor, mesmo após o advento do novel diploma legal, consoante o previsto no art. 1.046, § 2º, do CPC/2015, de maneira que as disposições especiais pertinentes ao mandado de segurança seguem reguladas pela Lei n. 12.016/2009. Contudo, a Lei n. 12.016/2009 não contém nenhuma disposição especial acerca da técnica de julgamento a ser adotada nos casos em que o resultado da apelação for não unânime. Enquanto o art. 14 da Lei n. 12.016/2009 se limita a preconizar que contra a sentença proferida em mandado de segurança cabe apelação, o art. 25 da Lei n. 12.016/2009 veda a interposição de embargos infringentes contra decisão proferida em mandado de segurança.

Embora a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, e os embargos infringentes, revogados junto com Código de Processo Civil de 1973, possuam objetivos semelhantes, os referidos institutos não se confundem, sobretudo porque o primeiro compreende técnica de julgamento, já o segundo consistia em modalidade de recurso. Ademais: "(...) diferentemente dos embargos infringentes regulados pelo CPC/73, a nova técnica de ampliação do colegiado é de observância automática e obrigatória sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença" (REsp n. 179.8705/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019).

Conclui-se, portanto, que a técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC/2015, aplica-se também ao julgamento de apelação que resultou não unânime interposta contra sentença proferida em mandado de segurança.

9 de maio de 2021

RMS 63.202-MG: DO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.

DO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. 

01) Inicialmente, é preciso reconhecer desde logo o acerto da premissa contida no voto do e. Relator, no sentido de que será mesmo inócuo e inútil impugnar, apenas em apelação ou em contrarrazões, a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes. 

02) De fato, de nada adiantará, do ponto de vista prático, uma eventual impugnação diferida sobre um ato processual que se pretende seja praticado no início do processo, especialmente porque diante da irreversibilidade dos efeitos que serão produzidos com a referida decisão e dos danos alegadamente sofridos pelas partes. 

03) A despeito de concordar integralmente com o e. Relator acerca da necessidade de impugnação imediata de decisão interlocutória desse teor, dele divirjo, respeitosamente, acerca da via impugnativa adequada para essa finalidade. 

04) Com efeito, embora reconheça que a tese firmada por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, segundo a qual "o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação", tenha sido fixada justamente para situações como a versada neste recurso, e que a tese jurídica da taxatividade mitigada seria aplicável apenas às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão (ocorrida no DJe de 19/12/2018), apresenta o e. Relator dois fundamentos para justificar a admissibilidade do mandado de segurança na hipótese. 

05) O primeiro fundamento apresentado pelo e. Relator está no fato de que, na hipótese, houve uma primeira decisão, proferida em 15/10/2018 (previamente à tese fixada pela Corte Especial), por meio da qual o magistrado, ao admitir a petição inicial, deixou de designar a audiência de conciliação e determinou fosse o réu citado para contestar (fls. 84/85, e-STJ) e uma segunda decisão, proferida em 07/02/2019 (posteriormente à tese fixada pela Corte Especial), por meio da qual o magistrado, instado a se pronunciar sobre a questão mediante requerimento do réu-recorrente, indeferiu o pedido de designação da audiência. 

06) Diante desse cenário, entende S. Exa. que "a decisão que subverteu o procedimento legal estabelecido no CPC/2015 deu-se em momento anterior à publicação do aludido acórdão repetitivo, enquanto que a decisão que indeferiu o pedido de designação da audiência de conciliação e mediação deu-se em momento posterior", razão pela qual "essa situação limítrofe já seria suficiente, em minha compreensão, para se admitir a impetração do mandado de segurança, tal como aqui manejado". 

07) Ocorre que, data maxima venia, não se está diante de alguma espécie de decisão temporalmente complexa, no sentido de que a segunda seria apenas uma complementação ou integração da primeira, caso em que se poderia, em tese, admitir a existência de ilegalidade ou teratologia contínua. 

08) Em verdade, houve, na hipótese, duas decisões bem definidas e distintas no aspecto temporal. A primeira, recebeu a petição inicial do autor e modificou o procedimento; a segunda, recebeu o requerimento formulado pelo réu, que inclusive é quem se insurge contra ela, e indeferiu o pedido de designação. 

