24 de abril de 2021

EXECUÇÃO. AVALISTA. CÔNJUGE. AUSÊNCIA DE GARANTIA REAL. NECESSIDADE DE CITAÇÃO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.475.257 - MG (2014/0207179-2) 

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AVALISTA. CÔNJUGE. AUSÊNCIA DE GARANTIA REAL. NECESSIDADE DE CITAÇÃO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. 

1. O cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval, nos termos do art. 1.647 do Código Civil (outorga uxória), não é avalista. Dessa forma, não havendo sido prestada garantia real, não é necessária sua citação como litisconsorte, bastando a mera intimação, como de fato postulado pelo exequente (art. 10, § 1º, incisos I e II, do CPC de 1973). 

2. Recurso especial a que se nega provimento. 

ACÓRDÃO 

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi (Presidente) e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. 

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recurso especial interposto de acórdão que recebeu a seguinte ementa (e-STJ fl. 160): 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - AVAL - INCLUSÃO DO CÔNJUGE NO POLO PASSIVO - IMPOSSIBILIDADE - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Nos termos do art. 1647 do Código Civil, é necessária a autorização do outro cônjuge para prestação de aval, como se deu nesta seara. Contudo, por ser o aval garantia de natureza pessoal, não pode ser o cônjuge que presta consentimento, considerado avalista e por conseqüência, não se pode pretender a sua inclusão no pólo passivo da Ação de Execução. 

Alega-se ofensa ao art. 10 do Código de Processo Civil de 1973, bem como dissídio. 

Sustenta-se que "a não inclusão do cônjuge, bem como a não formação do litisconsórcio passivo necessário eivam de nulidade instransponível na Ação executiva proposta pelo Recorrido, devendo o presente Recurso Especial ser acolhido, no sentido de determinar a extinção do feito". 

Contrarrazões às e-STJ fls. 185/189. 

Destaco que a decisão recorrida foi publicada antes da entrada em vigor da Lei n. 13.105 de 2015, estando o recurso sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme Enunciado Administrativo 2/2016 desta Corte. 

É o relatório. 

VOTO MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): A questão jurídica tratada no presente recurso especial diz respeito à necessidade de citação do cônjuge que concede a outorga uxória em aval quando da execução do avalista, na condição de litisconsorte necessário. 

O Tribunal solucionou a questão jurídica tratada nos seguintes termos (e-STJ fls. 161/162): 

Compulsando os autos, vê-se que o agravante propôs exceção de pré-executividade pugnando pela inclusão de sua esposa no pólo passivo da ação de execução proposta pelo Banco Safra S/A, pois, a seu aviso, a não-formação do litisconsórcio passivo gerará nulidade na ação executiva. Tal pedido que foi negado pelo Juizo a quo. Dal o presente agravo de instrumento. Vejo que não assiste razão ao agravante. Em principio, o art. 1647 do Código Civil, disciplina a matéria trazida à apreciação: "Art.1.647: Ressalvado o disposto no artigo 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - Alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - Prestar fiança ou aval; IV - Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação." Dessa feita, exceto no regime de separação absoluta, o cônjuge precisa da autorização do outro cônjuge para se prestar aval, como é o caso dos autos. Tal consentimento foi devidamente prestado pela esposa do agravante, Patrícia Loureiro Campos, como se vê a f. 31-TJMG. Ocorre que não pode pretender o avalista a inclusão de sua esposa no pólo passivo da demanda executiva, pois o aval é uma garantia de pagamento de titulo de crédito que tem natureza pessoal e, com isso, o pagamento somente pode ser imputado a ele, avalista. (...) Dessa feita, por se tratar de obrigação de natureza pessoal, não pode o cônjuge que presta consentimento ser também considerado avalista. Por conseqüência, não pode figurar no pólo passivo da ação de execução. 

Entendo que o referido posicionamento não merece reformas. 

O art. 10 do Código de Processo Civil de 1973, invocado como norma violada, assim dispõe: 

Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários. § 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações: I - que versem sobre direitos reais imobiliários; II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles; III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados; IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges. § 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados. 

O aval é ato jurídico de prestação de garantia. Poderia eventualmente ser praticado por ambos os cônjuges, na condição de avalistas. Mas consta do acórdão recorrido que foi praticado apenas pelo executado, assinando a sua esposa unicamente na condição de outorgante da autorização para a prestação da garantia. Trata-se da condição prevista no art. 1.647 do Código Civil: 

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: 

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; 

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; 

III - prestar fiança ou aval; 

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. 

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. 

