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10 de maio de 2021

(PENHORA) - Para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível - pertencente ao executado em regime de copropriedade -, basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor, não sendo necessária a penhora do bem por inteiro

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


EXECUÇÃO (PENHORA) - Para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível - pertencente ao executado em regime de copropriedade -, basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor, não sendo necessária a penhora do bem por inteiro 

É admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.818.926/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

O que acontece com o bem penhorado? 

Se o bem penhorado for dinheiro, ele é transferido ao credor, quitando-se a obrigação. Se o bem penhorado for coisa diferente de dinheiro, ele poderá ser: 

a) adjudicado (ocorre quando a propriedade do bem penhorado é transferida para o exequente como forma de pagamento da dívida que está sendo cobrada em juízo); 

b) alienado; 

c) concedido em usufruto ao exequente. 

Expropriação 

Quando acontece uma dessas três situações acima, dizemos que houve a “expropriação”, conforme previsto no art. 825 do CPC/2015: 

Art. 825. A expropriação consiste em: I - adjudicação; II - alienação; III - apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João e Pedro, irmãos, são proprietários de um apartamento. Cada um deles tem 50% deste imóvel, ou seja, a quota-parte de cada irmão é 50%. João está sendo executado e o juiz determinou a penhora do bem. Vale ressaltar que o apartamento é um bem indivisível e que Pedro não tem nenhuma relação com essa dívida, não figurando no polo passivo da execução. 

Neste caso, o que fazer? Este bem penhorado poderá ser alienado para pagar a dívida? 

SIM. No entanto, a lei determina que o coproprietário que não tem nada a ver com a execução não poderá ser prejudicado e, por isso, após o bem ser vendido, ele receberá a sua quota-parte do imóvel em dinheiro. É o que diz o art. 843 do CPC/2015: 

Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem. 

Assim, em nosso exemplo, o apartamento será vendido e 50% do que for arrecadado (produto da alienação do bem) será entregue a Pedro. O restante servirá para pagar a dívida. 

 (Juiz TJ/AC 2019 Vunesp) A execução por quantia certa fundada em título executivo extrajudicial tem como instrumento típico de coerção a realização da expropriação de bens do executado, que se inicia através da penhora, sobre a qual é correto asseverar que em se tratando de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem. (certo) 

É admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem. STJ. 3ª Turma. REsp 1.818.926/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Vale ressaltar que o CPC garante ao coproprietário o direito de preferência na arrematação do bem, caso não queira perder sua propriedade mediante a compensação financeira: 

Art. 843 (...) § 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições. 

Se o coproprietário não quiser exercer esse direito de preferência, mesmo assim seu patrimônio permanecerá hígido considerando que terá direito à sua quota-parte com base no valor da avaliação do imóvel. Isso porque o § 2º do art. 843 afirma que se o bem penhorado tiver um coproprietário que é alheio à dívida que está sendo executada, este bem só poderá ser vendido por um preço que dê para pagar pelo menos a quota-parte deste coproprietário: 

Art. 843 (...) § 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação. 

Desse modo, “o coproprietário não devedor e o cônjuge ou companheiro não devedor nem responsável patrimonial secundário têm direito a receber sua cota-parte tomando por base o valor da avaliação do bem, e não o valor da expropriação. E, caso a expropriação não atinja sequer o valor que deve ser entregue a esses sujeitos, não deverá ser realizada.” (NEVES, Daniel Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1146). 

O cônjuge ou coproprietário precisa ingressar com embargos de terceiro na execução para garantir os direitos acima explicados? 

NÃO. A lei já lhes confere proteção automática, tanto pela preferência na arrematação do bem, como pela preservação integral do seu patrimônio, se convertido em dinheiro. É suficiente que o coproprietário, seja ele cônjuge ou não, seja oportunamente intimado da penhora e da alienação judicial, na forma dos arts. 799, 842 e 889 do Código, a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação no processo, em respeito aos postulados do devido processo legal e do contraditório. 

Penhora não pode avançar sobre o quinhão do coproprietário 

Vale ressaltar que já na fase de penhora, deverá ficar bem delimitado que a constrição recai apenas sobre a quota-parte do devedor. A penhora não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuaisresponsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados. Assim, mesmo em se tratando de bem indivisível, a penhora deve ficar restrita à quota-parte pertencente ao devedor, pois somente esta está afetada à execução e, uma vez liquidada, é que se destinará ao pagamento do credor.