09) Além disso, não se pode olvidar que o conteúdo das decisões é igualmente distinto, na medida em que a questão relacionada à impossibilidade de designação da audiência sob o fundamento de dificuldade de pauta (inviabilidade estrutural) somente surgiu com a segunda decisão, eis que, na primeira, o único fundamento adotado para deixar de designá-la foi a existência de especificidades da causa que justificariam a necessidade de adequação procedimental (inviabilidade processual). 

10) Assim, conclui-se que é objeto autônomo da impetração a decisão judicial que, a requerimento do réu-recorrente, indeferiu o pedido de designação da audiência prevista no art. 334, caput, do CPC, ao fundamento de dificuldade de pauta, proferida em 07/02/2019, após a publicação do acórdão que fixou a tese da taxatividade mitigada (ocorrida em 19/12/2018), por meio do qual ficou expressamente definido que a excepcional impugnação das interlocutórias não textualmente contidas no rol do art. 1.015 do CPC se dá pela via do agravo de instrumento. 

11) Com efeito, o segundo fundamento adotado pelo e. Relator é de que a tese da taxatividade mitigada "não cuidou e, portanto, não alterou o posicionamento há muito adotado por esta Corte de Justiça, bem como pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à possibilidade, absolutamente excepcional, de utilizar o mandado de segurança contra ato judicial, estritamente nas hipóteses em que o decisum guarde, em si, teratologia, manifesta ilegalidade ou abuso flagrante, com o condão de violar direito líquido e certo do impetrante". 

12) A esse respeito, é importante destacar, à luz da ratio decidendi o precedente vinculante, que a impugnação das interlocutórias pela via mandamental era a tese defendida por quem sustentava ser o rol do art. 1.015 de taxatividade irrestrita ou absoluta e, sublinhe-se, essa tese foi vencida por ocasião daquele julgamento. 

13) Embora esse fato, por si só, indique o descabimento da via mandamental para impugnar as decisões interlocutórias após a fixação da tese, não se pode olvidar que esse tema - via impugnativa apropriada - foi objeto de específico e exauriente enfrentamento em capítulo próprio do voto, intitulado "descabimento do mandado de segurança como sucedâneo recursal". A esse respeito, confira-se a transcrição do fundamento determinante desta conclusão: Isso porque o legislador brasileiro, ao enunciar as hipóteses de cabimento do agravo no CPC/15, propositalmente quis ou involuntariamente conseguiu reacender, vivamente, as polêmicas e as discussões acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo do recurso de agravo, tendo se posicionado acerca da viabilidade da impetração, apenas nos últimos anos, juristas de grande gabarito, como Eduardo Talamini, Clayton Maranhão, Rodrigo Frantz Becker, Heitor Vitor Mendonça Sica, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Oliveira Jr., Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello e José Henrique Mouta Araújo, dentre tantos outros. Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais traz malefícios do que benefícios. Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de julgamento; (iv) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie recursal de efeito devolutivo amplo. Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o próprio agravo de instrumento. 

14) Diante desse cenário, é correto concluir que a tese jurídica firmada no julgamento do tema repetitivo 988, respeitosamente, não apenas tratou, como também estabeleceu uma exceção ao posicionamento há muito adotado nesta Corte, especificamente no que tange à impugnabilidade das interlocutórias, de modo a vedar, em absoluto, a impugnação dessa espécie de decisão pelas partes mediante ação autônoma (mandado de segurança), porque há via impugnativa recursal apropriada (agravo de instrumento). 

15) Dito de outra maneira: conquanto seja excepcionalmente admissível a impugnação de decisões judiciais (em sentido lato) por mandado de segurança (como, por exemplo, pelo terceiro, na forma da Súmula 202/STJ), não é admissível, nem mesmo excepcionalmente, a impugnação de decisões interlocutórias por mandado de segurança após 19/12/2018, sob pena de ofensa e desrespeito à tese firmada no tema repetitivo 988.

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Autoridade coatora em Mandado de Segurança - Hely Lopes Meirelles

 "Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. Não há confundir, entretanto, o simples executor material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concretamente e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas consequencias administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela. Exemplificando: numa imposição fiscal ilegal, atacável por mandado de segurança, o coator não é nem o Ministro ou o Secretário da Fazenda que expede instruções para a arrecadação de tributos, nem o funcionário subalterno que cientifica o contribuinte da exigência tributária; o coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe as sanções fiscais respectivas, usando do seu poder de decisão" 


MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 29ª edição, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 63.