Assim, tal como bem observou a Corte local, não há que se falar em litisconsórcio necessário porque o cônjuge do avalista não é avalista ou tampouco praticou ato visando à garantia. Não desconheço o precedente desta Corte nos autos do RESP 212.447/MS, de seguinte ementa: 

EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA AD CAUSAM DA MULHER DO AVALISTA, QUE ANUIU À CONSTITUIÇÃO DA GARANTIA HIPOTECÁRIA, COMPROMETENDO INCLUSIVE A SUA MEAÇÃO. - O garante de dívida alheia equipara-se ao devedor. Quem deu a garantia deve figurar no pólo passivo da execução, quando se pretenda tornar aquela efetiva. Precedentes. - Caso em que, ademais, os executados nomearam o bem hipotecado à penhora. Litisconsórcio passivo necessário entre o garante hipotecário e seu cônjuge. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 212.447/MS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2000, DJ 09/10/2000, p. 152) 

Em que pese o referido precedente tratar de legitimidade passiva ad causam em execução de cédula de crédito comercial em que o cônjuge recorrente não figura como emitente nem avalista, tem-se a peculiaridade de que foi anuente de hipoteca, gravame de direito real que atrai a incidência do art. 10, § 1º, I, do Código de Processo Civil de 1973, não tratado no presente caso e tampouco invocado pelo ora recorrente nas razões de seu especial. 

O mesmo ocorre nos seguintes precedentes, em que há garantia real ou penhora de imóvel: 

PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIA. EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE CITAÇÃO DO CÔNJUGE DAQUELE QUE PRESTA AVAL NO TÍTULO. AUSÊNCIA. NULIDADE. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que "não viola a disciplina processual o acórdão que anula o processo de execução de título executivo extrajudicial com garantia pignoratícia e hipotecária, pela ausência da citação do cônjuge do executado (REsp 87.853/MA, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ de 15.12.1997) 2. Precedentes: REsp 468.333/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 1º/12/2009, DJe de 14/12/2009; REsp 49669/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2000, DJ de 12/2/2001; REsp 212.447/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, DJ de 9.10.2000. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1165048/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 05/08/2011) 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA DE BEM IMOVEL. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO CONJUGE. 1. SEGUNDO ORIENTAÇÃO QUE VEIO A PREVALECER NESTA QUARTA TURMA, NO CASO DA PENHORA RECAIR SOBRE BEM IMOVEL TORNA-SE IMPRESCINDIVEL A INTIMAÇÃO DO CONJUGE, SOB PENA DE NULIDADE. 2. ANTE A FORMAÇÃO DE LITISCONSORCIO NECESSARIO, FICA O MARIDO-EXECUTADO LEGITIMADO PARA ARGUIR A EVENTUAL FALTA DA INTIMAÇÃO DE SUA MULHER EM SEDE DE EMBARGOS A EXECUÇÃO. 3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 11.699/PR, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/1994, DJ 01/08/1994, p. 18651) 

Veja-se que no último precedente citado se fala em intimação do cônjuge, e não citação. No caso, o exequente postulou a intimação do cônjuge, conforme se depreende do pedido inicial da execução à e-STJ fl. 22 dos autos. Assim, não há que se declarar a extinção da execução como pretende a recorrente. Não sendo a hipótese dos autos, em que a instituição financeira apresenta sua inicial postulando o pagamento ou a indicação de bens à penhora, suficiente o pedido inicial de intimação. 

Ainda que transpostos os referidos óbices, não seria o caso de extinção do feito, como pretende a recorrente, mas mero retorno dos autos à origem para emenda à inicial, o que não é o caso. No mesmo sentido: 

PROCESSUAL CIVIL. EMENDA À INICIAL. MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO, APÓS OFERECIDA A CONTESTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO, EX OFFICIO, DE QUE O AUTOR PROMOVA A CITAÇÃO DO LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. POSSIBILIDADE. ART. 47 DO CPC/1973. NORMA DE CARÁTER DE ORDEM PÚBLICA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ não se admite a emenda da inicial após o oferecimento da contestação quando tal diligência ensejar a modificação do pedido ou da causa de pedir. Isso porque a regra prevista no art. 284 do CPC/1973 deve ser compatibilizada com o disposto no art. 264 do CPC/1973, que impede ao autor, após a citação, modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu; e, em nenhuma hipótese, permite a alteração do pedido ou da causa de pedir após o saneamento do processo. 2. In casu, a emenda da inicial para possibilitar a inclusão no polo passivo da demanda de litisconsorte necessário não enseja modificação do pedido ou da causa de pedir. 3. Ademais, é assente o entendimento do STJ de que o litisconsórcio necessário é regido por norma de ordem pública, cabendo ao juiz determinar, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, a integração à lide do litisconsorte passivo. 4. Nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil de 1973 há o litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. 5. O litisconsórcio necessário, à exceção das hipóteses de imposição legal, encontra sua razão de ser na natureza da relação jurídica de direito material deduzida em juízo, que implica produção dos efeitos da decisão de mérito de forma direta na esfera jurídica de todos os integrantes dessa relação. 6. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp 1593819/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/10/2016, REPDJe 03/05/2017, DJe 08/11/2016) 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL. DESCUMPRIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. PROVIMENTO NEGADO. 1. Nos termos do art. 284 do Código de Processo Civil, impõe-se o indeferimento da petição inicial se a parte autora, intimada à emendá-la, não leva a efeito tal incumbência. 2. Preclusa a matéria relacionada à necessidade de aditamento da petição inicial por força do reconhecimento da existência de litisconsórcio passivo necessário, outra alternativa não restava à impetrante, senão promover a emenda da petição inicial do mandado de segurança. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 27.720/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 21/05/2015) 

Improsperável, a meu entender, a pretensão de reforma do acórdão recorrido para extinguir o feito de execução. Em face do exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É como voto. 

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