 




8 de maio de 2021

EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE ARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE. BEM ALIENÁVEL. AQUISIÇÃO REGULAMENTADA PELA LEI 10.826/2003. HIPÓTESE NÃO INCLUÍDA NO ROL DE BENS IMPENHORÁVEIS DO ART. 833 DO CPC/2015. ALIENAÇÃO EM HASTA PÚBLICA. OBSERVÂNCIA DAS MESMAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS PARA A COMERCIALIZAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.866.148 - RS (2020/0059032-1) 

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN 

EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE ARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE. BEM ALIENÁVEL. AQUISIÇÃO REGULAMENTADA PELA LEI 10.826/2003. HIPÓTESE NÃO INCLUÍDA NO ROL DE BENS IMPENHORÁVEIS DO ART. 833 DO CPC/2015. ALIENAÇÃO EM HASTA PÚBLICA. OBSERVÂNCIA DAS MESMAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS PARA A COMERCIALIZAÇÃO. 

1. Em Execução Fiscal promovida pela Anatel, o Tribunal de origem decidiu que a "aquisição de arma de fogo, pelo interessado, deve atender aos requisitos do art. 4º da Lei 10.826/03, o que inviabiliza a penhora e a respectiva alienação por iniciativa particular ou por leilão judicial eletrônico ou presencial". 

2. Entre as excepcionais hipóteses de impenhorabilidade descritas no art. 833 do CPC/2015 não se inclui a arma de fogo. O inciso I da norma estabelece de forma geral que são impenhoráveis os bens inalienáveis, mas esse não é o caso das armas e munições, cuja comercialização e aquisição são regulamentadas, com diversas restrições, pela Lei 10.826/2003. 

3. A alienação judicial de armas de fogo em procedimentos executivos é prevista pela Portaria 036-DMB, de 9.12.1999, do Ministério da Defesa, que, em seu art. 48, parágrafo único, estabelece: "A participação em leilões de armas e munições só será permitida às pessoas físicas ou jurídicas, que preencherem os requisitos legais vigentes para arrematarem tais produtos controlados." 

4. Não se incluindo nas excepcionais hipóteses legais de impenhorabilidade, a arma de fogo pode ser penhorada e expropriada, desde que assegurada pelo Juízo da execução a observância das mesmas restrições impostas pela legislação de regência para a sua comercialização e aquisição. 

5. Recurso Especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator." 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto contra acórdão assim ementado: 

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE ARMA DE FOGO. IMPOSSIBILIDADE. A aquisição de arma de fogo deve atender aos requisitos do art. 4º da Lei 10.825/03, o que inviabiliza a penhora e a respectiva alienação por iniciativa particular ou por leilão judicial eletrônico ou presencial. 

Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 59-62, e-STJ). 

Alega-se no Recurso Especial ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, aos arts. 7º, 11 e 797 da Lei 6.830/1980, aos arts. 833, 835 e 824 do CPC/2015 e ao art. 4º da Lei 10. 826/2003. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos no Gabinete em 24 de março de 2020. 

O Tribunal de origem entendeu que a "aquisição de arma de fogo, pelo interessado, deve atender aos requisitos do art. 4º da Lei 10.826/03, o que inviabiliza a penhora e a respectiva alienação por iniciativa particular ou por leilão judicial eletrônico ou presencial". 

Entre as hipóteses de impenhorabilidade descritas no art. 833 do CPC/2015 não se inclui a arma de fogo. Como anota a doutrina, "a regra é a da penhorabilidade, e as exceções têm de ser expressas” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo Civil Brasileiro. 29 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 238). 

O inciso I do art. 833 do CPC/2015 estabelece de forma geral que são impenhoráveis os bens inalienáveis, mas esse não é o caso das armas de fogo, cuja comercialização e aquisição são regulamentadas nos seguintes preceitos da Lei 10.826/2003: 

Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;(Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. § 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização. § 2o A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 3o A empresa que comercializar arma de fogo em território nacional é obrigada a comunicar a venda à autoridade competente, como também a manter banco de dados com todas as características da arma e cópia dos documentos previstos neste artigo. § 4o A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições responde legalmente por essas mercadorias, ficando registradas como de sua propriedade enquanto não forem § 5o A comercialização de armas de fogo, acessórios e munições entre pessoas físicas somente será efetivada mediante autorização do Sinarm. § 6o A expedição da autorização a que se refere o § 1o será concedida, ou recusada com a devida fundamentação, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar da data do requerimento do interessado. § 7o O registro precário a que se refere o § 4o prescinde do cumprimento dos requisitos dos incisos I, II e III deste artigo. § 8o Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de fogo de uso permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas características daquela a ser adquirida. 