Filigrana doutrinária: Mandado de Segurança - Carlos Alberto Menezes de Direito

"O writ há de atacar o ato que, diretamente, vulnera o direito líquido e certo do impetrante. O que caracteriza a lei em tese é a generalidade do comando; desde que o ato atacado seja uma norma não individualizada, é incabível o mandado de segurança. Toda vez que o ato administrativo, por sua natureza, produzir efeitos concretos e imediatos, perde ele sua característica de ato normativo. Sem que tenha havido qualquer medida de execução contra interesse da impetrante, porquanto pede apenas a declaração de ilegalidade da cobrança antecipada do ICMS, descabe a impetração. Os decretos editados pelo Presidente da República, que disciplinam a criação de novos cursos de ensino superior, não se expõem ao controle jurisdicional por meio da ação de mandado de segurança, pois configuram, em face de seu próprio conteúdo normativo, atos em tese, absolutamente insuscetíveis de contraste mediante utilização do writ. Atos em tese são os que dispõem sobre situações gerais e impessoais, têm alcance genérico e disciplinam hipóteses que neles se acham abstratamente previstas. O mandado de segurança não é sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade e nem pode substituí-la, sob pena de grave deformação do instituto e inaceitável desvio de sua verdadeira função jurídico-processual" 


DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Manual de Mandado de Segurança, 4ª edição, Editora Renovar, 2003, p. 44/45.

Filigrana doutrinária: Mandado de Segurança - Hely Lopes Meirelles

"O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante. Este ato ou omissão poderá provir de autoridade de qualquer dos três Poderes. Só não se admite mandado de segurança contra atos meramente normativos (lei em tese), contra a coisa julgada e contra os interna corporis de órgãos colegiados. E as razões são óbvias para essas restrições: as leis e os decretos gerais, enquanto normas abstratas, são insuscetíveis de lesar direitos, salvo quando proibitivos; a coisa julgada só é invalidável por ação rescisória (CPC, art. 485 e STF, Súmula 268); e os interna corporis, se realmente o forem, não se sujeitam à correção judicial. A lei em tese, como norma abstrata de conduta, não é atacável por mandado de segurança (STF, Súmula 266), pela óbvia razão de que não lesa, por si só, qualquer direito individual. Necessária se torna a conversão da norma abstrata em ato concreto, para expor-se à impetração, mas nada impede que, na sua execução, venha a ser declarada inconstitucional pela via do mandamus" 

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, etc., RT, 13ª. edição, pág. 17/18.

ILEGITIMIDADE DO SECRETÁRIO DE ESTADO DA RECEITA PARA FIGURAR, COMO AUTORIDADE IMPETRADA, NO POLO PASSIVO DO MANDADO DE SEGURANÇA

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 54.823 - PB (2017/0183580-7) 

RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES 

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.057/2010 E DO DECRETO 31.504/2010, AMBOS DO ESTADO DA PARAÍBA. IMPETRAÇÃO CONTRA LEI EM TESE. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 266/STF. ILEGITIMIDADE DO SECRETÁRIO DE ESTADO DA RECEITA PARA FIGURAR, COMO AUTORIDADE IMPETRADA, NO POLO PASSIVO DO MANDADO DE SEGURANÇA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA IMPROVIDO. 

I. Recurso em Mandado de Segurança interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. 

II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança coletivo, impetrado pela Associação Brasileira da indústria de Águas Minerais – ABINAM contra o Secretário de Estado da Receita da Paraíba, perante o Tribunal de Justiça daquela unidade da federação, no qual se pleiteia a declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual 9.057/2010 e do Decreto 31.504/2010. No acórdão recorrido o Tribunal de Justiça extinguiu o Mandado de Segurança, sem resolução do mérito, por considerar incidente, na espécie, a Súmula 266/STF. 

III. Sendo preventivo o mandado de segurança, desnecessária a existência concreta de ato coator, porquanto o receio de ato que venha a violar o direito líquido e certo da parte impetrante é suficiente a ensejar a impetração. Entretanto, in casu, diante da argumentação constante da impetração, não se verifica a existência de possíveis atos de efeitos concretos, a serem praticados pelo Secretário de Estado da Receita – a justificar a competência originária do Tribunal de Justiça –, tendentes a violar ou ameaçar suposto direito líquido e certo da impetrante. A parte apenas alega a inconstitucionalidade da Lei estadual 9.057/2010 e do Decreto 31.504/2010, que não se qualificam como atos de efeitos concretos, mas como atos normativos, de efeitos gerais e abstratos. Assim, efetivamente incide, na espécie, a Súmula 266/STF ("Não cabe mandado de segurança contra lei em tese"), pelo que deve ser confirmado o acórdão recorrido, no particular, por sua conformidade com a orientação firmada pela Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, do REsp 1.119.872/RS (Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 20/10/2010). 

