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11 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Medidas executivas atípicas - Luiz Guilherme Marinoni

Quando o uso das modalidades executivas está subordinado ao que está na lei, a liberdade do litigante está garantida pelo princípio da tipicidade. Mas se esse princípio foi abandonado ao se concluir que a necessidade de meio de execução - e, assim, a efetividade da tutela do direito material - varia conforme as circunstâncias dos casos concretos, é preciso não esquecer que o poder executivo não pode ficar destituído de controle. Como é evidente, jamais o vencedor ou o juiz poderão eleger modalidade executiva qualquer, uma vez que o controle do juiz, quando não é feito pela lei, deve tomar em conta as necessidades de tutela dos direitos, as circunstâncias do caso e a regra da proporcionalidade. Em outras palavras, a adoção dos meios executivos obviamente ainda pode ser controlada pelo executado. A diferença é que esse controle, atualmente, é muito mais sofisticado e complexo do que aquele que simplesmente indagava se o meio executivo era o previsto na lei para a específica situação. 


MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 426. 

REsp 1.788.950/MT: DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/15

DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/15 

O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. 

Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas, previstas no art. 139, IV, do novo Código, cláusula geral que confere poder ao julgador para a adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma legal. 

O legislador optou, desse modo, por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material. 

A atipicidade dos meios executivos, portanto, “defere ao juiz o poder-dever para determinar medidas de apoio tendentes a assegurar o cumprimento de ordem judicial, independentemente do objeto da ação processual” (ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 214 - sem destaque no original). 

Isso não significa, todavia, que qualquer modalidade executiva possa ser adotada de forma indiscriminada, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. Quanto ao ponto, a lição de MARINONI é bastante elucidativa: 

Quando o uso das modalidades executivas está subordinado ao que está na lei, a liberdade do litigante está garantida pelo princípio da tipicidade. Mas se esse princípio foi abandonado ao se concluir que a necessidade de meio de execução - e, assim, a efetividade da tutela do direito material - varia conforme as circunstâncias dos casos concretos, é preciso não esquecer que o poder executivo não pode ficar destituído de controle. Como é evidente, jamais o vencedor ou o juiz poderão eleger modalidade executiva qualquer, uma vez que o controle do juiz, quando não é feito pela lei, deve tomar em conta as necessidades de tutela dos direitos, as circunstâncias do caso e a regra da proporcionalidade. Em outras palavras, a adoção dos meios executivos obviamente ainda pode ser controlada pelo executado. A diferença é que esse controle, atualmente, é muito mais sofisticado e complexo do que aquele que simplesmente indagava se o meio executivo era o previsto na lei para a específica situação. (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 426) 

Tive a oportunidade de esclarecer, quando do julgamento do RHC 99.606/SP (3ª Turma, DJe 20/11/2018) que, como obstáculo à adoção dos meios atípicos e coercitivos indiretos na exequibilidade de obrigações de pagar quantia, parcela respeitável da doutrina aponta como óbice uma possível violação ao princípio da patrimonialidade da execução. 

Todavia, não se pode confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade, por configurarem punições em face do não pagamento da dívida. 

A diferença mais notável entre os dois institutos acima enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado tem como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indiretos. 

É o que se observa, por exemplo, na prisão civil decorrente de dívida alimentar – medida coercitiva indireta –, na qual a privação temporária da liberdade do devedor de alimentos não o exime do pagamento das prestações vencidas ou vincendas (art. 528, § 5º, do CPC/15), inexistindo, destarte, sub-rogação. 

A demonstrar a ausência de substituição da dívida por uma punição corporal, deve-se ter em vista, também, que o pagamento da dívida alimentar autoriza a suspensão da ordem de prisão (art. 528, § 6º, do CPC/15), da mesma forma que, cuidando-se de astreintes, o juiz pode excluir a multa ou modificar seu valor ou periodicidade na hipótese de o executado demonstrar o cumprimento, mesmo que parcial, ou a existência de justa causa para o descumprimento (art. 537, § 1º, I e II, do CPC/15). 

Na execução indireta, portanto, as medidas executivas não possuem força para satisfazer a obrigação inadimplida, atuando tão somente sobre a vontade do devedor. 

Conforme ressalta a doutrina, “a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas”, uma vez que, na verdade, “são apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. Revista de Processo: RePro, São Paulo, n. 264, p. 107-150). 