Quanto à alienação judicial em procedimentos executivos, a Portaria 036-DMB, de 9.12.1999, do Ministério da Defesa, dispõe: 

Art. 48. É permitido o leilão de armas e munições, nas seguintes situações: I - quando determinado por autoridade judicial; e, II - nas alienações promovidas pelas Forças Armadas e Auxiliares. Parágrafo único. A participação em leilões de armas e munições só será permitida às pessoas físicas ou jurídicas, que preencherem os requisitos legais vigentes para arrematarem tais produtos controlados. 

Não se incluindo nas excepcionais hipóteses legais de impenhorabilidade, a arma de fogo pode ser expropriada, desde que asseguradas pelo Juízo da execução a observância das mesmas restrições impostas pela legislação de regência à sua aquisição. 

Ante o exposto, dou provimento ao Recurso Especial. 

É como voto. 

1 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: Penhora - Humberto Theodoro Júnior

 “a penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao credor” 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. II, 48ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 440. 

REsp 1.818.926 - DF: Penhora

 24. O ato da penhora, efetivamente, importa individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor (arts. 838 e 839 do CPC/15), e, uma vez aperfeiçoado, acarreta a indisponibilidade sobre os bens afetados à execução. Trata-se, à toda evidência, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor. 

28 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Penhora no rosto dos autos - Fernando da Fonseca Gajardoni

a penhora no rosto dos autos consiste apenas numa averbação tendente a resguardar o direito de terceiro, o qual, por meio dela, fica autorizado a promover, em momento futuro e oportunamente, a efetiva constrição dos valores ou bens que caibam ao credor por ele executado, até o limite do que lhe é devido 

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. Vol. 3. 2ª ed. São Paulo: Método, 2018. p. 320-321. 

24 de abril de 2021

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE DIREITO LITIGIOSO NO ROSTO DOS AUTOS. ATO DE AVERBAÇÃO. PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM. POSSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.678.224 - SP (2016/0327010-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚM. 282/STF. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE DIREITO LITIGIOSO NO ROSTO DOS AUTOS. ATO DE AVERBAÇÃO. PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM. POSSIBILIDADE. CONFIDENCIALIDADE. PRESERVAÇÃO. ORDEM DE PREFERÊNCIA DA PENHORA. EXCESSIVA ONEROSIDADE NÃO DEMONSTRADA. JULGAMENTO: CPC/15. 

1. Ação de execução de título extrajudicial, ajuizada em 06/05/2014, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 18/05/2016 e concluso ao gabinete em 09/01/2017. 

2. O propósito recursal é decidir sobre a penhora no rosto dos autos de procedimento de arbitragem para garantir o pagamento de cédulas de crédito bancário objeto de execução de título extrajudicial. 

3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 282/STF. 

4. O direito litigioso, sobre o qual incide a regra do art. 674 do CPC/73, trata-se de direito futuro e eventual, porque subordinado à confirmação por decisão judicial transitada em julgado, sujeitando-se o terceiro, nele interessado, à sorte e aos azares do litígio para garantir o seu crédito por meio da penhora no rosto dos autos. 

5. Na prática, a penhora no rosto dos autos consiste apenas numa averbação, cuja finalidade é atingida no exato momento em que o devedor do executado toma ciência de que o pagamento – ou parte dele – deverá, quando realizado, ser dirigido ao credor deste, sob pena de responder pela dívida, nos termos do art. 312 do CC/02. 

6. A prévia formação do título executivo judicial não é requisito para que se realize a penhora no rosto dos autos, bastando, para tanto, que o devedor, executado nos autos em que se requer a medida, tenha, ao menos, a expectativa de receber algum bem economicamente apreciável nos autos em cujo “rosto” se pretende seja anotada a penhora requerida. 

7. A recente alteração trazida pela Lei 13.129/15 à Lei 9.307/96, a despeito de evidenciar o fortalecimento da arbitragem, não investiu o árbitro do poder coercitivo direto, de modo que, diferentemente do juiz, não pode impor, contra a vontade do devedor, restrições ao seu patrimônio. 

8. O deferimento da penhora do direito litigioso no rosto dos autos não implica propriamente a individualização, tampouco a apreensão efetiva e o depósito de bens à ordem judicial, mas a mera afetação à futura expropriação, além de criar sobre eles a preferência para o respectivo exequente. 

