9 de maio de 2021

RMS 63.202-MG: DO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.

DO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. 

01) Inicialmente, é preciso reconhecer desde logo o acerto da premissa contida no voto do e. Relator, no sentido de que será mesmo inócuo e inútil impugnar, apenas em apelação ou em contrarrazões, a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes. 

02) De fato, de nada adiantará, do ponto de vista prático, uma eventual impugnação diferida sobre um ato processual que se pretende seja praticado no início do processo, especialmente porque diante da irreversibilidade dos efeitos que serão produzidos com a referida decisão e dos danos alegadamente sofridos pelas partes. 

03) A despeito de concordar integralmente com o e. Relator acerca da necessidade de impugnação imediata de decisão interlocutória desse teor, dele divirjo, respeitosamente, acerca da via impugnativa adequada para essa finalidade. 

04) Com efeito, embora reconheça que a tese firmada por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, segundo a qual "o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação", tenha sido fixada justamente para situações como a versada neste recurso, e que a tese jurídica da taxatividade mitigada seria aplicável apenas às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão (ocorrida no DJe de 19/12/2018), apresenta o e. Relator dois fundamentos para justificar a admissibilidade do mandado de segurança na hipótese. 

05) O primeiro fundamento apresentado pelo e. Relator está no fato de que, na hipótese, houve uma primeira decisão, proferida em 15/10/2018 (previamente à tese fixada pela Corte Especial), por meio da qual o magistrado, ao admitir a petição inicial, deixou de designar a audiência de conciliação e determinou fosse o réu citado para contestar (fls. 84/85, e-STJ) e uma segunda decisão, proferida em 07/02/2019 (posteriormente à tese fixada pela Corte Especial), por meio da qual o magistrado, instado a se pronunciar sobre a questão mediante requerimento do réu-recorrente, indeferiu o pedido de designação da audiência. 

06) Diante desse cenário, entende S. Exa. que "a decisão que subverteu o procedimento legal estabelecido no CPC/2015 deu-se em momento anterior à publicação do aludido acórdão repetitivo, enquanto que a decisão que indeferiu o pedido de designação da audiência de conciliação e mediação deu-se em momento posterior", razão pela qual "essa situação limítrofe já seria suficiente, em minha compreensão, para se admitir a impetração do mandado de segurança, tal como aqui manejado". 

07) Ocorre que, data maxima venia, não se está diante de alguma espécie de decisão temporalmente complexa, no sentido de que a segunda seria apenas uma complementação ou integração da primeira, caso em que se poderia, em tese, admitir a existência de ilegalidade ou teratologia contínua. 

08) Em verdade, houve, na hipótese, duas decisões bem definidas e distintas no aspecto temporal. A primeira, recebeu a petição inicial do autor e modificou o procedimento; a segunda, recebeu o requerimento formulado pelo réu, que inclusive é quem se insurge contra ela, e indeferiu o pedido de designação. 

09) Além disso, não se pode olvidar que o conteúdo das decisões é igualmente distinto, na medida em que a questão relacionada à impossibilidade de designação da audiência sob o fundamento de dificuldade de pauta (inviabilidade estrutural) somente surgiu com a segunda decisão, eis que, na primeira, o único fundamento adotado para deixar de designá-la foi a existência de especificidades da causa que justificariam a necessidade de adequação procedimental (inviabilidade processual). 

10) Assim, conclui-se que é objeto autônomo da impetração a decisão judicial que, a requerimento do réu-recorrente, indeferiu o pedido de designação da audiência prevista no art. 334, caput, do CPC, ao fundamento de dificuldade de pauta, proferida em 07/02/2019, após a publicação do acórdão que fixou a tese da taxatividade mitigada (ocorrida em 19/12/2018), por meio do qual ficou expressamente definido que a excepcional impugnação das interlocutórias não textualmente contidas no rol do art. 1.015 do CPC se dá pela via do agravo de instrumento. 

11) Com efeito, o segundo fundamento adotado pelo e. Relator é de que a tese da taxatividade mitigada "não cuidou e, portanto, não alterou o posicionamento há muito adotado por esta Corte de Justiça, bem como pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à possibilidade, absolutamente excepcional, de utilizar o mandado de segurança contra ato judicial, estritamente nas hipóteses em que o decisum guarde, em si, teratologia, manifesta ilegalidade ou abuso flagrante, com o condão de violar direito líquido e certo do impetrante". 

12) A esse respeito, é importante destacar, à luz da ratio decidendi o precedente vinculante, que a impugnação das interlocutórias pela via mandamental era a tese defendida por quem sustentava ser o rol do art. 1.015 de taxatividade irrestrita ou absoluta e, sublinhe-se, essa tese foi vencida por ocasião daquele julgamento. 

13) Embora esse fato, por si só, indique o descabimento da via mandamental para impugnar as decisões interlocutórias após a fixação da tese, não se pode olvidar que esse tema - via impugnativa apropriada - foi objeto de específico e exauriente enfrentamento em capítulo próprio do voto, intitulado "descabimento do mandado de segurança como sucedâneo recursal". A esse respeito, confira-se a transcrição do fundamento determinante desta conclusão: Isso porque o legislador brasileiro, ao enunciar as hipóteses de cabimento do agravo no CPC/15, propositalmente quis ou involuntariamente conseguiu reacender, vivamente, as polêmicas e as discussões acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo do recurso de agravo, tendo se posicionado acerca da viabilidade da impetração, apenas nos últimos anos, juristas de grande gabarito, como Eduardo Talamini, Clayton Maranhão, Rodrigo Frantz Becker, Heitor Vitor Mendonça Sica, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Oliveira Jr., Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello e José Henrique Mouta Araújo, dentre tantos outros. Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais traz malefícios do que benefícios. Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de julgamento; (iv) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie recursal de efeito devolutivo amplo. Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o próprio agravo de instrumento. 

14) Diante desse cenário, é correto concluir que a tese jurídica firmada no julgamento do tema repetitivo 988, respeitosamente, não apenas tratou, como também estabeleceu uma exceção ao posicionamento há muito adotado nesta Corte, especificamente no que tange à impugnabilidade das interlocutórias, de modo a vedar, em absoluto, a impugnação dessa espécie de decisão pelas partes mediante ação autônoma (mandado de segurança), porque há via impugnativa recursal apropriada (agravo de instrumento). 

15) Dito de outra maneira: conquanto seja excepcionalmente admissível a impugnação de decisões judiciais (em sentido lato) por mandado de segurança (como, por exemplo, pelo terceiro, na forma da Súmula 202/STJ), não é admissível, nem mesmo excepcionalmente, a impugnação de decisões interlocutórias por mandado de segurança após 19/12/2018, sob pena de ofensa e desrespeito à tese firmada no tema repetitivo 988.

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