Do mesmo modo, não se pode falar em inaplicabilidade das medidas executivas atípicas meramente em razão de sua potencial intensidade quanto à restrição de direitos fundamentais. Isso porque o ordenamento jurídico pátrio prevê a incidência de diversas espécies de medidas até mesmo mais gravosas do que essas, como bem anotado em artigo publicado por AZEVEDO e GAJARDONI: 

[...] no plano pragmático, desconsidera-se que há diversas medidas no ordenamento jurídico que tipicamente se equiparam ou apresentam maior intensidade em termos de restrição de direitos fundamentais do que as medidas executivas atípicas. Basta pensar nas hipóteses de despejo forçado, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, ou mesmo nas medidas protetivas para proteção do patrimônio de grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças e adolescentes etc.). Há, ainda, inúmeras medidas administrativas coercitivas, adotadas em razão do interesse público, decorrentes de relações fiscais, aduaneiras, urbanísticas ou de trânsito, as quais, embora representem restrições a direitos fundamentais, não carregam a pecha da inconstitucionalidade. (AZEVEDO, Júlio Camargo de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas. Disponível em https://goo.gl/VAY72D. Consulta realizada em 28/3/2019) 

Não se nega, no entanto, que, em certas ocasiões, a adoção de coerção indireta ao pagamento voluntário possa se mostrar desarrazoada ou desproporcional, sendo passível, nessas situações, de configurar medida comparável à punitiva. 

A ocorrência dessas situações deve ser, contudo, examinada caso a caso, e não aprioristicamente, por se tratar de hipótese excepcional que foge à regra de legalidade e boa-fé objetiva estabelecida pelo CPC/15. 

Não por outro motivo, o STJ vem entendendo que “as modernas regras de processo [...], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável” (RHC 97.876/SP, 4ª Turma, DJe 9/8/2018). 

Para que seja adotada qualquer medida executiva atípica, portanto, deve o juiz intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo, seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos. 

O contraditório prévio é, aliás, a regra no CPC/15, em especial diante da previsão do art. 9º, que veda a prolação de decisão contra qualquer das partes sem sua prévia oitiva fora das hipóteses contempladas em seu parágrafo único. 

A decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (art. 489, § 1º, I e II, do CPC/15). 

De se observar, igualmente, a necessidade de esgotamento prévio dos meios típicos de satisfação do crédito exequendo, tendentes ao desapossamento do devedor, sob pena de se burlar a sistemática processual longamente disciplinada na lei adjetiva. 

Vale destacar, por oportuno, que o CPC/15, em seu art. 8º, estabeleceu com norma fundamental do processo civil o atendimento aos fins sociais do ordenamento jurídico e às exigências do bem comum, observado o resguardo e a promoção da dignidade da pessoa humana, assim como da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. 

Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo. 

Frise-se, aqui, que a possibilidade do adimplemento – ou seja, a existência de indícios mínimos que sugiram que o executado possui bens aptos a satisfazer a dívida – é premissa que decorre como imperativo lógico, pois não haveria razão apta a justificar a imposição de medidas de pressão na hipótese de restar provada a inexistência de patrimônio hábil a cobrir o débito. 

Em suma, é possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 

São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa.

REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021. 

Improbidade administrativa. Fase de cumprimento de sentença. Requerimento de medidas coercitivas. Suspensão de CNH e apreensão de passaporte. Previsão feita no art. 139, IV, do CPC/2015. Medidas executivas atípicas. Aplicação em processos de improbidade. Observância de parâmetros. Análise dos fatos da causa. Possibilidade.


São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa.


Há no Superior Tribunal de Justiça julgados afirmando a possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: "O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo [...] O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV)" (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).

Há, também, decisão da Primeira Turma indeferindo as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Afirmou-se no julgado: "O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio" (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019).

Além de fazer referência aos fatos da causa, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Diversamente, no caso dos autos trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública.

Ora, se o entendimento desta Corte - conforme jurisprudência supra destacada - é no sentido de que são cabíveis medidas executivas atípicas a bem da satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos onde o cumprimento da sentença se dá a bem da tutela da moralidade e do patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência dessa Corte, não há como não considerar o interesse público na satisfação da obrigação um importante componente na definição pelo cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto.

Os parâmetros construídos pela Terceira Turma, para aplicação das medidas executivas atípicas, encontram largo amparo na doutrina se revelam adequados, também, no cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade.

Conforme tem preconizado a Terceira Turma: "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).

Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem o artigo 139, IV, do CPC/2015, inconstitucional. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas, por exemplo, causando prejuízo ao exercício da profissão.