IV. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o MS 4.839/DF (Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJU de 16/02/98), deixou anotado que "a autoridade coatora, no mandado de segurança, é aquela que pratica o ato, não a que genericamente orienta os órgãos subordinados a respeito da aplicação da lei no âmbito administrativo; mal endereçado o writ, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito". 

V. A Primeira Turma do STJ, ao julgar o AgRg no RMS 36.846/RJ (Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJe de 07/12/2012), decidiu que, no regime do lançamento por homologação, a iminência de sofrer o lançamento fiscal, acaso não cumpra a legislação de regência, autoriza o sujeito passivo da obrigação tributária a impetrar mandado de segurança contra a exigência que considera indevida. Nesse caso, porém, autoridade coatora é aquela que tem competência para o lançamento ex officio, que, certamente, não é o Secretário de Estado da Fazenda. Tal entendimento pode ser transposto para o caso dos autos, em que se questiona obrigação acessória (aposição de selos de controle). Na espécie, a autoridade coatora é aquela que tem competência para exigir o cumprimento da aludida obrigação ou autuar o contribuinte pelo seu descumprimento. 

VI. Sobre a teoria da encampação – que mitiga a indicação errônea da autoridade coatora, em mandado de segurança –, a Primeira Seção do STJ, nos autos do MS 10.484/DF (Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJU de 26/09/2005), firmou o entendimento de que tal teoria apenas se aplica ao mandado de segurança, quando preenchidos os seguintes requisitos, cumulativamente: (a) existência de subordinação hierárquica entre a autoridade que efetivamente praticou o ato e aquela apontada como coatora, na petição inicial; (b) manifestação a respeito do mérito, nas informações prestadas; (c) ausência de modificação de competência, estabelecida na Constituição, para o julgamento do writ, requisito que, no presente caso, não foi atendido. 

VII. A jurisprudência da Segunda Turma do STJ orienta-se no sentido de que o Secretário de Estado da Fazenda não possui legitimidade para figurar, como autoridade coatora, em mandado de segurança que visa afastar exigência fiscal supostamente ilegítima. Nesse sentido: AgRg no RMS 42.792/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 11/03/2014; RMS 54.333/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 20/10/2017. No mesmo sentido os seguintes precedentes da Primeira Turma desta Corte: AgInt no RMS 51.519/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no RMS 46.013/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 29/08/2016; AgRg no RMS 30.771/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 30/11/2016; AgInt no RMS 49.232/MS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 18/05/2016. 

VIII. Não se aplica ao caso a teoria da encampação, pois a indevida presença do Secretário de Estado da Receita, no polo passivo deste Mandado de Segurança, implicou modificação da competência jurisdicional, disciplinada pela Constituição do Estado da Paraíba. IX. Recurso em Mandado de Segurança improvido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 26 de maio de 2020(data do julgamento)

MANDADO DE SEGURANÇA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DADOS SOBRE ÓBITOS RELACIONADOS A OCORRÊNCIAS POLICIAIS. CARÁTER PÚBLICO INCONTROVERSO. IMPRENSA. VEDAÇÃO JUDICIAL DE USO DA INFORMAÇÃO EM REPORTAGEM NOTICIOSA. DESCABIMENTO. CENSURA PRÉVIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1852629 - SP (2019/0227657-9) 

RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DADOS SOBRE ÓBITOS RELACIONADOS A OCORRÊNCIAS POLICIAIS. CARÁTER PÚBLICO INCONTROVERSO. IMPRENSA. VEDAÇÃO JUDICIAL DE USO DA INFORMAÇÃO EM REPORTAGEM NOTICIOSA. DESCABIMENTO. CENSURA PRÉVIA. RESTRIÇÃO À ATIVIDADE JORNALÍSTICA. DISTINÇÃO DA GENERALIDADE DA SOCIEDADE. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DE FAMILIARES DAS VÍTIMAS. HIPÓTESE GENÉRICA DE SIGILO NÃO PREVISTA NO ORDENAMENTO. PUBLICAÇÃO DOS DADOS EM PORTAL. FORMA DE CUMPRIMENTO DA ORDEM. PERÍODO PARCIALMENTE COINCIDENTE COM O REQUERIDO. INTERESSE DE AGIR. PERMANÊNCIA. 