9. Respeitadas as peculiaridades de cada jurisdição, é possível aplicar a regra do art. 674 do CPC/73 (art. 860 do CPC/15), ao procedimento de arbitragem, a fim de permitir que o juiz oficie o árbitro para que este faça constar em sua decisão final, acaso favorável ao executado, a existência da ordem judicial de expropriação, ordem essa, por sua vez, que só será efetivada ao tempo e modo do cumprimento da sentença arbitral, no âmbito do qual deverá ser também resolvido eventual concurso especial de credores, nos termos do art. 613 do CPC/73 (parágrafo único do art. 797 do CPC/15). 

10. Dentre as mencionadas peculiaridades, está a preservação da confidencialidade estipulada na arbitragem, à que alude a recorrente e da qual não descurou a Lei 9.307/96, ao prever, no parágrafo único do art. 22-C, que o juízo estatal observará, nessas circunstâncias, o segredo de justiça. 

11. A ordem preferencial da penhora, prevista no art. 655 do CPC/73, somente poderá ser imposta ao credor em circunstâncias excepcionalíssimas, em que sua observância acarrete ofensa à dignidade da pessoa humana ou ao paradigma da boa-fé objetiva. 

12. Hipótese em que se verifica que o devedor não demonstrou, concretamente, que a penhora no rosto dos autos do crédito que eventualmente venha a lhe caber no procedimento de arbitragem se mostra excessivamente gravosa, tampouco que a medida se mostra ofensiva à sua dignidade ou ao paradigma da boa-fé objetiva, de modo a caracterizar ofensa aos arts. 620 e 655 do CPC/73. 

13. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 07 de maio de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR): Cuida-se de recurso especial interposto por CENTRAIS ELÉTRICAS BELÉM S/A, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: de execução de título extrajudicial, ajuizada por PRECE - PREVIDENCIA COMPLEMENTAR em face de CENTRAIS ELÉTRICAS BELÉM S/A - CEBEL, fundada em 63 cédulas de crédito bancário emitidas por esta, que totalizam a quantia de R$ 247.028.291,83 (duzentos e quarenta e sete milhões, vinte e oito mil, duzentos e noventa e um reais e oitenta e três centavos), e cuja exigibilidade foi reconhecida por sentença arbitral. 

Decisão: o Juízo de primeiro grau decretou a penhora de direitos, bens e valores, atuais ou futuros, até o valor da dívida, devidos ou pertencentes à CEBEL, em função do procedimento arbitral n. 38/2009 do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá ("CCBC"). 

Acórdão: o TJ/SP, no julgamento do agravo interno, manteve a decisão monocrática que havia negado provimento ao agravo de instrumento interposto pela CEBEL. Eis a ementa do acórdão:

Agravo regimental contra a decisão monocrática que manteve a ordem de primeiro grau referente à penhora no rosto dos autos de feito arbitral. Reiteração dos argumentos expostos na minuta do agravo de instrumento. Constrição que não encontra óbice legal e que facilita ao credor o recebimento do seu crédito (artigo 612 do CPC). Penhora sobre os direitos reclamados em feito arbitral prevista nos artigos 655, inciso X, e 674, ambos do CPC. Substituição por bens imóveis requerida que se submete ao crivo do exequente. Ausência de prova de que a remessa de peças do feito arbitral causará lesão grave ou de difícil reparação ao agravante. Ordem sem conteúdo decisório, estranha ao comando do artigo 522, caput, do CPC. Decisão monocrática mantida. Agravo regimental improvido. 

Recurso especial: aponta violação do art. 1º da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) e dos arts. 613, 674, 620 e 655, todos do CPC/73. 

Sustenta que "a circunstância de que a sentença arbitral é título executivo judicial não importa na possibilidade de que haja penhora no rosto dos autos de processo arbitral", embora reconheça a possibilidade de "penhora no rosto dos autos de eventual cumprimento de sentença arbitral" (fl. 1.727, e-STJ). 

Afirma que "a penhora no rosto dos autos só é cabível 'quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo'" e que "a decisão autorizou a penhora em rosto de autos de arbitragem, que não se confunde com processo judicial, que tramita 'em juízo'" (fl. 1.728, e-STJ). 

Defende que "os atos posteriores e decorrentes dessa penhora não poderão ser pleiteados por quem não é parte da convenção arbitral" (fl. 1.729, e-STJ), considerando que a arbitragem tem natureza contratual e vincula apenas os que manifestaram essa vontade. 