6 de maio de 2021

EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO APÓS PENHORA DE BENS DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS

RECURSO ESPECIAL Nº 1.733.697 - RS (2018/0051020-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO APÓS PENHORA DE BENS DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS EXISTENTE NO CPC/73. SATISFATIVIDADE DO DIREITO RECONHECIDO JUDICIALMENTE. NORMA FUNDAMENTAL. CRIAÇÃO DE UM PODER GERAL DE EFETIVAÇÃO DA TUTELA EXECUTIVA QUE ROMPE O DOGMA DA TIPICIDADE. CRIAÇÃO E ADOÇÃO DE MEDIDAS ATÍPICAS APENAS EXISTENTES EM OUTRAS MODALIDADES EXECUTVAS E COMBINAÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS. POSSIBILIDADE. PONDERAÇÃO ENTRE A MÁXIMA EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO E MENOR ONEROSIDADE DO DEVEDOR. CRITÉRIOS. HIPÓTESE CONCRETA. DÉBITO ALIMENTAR ANTIGO E DE GRANDE VALOR. DESCONTO EM FOLHA PARCELADO E EXPROPRIAÇÃO DE BENS PENHORADOS. POSSIBILIDADE. 

1- Ação proposta em 21/03/2005. Recurso especial interposto em 29/05/2017 e atribuído à Relatora em 14/03/2018. 

2- O propósito recursal consiste em definir se é admissível o uso da técnica executiva de desconto em folha da dívida de natureza alimentar quando há anterior penhora de bens do devedor. 

3- Diferentemente do CPC/73, em que vigorava o princípio da tipicidade dos meios executivos para a satisfação das obrigações de pagar quantia certa, o CPC/15, ao estabelecer que a satisfação do direito é uma norma fundamental do processo civil e permitir que o juiz adote todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, conferiu ao magistrado um poder geral de efetivação de amplo espectro e que rompe com o dogma da tipicidade. 

4- Respeitada a necessidade fundamentação adequada e que justifique a técnica adotada a partir de critérios objetivos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, conformando os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade do devedor, permite-se, a partir do CPC/15, a adoção de técnicas de executivas apenas existentes em outras modalidades de execução, a criação de técnicas executivas mais apropriadas para cada situação concreta e a combinação de técnicas típicas e atípicas, sempre com o objetivo de conferir ao credor o bem da vida que a decisão judicial lhe atribuiu. 

5- Na hipótese, pretende-se o adimplemento de obrigação de natureza alimentar devida pelo genitor há mais de 24 (vinte e quatro) anos, com valor nominal superior a um milhão e trezentos mil reais e que já foi objeto de sucessivas impugnações do devedor, sendo admissível o deferimento do desconto em folha de pagamento do débito, parceladamente e observado o limite de 10% sobre os subsídios líquidos do devedor, observando-se que, se adotada apenas essa modalidade executiva, a dívida somente seria inteiramente quitada em 60 (sessenta) anos, motivo pelo qual se deve admitir a combinação da referida técnica sub-rogatória com a possibilidade de expropriação dos bens penhorados. 

6- Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 11 de dezembro de 2018(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por J P R R, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/RS que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento por ele interposto. 

Recurso especial interposto e m: 29/05/2017. Atribuído ao gabinete e m: 14/03/2018. 

Ação: execução de alimentos ajuizada por A C R R. 

Decisão monocrática: deferiu o desconto em folha do débito alimentar objeto da execução, no montante de 10% sobre o subsídio do auferido pelo recorrente (excluídos os descontos obrigatórios, IRPF e INSS), sem prejuízo da prática de atos de expropriação para a satisfação do crédito (fls. 15/17 e fls. 57/58, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, negou-se provimento ao agravo de instrumento, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. O fato de terem sido penhorados bens do devedor não obsta seja procedido o desconto de parte da sua renda, de acordo com o previsto no art. 529 do CPC, aplicável ao caso em exame, mormente considerando o longo período de tramitação do feito executivo. A circunstância do art. 530 do CPC prever que no caso de não ter sido satisfeita a obrigação a execução deve observar o disposto nos arts. 831 e seguintes do CPC também não impede o desconto, pois aludido dispositivo legal não tem por finalidade privar o credor de meios de satisfação do crédito, mas de dar-lhe outro meio adicional de busca o adimplemento do débito. Ademais, no caso, o valor devido supera um milhão de reais e o arresto foi convertido em penhora há mais de 10 anos, de forma que o desconto de parte da renda será, por certo, a forma mais efetiva da cobrança da verba alimentar. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (fls. 114/119, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação aos arts. 530, 805, caput, 831 e 913, todos do CPC/15, ao fundamento de que é incabível o desconto parcelado da dívida alimentar em folha de pagamento na hipótese quando há anterior penhora de bens do devedor, tratando-se de dupla execução pelo mesmo objeto (fls. 130/135, e-STJ). 

Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 211/214, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se é admissível o uso da técnica executiva de desconto em folha da dívida de natureza alimentar quando há anterior penhora de bens do devedor. 

1. DA IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA QUANDO HÁ ANTERIOR PENHORA DE BENS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 530, 805, CAPUT, 831 E 913, TODOS DO CPC/15. 

Inicialmente, é relevante examinar o rol de dispositivos legais aplicáveis à espécie: 

Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia. §3o Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos. 

(...) 

Art. 530. Não cumprida a obrigação, observar-se-á o disposto nos arts. 831 e seguintes. 

(...) 

Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado. 

(...) 

Art. 831. A penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios. 

(...) 

Art. 913. Não requerida a execução nos termos deste Capítulo, observar-se-á o disposto no art. 824 e seguintes, com a ressalva de que, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. 

Em síntese, a tese recursal é de que, havendo anterior medida constritiva típica – penhora de bens –, é inviável a adoção da técnica executiva consubstanciada no desconto parcelado do débito de natureza alimentar em folha de pagamento. 

A esse respeito, saliente-se que, por muito tempo, vigorou no Brasil um sistema processual assentado na tipicidade dos meios executivos. 

Nesse aspecto, anote-se que a legislação revogada, em sua versão original, consagrava tão somente a expropriação de bens como técnica executiva nas obrigações de pagar quantia certa (art. 646 do CPC/73), ao passo que, para as obrigações de fazer e de não fazer, estabelecia-se a possibilidade de imposição de uma multa como única forma de evitar a conversão em perdas e danos na hipótese de renitência do devedor em cumprir a obrigação definida em sentença em sua modalidade específica (art. 287 do CPC/73), pois, naquela época, ainda vigorava a ideia de intangibilidade da vontade humana. 

Contudo, a tipicidade dos meios executivos, nesse contexto, servia essencialmente à demasiada proteção ao devedor, na medida em que o engessamento da execução, caracterizado essencialmente pela possibilidade de se adotar apenas a técnica executiva indicada na lei para aquela modalidade específica, conduziu à chamada crise de ineficiência da execução, fenômeno que se observou não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, e que levou uma série de países a, sistematicamente, modificar o seu modelo de execução civil, como, por exemplo, a Espanha em 2000, Portugal em 2003 e a Itália em 2005. 

No Brasil, as reformas processuais ocorridas em 1994 sinalizaram uma nítida guinada do legislador em direção à atipicidade dos meios executivos, iniciando-se pelas obrigações de fazer e de não fazer, mediante a inserção, por exemplo, do art. 461, §5º, do CPC/73, segundo o qual “para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”. 

Para as obrigações de pagar quantia certa, contudo, ainda não se vislumbrava uma tendência de superação do dogma da tipicidade, não se prestando a esse fim nem mesmo a multa do art. 475-J do CPC/73, inserida em 2005, e cujo objetivo era, evidentemente, buscar a satisfação tempestiva da obrigação com a eventual ameaça imposição de uma específica e determinada penalidade pecuniária. 

Entretanto, é preciso atentar que o CPC/15 evoluiu substancialmente nesse aspecto, a começar pelo reconhecimento, com o status de norma fundamental do processo civil (art. 4º), que o direito que possuem as partes de obter a solução integral do mérito compreende, como não poderia deixar de ser, não apenas a declaração do direito (atividade de acertamento da relação jurídica de direito material), mas também a sua efetiva satisfação (atividade de implementação, no mundo dos fatos, daquilo que fora determinado na decisão judicial). 

A partir dessa mudança de paradigma, é mais simples perceber que o legislador efetivamente quis disponibilizar ao magistrado um ferramental executivo de amplo espectro, tão ou mais poderoso do que aquele existente para o adequado acertamento do direito, de que é o melhor exemplo o art. 139, VI, do CPC/15, que preconiza incumbir ao juiz a determinação de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” e que rompe, em caráter definitivo, irrevogável e irretratável, com o antigo dogma da tipicidade executiva. 

Significa dizer, pois, que foram substancialmente afrouxadas as amarras até então existentes para permitir que o julgador, agora, não apenas possa empregar outras técnicas, importando-as de outras modalidades executivas ou criando-as para a hipótese concreta, como também possa combinar técnicas típicas e atípicas com vistas a atingir a desejável eficiência da atividade satisfativa. 