1. Hipótese em que o Tribunal denegou o pedido para assegurar à parte impetrante o acesso a dados alusivos a óbitos relacionados a boletins de ocorrência policial sob o fundamento de riscos à segurança e à privacidade dos familiares das vítimas pela exposição em reportagens noticiosas. Afirmou-se, ainda, ausência de interesse de agir, pela superveniente publicação das informações em portal de acesso público. 

2. Inexiste controvérsia quanto ao caráter público dos dados requeridos, bem como a sua existência em documentos de posse da administração. Assim o afirmaram tanto o Judiciário, inclusive o acórdão recorrido, e o órgão administrativo recursal responsável pelos pedidos alusivos à Lei de Acesso à Informação no Estado. Entretanto, embora reconhecido pela instância administrativa superior sua natureza pública, a autoridade impetrada não forneceu os dados requeridos. 

3. Fundamento essencial do acórdão recorrido para denegar a ordem: "Embora reconhecido [...] a publicidade dos elementos [...], mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação [...] As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...]". 

4. Descabe à administração ou ao Judiciário apreciar as razões ou usos que se pretende dar à informação de natureza pública. A informação, por ser pública, deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou considerações quanto aos interesses a que se destina o uso. 

5. A imposição de restrições especiais ao exercício da atividade jornalística, em contraste com a generalidade da população, é vedada pela Constituição Federal. Razões de decidir (ratio decidendi) da ADPF 130/STF. 

6. Na hipótese, não se está sequer diante de um produto jornalístico acabado, cuja construção poderia ensejar, de forma absolutamente excepcional e ainda assim questionável, controle à sua circulação, ante a gravidade dos danos potenciais. Configura-se inequívoca censura prévia impedir-se à imprensa que até mesmo apure eventual interesse jornalístico de divulgação de dados, reiterese, inequivocamente públicos. 

7. A segurança individual não é hipótese legal de exceção de acesso a dados públicos. Eventuais danos, caso efetivados, se resolvem pela responsabilização civil, administrativa e penal. 

8. A denegação da ordem pela origem configura verdadeiro bis in idem censório. São dois direitos distintos, que o acórdão recorrido confunde para negar a ambos: o direito de acesso à informação pública é autônomo diante do direito de liberdade de imprensa. Não há razão nem mesmo em supor que os dados públicos virão a ser publicados pela imprensa, que pode aproveitá-los de uma infinidade de formas diversas da divulgação noticiosa, como subsídio à atividade jornalística. Não se pode inviabilizar o acesso da imprensa à informação pública pelo mero temor precognitivo de que a incerta e eventual veiculação midiática de dados públicos causará potencialmente danos. 

9. Persiste o interesse de agir pelo alcance, pela via da publicidade ativa, de apenas parte do período requerido. 

10. A existência de portal com os dados públicos solicitados apenas configura meio de cumprimento da obrigação de fornecer o acesso ao solicitante, mas não enseja a rejeição do pedido de informações nem afasta seu direito líquido e certo em obtê-las. Previsão expressa da Lei de Acesso (art. 11, §§ 3º e 6º, da Lei n. 12.527/2011). 

11. Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a sentença, concedendo a segurança. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 06 de outubro de 2020. 

RELATÓRIO 

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de recurso especial interposto por Empresa Folha da Manhã S.A., com amparo na alínea "a" do inciso III do art. 105 da CF/1988, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (e-STJ, fl. 1.942): 

PROCESSO Registro de entradas de corpos em unidades do IML – Falecidos Direito à informação – Acesso – Ordem concedida – Possibilidade: O acesso da imprensa aos dados constantes de delegacia de polícia não pode violar a privacidade e a segurança dos familiares dos falecidos. 

Os embargos de declaração foram acolhidos apenas para corrigir erro material acerca do dispositivo normativo citado no acórdão (e-STJ, fls. 1.963-1.968). 