Assevera que "a penhora no rosto dos autos de arbitragem impossibilitaria o concurso de credores" (fl. 1.729, e-STJ), além de ofender o princípio da menor onerosidade da execução, tendo em vista a existência de outros bens penhoráveis para satisfazer a dívida. 

Aduz que "a penhora sobre os direitos advindos da arbitragem não encontra previsão expressa no CPC/73 (...), de modo que só pode ser inserida na hipótese dos 'outros direitos' (inciso XI)", a qual alega ser "a última opção dada na ordem de preferência" (fl. 1.7031, e-STJ). 

Ressalta que "a título de garantias reais foi concedida alienação fiduciária de 4 fazendas e de todos os bens, máquinas e equipamentos adquiridos com os recursos do projeto", os quais devem ser penhorados antes de qualquer outro bem porque "(i) a Recorrida aceitou a garantia prestada quando recebeu as CCBs objeto da execução por endosso e (ii) imóveis são preferíveis na ordem de penhora do art. 655 do CPC/73" (fl. 1.732, e-STJ). 

Por fim, declara que "o v. acórdão recorrido desconsiderou que é fato incontroverso – pois não negado pela outra parte – que a arbitragem de origem é confidencial, o que impediria a remessa das cópias" (fl. 1.733, e-STJ). 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/SP inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.031.598/SP, provido para determinar a conversão em especial (fl. 1.821, e-STJ). 

É o relatório. 


VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR): 

O propósito recursal é decidir sobre a penhora no rosto dos autos de procedimento de arbitragem para garantir o pagamento de cédulas de crédito bancário objeto de execução de título extrajudicial. 

1. DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO 

O TJ/SP não decidiu, sequer implicitamente, acerca do art. 613 do CPC/73, indicado como violado, tampouco se manifestou sobre os argumentos deduzidos nas razões recursais acerca do referido dispositivo legal. Por isso, o julgamento do recurso especial, quanto a essa questão, é inadmissível por incidência da Súm. 282/STF. 

2. DA POSSIBILIDADE DE PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DE PROCEDIMENTO DE ARBITRAGEM 

A penhora no rosto dos autos prevista no art. 674 do CPC/73 – correspondente à penhora nos autos do art. 860 do CPC/15 – recai sobre direito litigioso, ou seja, direito que ainda é pleiteado em juízo. 

Trata-se o direito litigioso, portanto, de direito futuro e eventual, porque subordinado à confirmação por decisão judicial transitada em julgado, sujeitando-se o terceiro, nele interessado, “à sorte e aos azares do litígio”, como bem definiu Araken de Assis (Manual da execução. 16ª ed. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2013. p. 767), para garantir o seu crédito por meio da penhora no rosto dos autos. 

Ainda sobre o tema, calha, por oportuna, a lição de Cândido Rangel Dinamarco: 

Penhora no rosto dos autos é penhora de bens que poderão ser atribuídos ao executado em algum processo no qual ele figure como demandante ou no qual tenha a expectativa de receber algum bem economicamente apreciável. (...) O Código alude a esse modo de penhorar, quando cuida de créditos e de “outros direitos patrimoniais” penhorados ao devedor em processo no qual ele figura como executado, figurando essa mesma pessoa também, por sua vez, como autor ou exequente em outro processo; nesse caso, o possível direito do executado ficará sob constrição naquele primeiro processo e ali será adjudicado pelo exequente ou alienado em hasta pública (arts. 674 a 676). (Instituições de Direito Processual Civil. Vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 530) 

Como se pode deduzir do texto da lei e da sua interpretação pela doutrina, a prévia formação do título executivo judicial não é requisito para que se realize a penhora no rosto dos autos, bastando, para tanto, que o devedor, executado nos autos em que se requer a medida, tenha, ao menos, a expectativa de receber algum bem economicamente apreciável nos autos em cujo “rosto” se pretende seja anotada a penhora requerida. 

Na prática, como explicam Fernando da Fonseca Gajardoni e outros, a penhora no rosto dos autos consiste apenas numa averbação tendente a resguardar o direito de terceiro, o qual, por meio dela, fica autorizado a promover, em momento futuro e oportunamente, a efetiva constrição dos valores ou bens que caibam ao credor por ele executado, até o limite do que lhe é devido (Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. Vol. 3. 2ª ed. São Paulo: Método, 2018. p. 320-321). 

Na verdade, a finalidade do ato é atingida no exato momento em que o devedor do executado toma ciência de que o pagamento – ou parte dele – deverá, quando realizado, ser dirigido ao credor deste, por força da penhora no rosto dos autos, sob pena de responder pela dívida, nos termos do art. 312 do CC/02. 