Diante desse novo cenário, não é mais correto afirmar que a atividade satisfativa somente poderá ser efetivada de acordo com as específicas regras daquela modalidade executiva, mas, sim, que o legislador conferiu ao magistrado um poder geral de efetivação, que deve, todavia, observar a necessidade de fundamentação adequada e que justifique a técnica adotada a partir de critérios objetivos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, de modo a conformar, concretamente, os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade do devedor, inclusive no que se refere às impenhorabilidades legais e à subsidiariedade dos meios atípicos em relação aos típicos. 

Tendo em mira tais premissas, verifica-se que, na hipótese em exame, a execução foi ajuizada no ano de 2005 e diz respeito a alimentos pagos a menor pelo genitor no período compreendido entre os anos de 1994 e 2004, cujo valor originário era de R$ 286.215,27 (duzentos e oitenta e seis mil, duzentos e quinze reais e vinte e sete reais) e que, em Outubro de 2016, totalizava o montante de R$ 1.341.840,99 (um milhão, trezentos e quarenta e um reais e noventa e nove centavos). 

Após a conversão dos arrestos em penhora, ocorrido há mais de 10 (dez) anos, o devedor interpôs agravo de instrumento, desprovido; embargos à execução, julgados improcedentes; e embargos de terceiro, cujo desfecho não se tem notícia, mas que acarretaram a suspensão da execução. 

Como não houve, até o momento, a adjudicação ou a arrematação dos bens penhorados, a credora requereu o desconto em folha do débito, parceladamente, o que foi deferido em 1º grau de jurisdição (fls. 15/17, e-STJ), observando-se o limite de 10% sobre os subsídios líquidos do devedor, que era, ao tempo da decisão (em Outubro de 2016), de R$ 18.637,88 (dezoito mil, seiscentos e trinta e sete reais e oitenta e oito centavos). 

Dessa forma, a parcela debitada em folha para adimplemento da obrigação alimentar será de R$ 1.863,78 (um mil, oitocentos e sessenta e três reais e setenta e oito centavos). 

Considerando que, ao tempo da prolação do acórdão recorrido (Abril de 2017), a dívida alimentar era de R$ 1.341.840,99 (um milhão, trezentos e quarenta e um reais e noventa e nove centavos), pode-se afirmar que, nessa toada, o crédito da recorrida será satisfeito em, no mínimo, 720 (setecentos e vinte) meses, ou seja, em 60 (sessenta) anos. 

Nada mais adequado do que permitir, na hipótese, a combinação das técnicas executivas consubstanciadas em uma medida sub-rogatória (desconto parcelado em folha de pagamento) e uma medida expropriatória típica (penhora dos bens), ressalvando-se que o acórdão recorrido, cuidadosamente, afirma que “o valor descontado como forma de pagamento do débito alimentar deverá ser considerado quando da alienação do bem penhorado”, de modo que não há absolutamente nenhum óbice em permitir que a adoção das referidas técnicas executivas de forma concomitante. 

Ressalte-se, finalmente, que a hipótese envolve verba que, a despeito da antiguidade da dívida, não perdeu a sua natureza alimentar, somada ao fato de que se trata, segundo se observa da decisão de 1º grau e do acórdão recorrido, de um devedor contumaz, comprovadamente renitente e que efetivamente possui formas de adimplir a obrigação. 

Por esses motivos, não há que se falar em violação aos dispositivos legais invocados – arts. 530, 805, caput, 831 e 913, todos do CPC/15 –, porque a escolha e combinação de técnicas executivas, inclusive no que se refere à adoção de medidas atípicas, encontra-se amplamente respaldada, na hipótese, pelos arts. 4º e 139, IV, ambos do CPC/15. 

2. CONCLUSÃO. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

30 de abril de 2021

HC 453.870-PR: medidas executivas atípicas na Execução Fiscal

HABEAS CORPUS Nº 453.870 - PR (2018/0138962-0) 

RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO 

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 

1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 

2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 

3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 

4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 

5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 

6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 

7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 

8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 

9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 

10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa Documento: 1822323 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/08/2019 Página 2 de 7 Superior Tribunal de Justiça modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 

11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 

12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 

13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 

14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 

15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 

16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 

17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 

18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 

19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 

20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 

21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 

22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 

23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 

24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, preliminarmente, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa, conhecer do Habeas Corpus e, no mérito, por maioria, vencidos parcialmente os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Gurgel de Faria (voto-vista), conceder a ordem determinando sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte), nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília/DF, 25 de junho de 2019 (Data do Julgamento). 