A recorrente defende, em síntese: i) prequestionamento ficto das matérias (art. 1025 do CPC/2015); ii) caráter público das informações sobre nome da vítima, número do boletim de ocorrência, distrito policial solicitante, natureza da ocorrência, data de entrada do corpo e número de controle do exame necroscópico, sendo seu direito acessá-las na forma requerida (arts. 10, 11 e 31 da Lei n. 12.257/2011); e iii) impossibilidade de considerar antecipadamente o eventual mal uso das informações pela imprensa para negar seu acesso aos dados públicos, sendo passível apenas de responsabilização REsp 1852629 posterior (art. 31, § 2º, da LAI). 

Apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 2.026-2..043), o recurso especial foi admitido por decisão desta Corte (e-STJ, fl. 2.139). 

Parecer pelo não conhecimento (e-STJ, fls. 2.135-2.137). 

Houve interposição de agravo em recurso extraordinário na origem (e-STJ, fls. 2.067-2.088). 

É o relatório. 

VOTO 

O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Na origem, trata-se de pedido de acesso à informação mantida por órgãos públicos por veículo de imprensa, para produção de reportagem noticiosa. A parte recorrente pretende aceder a informações especificadas quanto a óbitos associados a boletins de ocorrência policial. 

Narra-se que o pedido foi acolhido em instâncias recursais administrativas (pela Ouvidoria Geral do Estado), mas a decisão não foi atendida pela autoridade policial. Disso resultou a impetração, que teve a segurança concedida na instância inicial. Entrementes, a própria administração publicou os dados, embora com escopo mais limitado que o pretendido. 

Ao fim, em remessa necessária, acórdão assim fundamentou suas conclusões para denegação da ordem (e-STJ, fls. 1.951-1.952, grifei): 

Somente é restrita a divulgação de informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem (art.31, par.1º, inc.I). Embora reconhecido pela Ouvidoria Geral do Estado, a publicidade dos elementos identificadores dos falecidos e dos crimes de homicídio, mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação porque poderá prejudicar a segurança e a privacidade das respectivas famílias, tornando-as mais vulneráveis a vinganças e ressentimentos que sempre permanecem após os crimes contra a vida. A proteção individual se sobrepõe ao controle da população sobre o serviço de segurança prestado pelo Estado. As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis para servir como parâmetro para medir a eficiência do serviço e a eficácia das políticas adotadas pelo Governo na repressão e prevenção do crime. Se o próprio Estado de São Paulo decidiu criar portal na Internet, disponibilizado à população, para divulgação dos dados requeridos, incumbe-lhe também zelar pela privacidade e segurança dos dados que possam identificar os falecidos e suas famílias. E a imprensa não necessita mais da impetração pois poderá acessar esse mesmo portal para colher as informações que pretende para a verificação da eficácia do serviço público. 

Cabe, desde logo, afastar a apreciação da ocorrência de prequestionamento ficto, porquanto se trata de hipótese de prequestionamento, se tanto, implícito. O acórdão recorrido discutiu especificamente as disposições da Lei de Acesso à Informação, sendo dispensada a menção expressa aos artigos normativos. 

Além disso, não subsiste a indicação do Ministério Público de incidência da Súmula 280/STF (Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário). Embora a Corte local tenha transcrito normas regulamentares locais acerca da decretação de sigilo documental, seu efetivo fundamento decorre da lei federal. 

E esse fundamento essencial do acórdão recorrido é, textualmente, que os dados públicos não podem ser divulgados pela mídia. Transcrevo mais uma vez o ponto (e-STJ, fls. 1.951-1.952, grifei): 

Embora reconhecido pela Ouvidoria Geral do Estado, a publicidade dos elementos identificadores dos falecidos e dos crimes de homicídio, mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação [...] As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...]. 

Note-se, portanto, que se dispensa o exame nesta sede até mesmo do caráter público dos dados. Assim o reconhece não só a administração, mas também o acórdão recorrido. Nada aqui se faz necessário considerar. 

Dado que a informação é de natureza reconhecidamente pública, resta a esta Corte apurar se o direito permite que o Judiciário, ou a administração, teça considerações acerca de seu uso pela sociedade em geral ou por meio da imprensa, em especial. 

Entendo que a restrição imposta pelo Tibunal local não encontra respaldo no ordenamento. Primeiro, porque descabe qualquer tratamento especial da imprensa em matéria de responsabilização civil ou penal, em particular para agravar sua situação diante da generalidade das pessoas físicas ou jurídicas. É o que se assentou no julgamento da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal: 

O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. [...] A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. [...] Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. [...] Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. [...] A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. [...] Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. [...] Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). [...] 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição estatutária ou orgânica.[...] São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de "interpretação conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. [...] (ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213-01 PP-00020) 

Isto é: não se pode conceber lei, ou norma, que se volte especificamente à tutela da imprensa, para coibir sua atuação. Se há um direito irrestrito de acesso pela sociedade à informação mantida pela administração, porquanto inequivocamente pública, não se pode impedir a imprensa, apenas por ser imprensa, de a ela aceder. 

O posicionamento do acórdão recorrido vai além, e efetivamente faz controle prévio genérico da veiculação noticiosa. Não se está diante sequer de um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia inviabilizar até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a informação reconhecidamente pública. 

A jurisprudência do Supremo repila tal abordagem: 

AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DETERMINAÇÃO DE RETIRADA DE CONTEÚDO DA INTERNET. DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE TUTELA ANTECIPADA. CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA. VIOLAÇÃO À ADPF 130. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. A liberdade de informação e de imprensa são apanágios do Estado Democrático de Direito. 2. O interesse público premente no conteúdo de reportagens e peças jornalísticas reclama tolerância quanto a matérias de cunho supostamente lesivo à honra dos agentes públicos. 3. A medida própria para a reparação do eventual abuso da liberdade de expressão é o direito de resposta e não a supressão liminar de texto jornalístico, antes mesmo de qualquer apreciação mais detida quanto ao seu conteúdo e potencial lesivo. 4. A reclamação tendo como parâmetro a ADPF 130, em casos que versam sobre conflitos entre liberdade de expressão e informação e a tutela de garantias individuais como os direitos da personalidade, é instrumento cabível, na forma da jurisprudência (Precedentes: Rcl 22328, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 09/05/2018; Rcl 25.075, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/03/2017). 5. In casu, não se evidencia que o intento da publicação tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de notícias sabidamente falsas. 6. Agravo interno provido. (Rcl 28747 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 09-11-2018 PUBLIC 12-11-2018) 

CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA PUBLICAÇÃO, DIVULGAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE OBRA LITERÁRIA. CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA. VIOLAÇÃO À ADPF 130. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. 2. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade civil e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. 3. Desse modo, a decisão judicial, que determinou “a suspensão da publicação, divulgação e comercialização de obra literária”, impôs censura prévia, cujo traço marcante é o “caráter preventivo e abstrato” de restrição à livre manifestação de pensamento, que é repelida frontalmente pelo texto constitucional, em virtude de sua finalidade antidemocrática, e configura, de maneira inequívoca, ofensa à ADPF 130 (Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, DJe de 6/11/2009). Precedentes. 4. Logo, ratifica-se, o entendimento aplicado, de modo a manter, em todos os seus termos, a decisão agravada. 5. Recurso de agravo a que se nega provimento. (Rcl 38201 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 21/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 05-03-2020 PUBLIC 06-03-2020) 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À LIBERDADE DE IMPRENSA. DECISÃO LIMINAR QUE RESTRINGE VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. SÚMULA 735/STF. NÃO INCIDÊNCIA. MATÉRIA PASSÍVEL DE CONHECIMENTO POR RECLAMAÇÃO ANTE POSSÍVEL OFENSA À DECISÃO VINCULANTE NA ADPF 130/STF. PROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. [...] A alegação de ofensa à decisão da ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, na qual se proibiu a realização de qualquer forma de censura prévia, dá ensejo ao cabimento, em tese, da reclamação constitucional, uma vez que o STF proibiu a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões, sendo certo, ainda, que eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. 3. Agravo regimental provido. (RE 840718 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 10/09/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 17-09-2018 PUBLIC 18-09-2018) 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XL E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEI DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO. APLICAÇÃO DOS TIPOS PENAIS DESCRITOS NA LEGISLAÇÃO COMUM. PRECEDENTES. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. [...] 2. O entendimento adotado na decisão agravada reproduz a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Não obstante esta Corte Suprema ter declarado a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988 (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto), às condutas ofensivas nela previstas é aplicável a tipificação semelhante contida no Código Penal. Precedentes. 3. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 835363 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 28/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 18-10-2018 PUBLIC 19-10-2018) 

Mesmo as considerações genéricas à segurança dos familiares não se mostram razoáveis, à luz da interpretação do Supremo quanto à norma de transparência: 