RELATÓRIO 

1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelos Advogados ALDAMIRA GERALDA DE ALMEIDA AFFORNALLI, MARCUS VINICIUS AFFORNALLI e BRUNA AFFORNALLI, em favor do Paciente CELSO SAMIS DA SILVA, que figura como parte executada em Execução Fiscal promovida pela FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, a partir do qual objetivam a concessão de medida assecuratória do direito e ir e vir frente ao acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ora apontado como autoridade coatora, que determinou a efetuação de medidas constrictivas atípicas. O suposto ato ilegal que afetou a liberdade de locomoção do cidadão, praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, contou com a seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. DILIGÊNCIAS INFRUTÍFERAS. APLICAÇÃO DE TÉCNICAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. INSCRIÇÃO DO DEVEDOR EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. APREENSÃO DE PASSAPORTE E SUSPENSÃO DE CNH. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR. IRRESIGNAÇÃO DO MUNICÍPIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 139, IV DO CPC. ENTENDIMENTO DO ENUNCIADO 48 DA ENFAM. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA DECISÃO SINGULAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (fls. 189/197). 

2. As razões que motivaram o impetrante a postular remédio constitucional residem no argumento de que houve arbítrio da autoridade ao deferir medidas restritivas de direito na Execução Fiscal de origem, qualificadas por restrição ao uso de passaporte e por suspensão de Carteira de Habilitação do executado, ora paciente. Salientam que o paciente não praticou atos de recalcitrância no feito executório e que as providências autorizadas pelo Tribunal Araucariano se dirigem à aflição pessoal do réu e não aos seus bens. Assevera a desproporciolidade da medida, porquanto já está respondendo pela dívida com a penhora de 30% de seus vencimentos. Afirmam que a restrição do uso de passaporte causa prejuízo ao paciente, uma vez que reside em área de fronteira, em que é corriqueira a passagem para países como Paraguai e Argentina, e que a suspensão da Carteira de Habilitação o impede de comparecer ao trabalho e de transportar seu filhos ao colégio. Pede a concessão de medida liminar, de modo a extirpar a coação ilegal praticada pela Corte de origem. 

3. Foi concedida a medida liminar às fls. 222/229. Solicitadas as informações à autoridade coatora, esta ficou inerte (fls. 250). Intimada (fls. 243/244), a Fazenda Pública exequente não se manifestou. 

4. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA, opinou pela concessão da ordem de Habeas Corpus (fls. 257/264). 

5. Em síntese, é o relatório. 

VOTO 

1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 

2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud e pesquisa online de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção em folha de pagamento. 

3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente. 

4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida. 

5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 

6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 

7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 

8. De fato, essas medidas constrictivas situam-se na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 

9. Embora o crédito seja responsável por promover o crescimento econômico, não apenas por sua aplicação na área produtiva, mas, sobretudo e especialmente, no consumo das famílias, ele é também responsável por severo endividamento pessoal dos brasileiros. Estatísticas dos órgãos oficiais informam que mais de 60% dos brasileiros se encontram, por mais de 90 dias, com débitos em aberto em cartão de crédito, no crediário de estabelecimentos comerciais, no cheque especial e em outras modalidades de crédito direto, nas quais o consumidor é estimulado a contratar, conforme matéria jornalística veiculada pela Agência Brasil de Comunicação EBC (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-01/percentual-de-familias-e ndividadas-sobe-de-59-para-622. Acesso em 12.6.2018). 

10. Existem, inclusive, programas oficiais, como o do Banco Central do Brasil, destinados a evitar o superendividamento, dado o caráter epidêmico do estímulo ao consumo sem as necessárias prudência e organização de finanças pessoais nas compras (http://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_II_%C3%A9_possivel_sair_do_sup erendividamento.pdf. Acesso em 12.6.2018). 

11. Não há dúvida de que essas questões que permeiam o crédito aportam no Poder Judiciário, nesse contexto de credores sem garantia e endividados suplicando a misericórdia. Penso que aqueles Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias. 

12. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 

13. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia do controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. 1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018). 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRETENSÃO DE QUE SEJA SUSPENSA A CNH DO DEVEDOR COM BASE NO ART. 139, IV, DO CPC/2015. CONCLUSÃO NO SENTIDO DA INADEQUAÇÃO DA MEDIDA PARA O FIM COLIMADO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O Tribunal estadual entendeu que a medida pleiteada - suspensão da CNH dos recorridos - é inadequada para o fim colimado, pois é desproporcional no caso em tela, especialmente porque atinge a pessoa do devedor, não seu patrimônio. Essa conclusão foi fundada na apreciação fático-probatória da causa, atraindo a aplicação da Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno desprovido (AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 

14. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando se contrasta com as medidas aflitivas pessoais atípicas. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 

15. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui ex ante, a execução só é embargável mediante a garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 

16. Não se esqueça, ademais, que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). 

17. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 

18. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 

19. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR, a partir do qual visa à satisfação de crédito adveniente de condenação do executado à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada ao Município pelo Tribunal de Contas do Paraná (débitos trabalhistas com origem contratação ilegal de funcionários terceirizados). O caderno aponta que o valor do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 

20. O TJ/PR deu provimento ao recurso de Agravo de Instrumento da Municipalidade, em ordem a deferir medidas aflitivas de inscrição do nome do réu em cadastro de inadimplentes, suspensão do direito de dirigir e apreensão do passaporte. 

21. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio. 

22. Registre-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 

23. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 

24. O paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir a que se propõe o remédio de Habeas Corpus. 

25. Outra não é, aliás, a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal, cuja transcrição é de rigor: 

14. Feitas tais ponderações, impende considerar, de uma forma simplória, mas fundamentada no parâmetro 'proporcionalidade' da medida constritiva segundo o crivo da adequação e da necessidade, a plausibilidade da fundamentação desenvolvida e da conclusão tecida quando da apreciação da liminar do writ. 15. Soa deveras excessiva a medida de suspensão de dirigir e apreensão do passaporte imposta ao impetrante num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada pela penhora de 30% dos vencimentos que aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, além do bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP. 16. Frise-se que, evidentemente, torna-se mais aguda a restrição das liberdades constitucionais do réu a circunstância de que a cidade de Foz do Iguaçu/PR se situa em tríplice fronteira de Brasil, Paraguai e Argentina. Embora possa haver trânsito facilitado de pessoas entre esses Países do Mercosul, é notório que, por residir nessa localidade fronteiriça, o paciente está a sofrer mais limitações em seu direito de ir e vir pela supressão de passaporte do que outra pessoa que esteja a milhares de quilômetros de qualquer área limítrofe. 17. Ademais, do arcabouço documental "é possível perquirir que o paciente utiliza os documentos para as suas atividades rotineiras, uma vez que a empresa em que o requerente trabalha (SANEPAR) possui sede em todas as cidades do Estado. Ainda, a função exercida pelo paciente (diretor estratégico) é inerente à necessidade de comparecimento deste em diferentes cidades do Estado, a fim de acompanhar a execução das atividades da empresa." - fls. 1Oe. 18. Apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir. Ante o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pela concessão da ordem em habeas corpus, para excluir as medidas de restrição ao uso de passaporte e suspensão de Carteira de Habilitação, outrora impostas ao impetrante (fls. 262/264). 

26. Mercê do exposto, confirma-se a medida liminar anteriormente concedida, de modo expedir ordem de Habeas Corpus em favor do paciente, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). É como voto. 

VOTO-VISTA 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA: 

Trata-se de habeas corpus impetrado por ALDAMIRA GERALDA DE ALMEIDA AFFORNALLI, em favor de CELSO SAMIS DA SILVA – parte executada em execução fiscal promovida pela FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR –, em que objetiva impugnar a imposição das medidas executivas atípicas por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, consubstanciadas na apreensão do passaporte do paciente, bem assim na suspensão da sua Carteira Nacional de Habilitação, com arrimo no art. 139, IV, do CPC/2015. 

Após o bem-lançado voto do d. relator, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, em que concedeu a ordem, dos votos dos Min. BENEDITO GONÇALVES e REGINA HELENA COSTA, em que não conheceram do habeas corpus, e do voto do Min. SÉRGIO KUKINA, que conheceu da impetração, pedi vista dos autos para um melhor exame e agora os trago a julgamento. 

Inicialmente, cumpre registrar que, no tocante à apreensão da Carteira Nacional de Habilitação, o presente writ não se apresenta viável, à míngua de risco potencial à liberdade de locomoção do paciente. 

Nesse sentido: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APREENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - CNH. INEXISTÊNCIA DE RISCO OU AMEAÇA AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. DESCABIMENTO DO WRIT. 1. Sem que haja risco ou ameaça à liberdade de locomoção, revela-se descabida a impetração de habeas corpus. Precedentes: AgRg no HC 391.220/SP, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 24/5/2017; REsp 1.639.643/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/4/2017; e AgInt no HC 361.699/MG, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 20/10/2016. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no RHC 97082/SP, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 25/6/2018). 