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. [...] Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. [...] E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. [...] 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos Regimentais desprovidos. (SS 3902 AgR-segundo, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2011, DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-01 PP-00055 RTJ VOL-00220-01 PP-00149) 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ANALISTAS E TÉCNICOS DE FINANÇAS E CONTROLE. ATO COATOR: PORTARIA INTERMINISTERIAL 233/2012. DIVULGAÇÃO DE REMUNERAÇÃO OU SUBSÍDIO RECEBIDO POR OCUPANTE DE CARGO, POSTO, GRADUAÇÃO, FUNÇÃO E EMPREGO PÚBLICO. LEGALIDADE. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. LEI 12.527/2011. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À INTIMIDADE NÃO CONFIGURADO. SEGURANÇA DENEGADA. [...] 5. Ademais, o caso não envolve informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, ressalva prevista no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal. 6. Segurança denegada. (MS 18.847/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014) 

É preciso reforçar a distinção entre duas questões tratadas pelo acórdão como uma única. De um lado, cuida-se da atividade jornalística de veiculação noticiosa. Nesse ponto, é já inconcebível dar aspecto de juridicidade a qualquer forma de controle prévio da informação. O acórdão recorrido, mais que isso, ainda antes da existência de qualquer informação jornalística, veda sua produção, por conta de danos potenciais. A medida é, nessa extensão, descabida. 

Há mais, porém. Relaciona-se a ela, mas sem que se confundam, o real objeto da impetração. Trata-se de acesso à informação pública, não de atuação jornalística. A qualidade da última pode até depender da primeira, mas nada influencia no direito de aceder a dados públicos o uso que deles se fará. Não há razão alguma em sujeitar a concessão da segurança ao risco decorrente da divulgação da informação – que, reitere-se, é pública e já disponível na internet. Não há nem mesmo obrigação ou suposição de que a informação – pública – venha a ser publicada pela imprensa. A informação pública é subsídio da informação jornalística, sem com ela se confundir em qualquer nível. Os dados públicos podem ser usados pela imprensa de uma infinidade de formas, como base de novas investigações, cruzamentos, pesquisas, entrevistas, etc., nenhuma delas correspondendo, direta e inequivocamente, à sua veiculação. Não se pode vedar o exercício de um direito – acessar à informação pública – pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito – o de livre comunicar. Configura-se verdadeiro bis in idem censório, ambos de inviável acolhimento diante do ordenamento. 

Quanto ao interesse de agir, consta do acórdão menção expressa aos períodos dos dados solicitados pelo impetrante e o momento em que se deu início à publicação ativa pelo impetrado. O pedido diz respeito, em parte, aos dados de 2006 (e-STJ, fl. 1.948), e o portal traria informações somente a partir de abril de 2014 (e-STJ, fl. 1.946). É o quanto basta para se verificar a permanência de interesse pela parte impetrante. 

Ademais, a existência do dado solicitado por via da Lei de Acesso à Informação em base pública não enseja rejeição do pedido, mas remissão do requerente a tais serviços. Nos termos da própria LAI: 

Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível. [...] § 3º Sem prejuízo da segurança e da proteção das informações e do cumprimento da legislação aplicável, o órgão ou entidade poderá oferecer meios para que o próprio requerente possa pesquisar a informação de que necessitar. [...] § 6º Caso a informação solicitada esteja disponível ao público em formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio de acesso universal, serão informados ao requerente, por escrito, o lugar e a forma pela qual se poderá consultar, obter ou reproduzir a referida informação, procedimento esse que desonerará o órgão ou entidade pública da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos. 

Assim, a concessão da segurança não obriga a administração ao fornecimento direto dos documentos, podendo remeter a parte impetrante à base onde constem, efetivamente, os dados solicitados. Apenas as informações requeridas que não estejam disponíveis em dito portal deverão ser disponibilizadas diretamente à parte recorrente. 

Trata-se de meio de cumprimento da obrigação de fornecer acesso aos dados públicos, que não afasta o interesse jurídico no reconhecimento do direito líquido e certo da parte impetrante de acedê-los, qualquer que seja o uso que deles pretenda fazer, independentemente de justificação prévia. Eventual abuso ou ilicitude, verifica oportunamente, dará ensejo às devidas responsabilizações. 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer a sentença, concedendo a segurança. 

É como voto.