Diversa é a situação relativa à retenção do passaporte, visto que, de acordo com a jurisprudência do STJ, tal restrição constitui ameaça ao direito de ir e vir do paciente, hábil ao manejo do habeas corpus. Nesse sentido: 

AMBIENTAL. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INDENIZAÇÃO POR DANO AMBIENTAL. MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA EM EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. RESTRIÇÃO AO USO DE PASSAPORTE. INJUSTA VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. PONDERAÇÃO DOS VALORES EM COLISÃO. PREPONDERÂNCIA, IN CONCRETO, DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA DO MEIO AMBIENTE. DENEGAÇÃO DO HABEAS CORPUS. I - Na origem, trata-se de cumprimento de sentença que persegue o pagamento de indenização por danos ambientais fixada por sentença. Indeferida a medida coercitiva atípica de restrição ao passaporte em primeira instância, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento ao agravo interposto pelo Ministério Público, determinando a apreensão do passaporte dos pacientes. II - Cabível a impetração de habeas corpus tendo em vista a restrição ao direito fundamental de ir e vir causado pela retenção do passaporte dos pacientes. Precedentes: RHC n. 97.876/SP, HC n. 443.348/SP e RHC n. 99.606/SP. III - A despeito do cabimento do habeas corpus, é preciso aferir, in concreto, se a restrição ao uso do passaporte pelos pacientes foi ilegal ou abusiva. IV - Os elementos do caso descortinam que os pacientes, pessoas públicas, adotaram, ao longo da fase de conhecimento do processo e também na fase executiva, comportamento desleal e evasivo, embaraçando a tramitação processual e deixando de cumprir provimentos jurisdicionais, em conduta sintomática da ineficiência dos meios ordinários de penhora e expropriação de bens. V - A decisão que aplicou a restrição aos pacientes contou com fundamentação adequada e analítica. Ademais, observou o contraditório. Ao final do processo ponderativo, demonstrou a necessidade de restrição ao direito de ir e vir dos pacientes em favor da tutela do meio ambiente. VI - Ordem de habeas corpus denegada. (HC 478963/RS, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 21/5/2019). (Grifos acrescidos). 

Assim, analiso a apontada ilegalidade decorrente da imposição da medida executiva atípica ao paciente. 

Compulsando os autos, verifico que a Corte de origem louvou-se no art. 139, IV, do CPC/2015, que assim dispõe: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." 

O novel dispositivo facultou ao magistrado a adoção de providências executivas atípicas, destinadas à concretização da determinação judicial, especialmente quando verificado comportamento do executado descompromissado com a boa-fé e a lealdade processuais.

 No caso concreto, verifico, de fato, a postura recalcitrante do paciente em adimplir a dívida decorrente do acórdão do Tribunal de Contas do Estado Paraná (e-STJ fl. 28), notadamente diante da inexistência de automóveis e bens imóveis em seu nome, da inexistência de numerário em agência bancária e da declaração ao Imposto de Renda de que possuía a importância de R$ 80.000,00 em espécie. 

Não obstante, constato que a apreensão do seu passaporte afigura-se medida exagerada. 

Isso porque, no bojo da Execução Fiscal n. 0029418-18.2013.8.16.0030 foi deferida (e levada a efeito) a penhora de 30% (trinta por cento) dos vencimentos que ele aufere na Companhia de Saneamento do Paraná – SANEPAR, bem como o bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário da Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP, conforme se observa às e-STJ fls. 162/164. 

A propósito, vale transcrever o seguinte excerto do parecer ministerial: 

14. Feitas tais ponderações, impende considerar, de uma forma simplória, mas fundamentada no parâmetro 'proporcionalidade' da medida constritiva segundo o crivo da adequação e da necessidade, a plausibilidade da fundamentação desenvolvida e da conclusão tecida quando da apreciação da liminar do writ. 15. Soa deveras excessiva a medida de suspensão de dirigir e apreensão do passaporte imposta ao impetrante "num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada" pela penhora de 30% dos vencimentos que aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, além do bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP. (e-STJ fls. 262/263). 

Assim, é de se deferir a liberação do passaporte do paciente. 

Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do habeas corpus para, na parte conhecida, CONCEDER A ORDEM, determinando a devolução do passaporte ao paciente CELSO SAMIS DA SILVA. 

É como voto.