Assim, ao contrário do que sustenta o recorrente, não é condição para a penhora no rosto dos autos que a medida só possa ser requerida quando já instaurada a fase de cumprimento de sentença, razão pela qual o fato de o procedimento de arbitragem estar “em curso”, por si só, não prejudica a pretensão da recorrida. 

No que tange ao alegado “caráter contratual” e à “limitação de jurisdição” mencionados pelo recorrente (fl. 1.728, e-STJ), a jurisprudência do STJ orienta que é jurisdicional a atividade desenvolvida na arbitragem, assim como a estatal, e admite a convivência harmônica das duas jurisdições, desde que respeitadas as competências correspondentes, que ostentam natureza absoluta. 

Partindo dessas premissas, a Terceira Turma, há muito, decidiu que “o Tribunal Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium” (REsp 1.297.974/RJ, Rel. minha relatoria, Terceira Turma, julgado em 12/06/2012, DJe de 19/06/2012). 

Esse entendimento, inclusive, foi corroborado pelo legislador, com a edição da Lei 13.129/15, que incluiu o capítulo IV-A (Das tutelas cautelares e de urgência) à Lei 9.307/96. 

Essa mesma Lei 13.129/15, aliás, também revogou o § 4º do art. 22 da Lei 9.307/96 – o qual previa que, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderiam solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa – e, em contrapartida, incluiu o art. 22-C para criar a carta arbitral – instrumento expedido pelo árbitro ou tribunal arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato por meio dela solicitado. 

Convém trazer à baila, a propósito, este trecho do adendo ao Parecer nº 1.545 de 2013, exarado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, ao aprovar o Projeto de Lei do Senado que deu origem à Lei 13.129/15: 

A Emenda nº 5, também do Senador Pedro taques, por sua vez, propõe a supressão do art. 5º do PLS para evitar a revogação do § 4º do art. 22 e do art. 25 da Lei nº 9.307, de 1996. Quanto ao § 4º do art. 22, argumenta o autor da emenda que o árbitro não tem poder de imperium, de modo que a concessão de medidas cautelares de urgência estaria reservada ao Poder Judiciário. Em relação ao art. 25, alega que, quando a controvérsia envolve direitos indisponíveis, somente o Poder Judiciário seria competente para decidir questão pertinente a direitos dessa natureza. Nosso parecer é pela rejeição da Emenda, pois, as colocações do Senador Pedro Taques seriam procedentes se o projeto não tivesse previsto regras novas para o processamento das medidas cautelares e urgentes, bem como o instituto da Carta Arbitral, consoante dispõem os arts. 22-A a 22-C. Nos termos do projeto, o § 4º do art. 22 torna-se desnecessário, pois está inserido num artigo cujo caput trata da produção de provas, e sendo criados dispositivos próprios tratando das cautelares e medidas urgentes, a interpretação futura será de que referido § 4º só se aplicará às medidas cautelares e coercitivas relacionadas à produção de prova. (informação extraída de https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4412874&ts=15532 77406492&disposition=inline, consultada em 10/04/2019 – sem grifos no original) 

Com efeito, a recente alteração legislativa, a despeito de evidenciar o fortalecimento da arbitragem, não investiu o árbitro do poder coercitivo direto, de modo que, diferentemente do juiz, não pode impor, contra a vontade do devedor, restrições ao seu patrimônio. Esse, por sinal, é o entendimento que há tempo vigora no âmbito desta Turma (REsp 944.917/SP, minha relatoria, Terceira Turma, julgado em 18/09/2008, DJe de 03/10/2008). 

Sucede, no entanto, que a hipótese dos autos traz a particularidade de que o deferimento da medida não implica propriamente a individualização, tampouco a “apreensão efetiva e em depósito dos bens à ordem judicial”, em que importa sempre a penhora, segundo a lição de Humberto Theodoro Júnior (Processo de execução e cumprimento da sentença. 25ª ed. São Paulo: Editora Universitária de Direito, 2008. p. 244), mas a mera afetação do direito litigioso, a fim de sujeitar à futura expropriação os bens que eventualmente venham a ser atribuídos, na arbitragem, ao executado, além de criar sobre eles a preferência para o respectivo exequente. 

Nesse contexto, respeitadas as peculiaridades de cada jurisdição, é possível aplicar a regra do art. 674 do CPC/73 (art. 860 do CPC/15) ao procedimento de arbitragem, a fim de permitir que o juiz oficie o árbitro para que este faça constar em sua decisão final, acaso favorável ao executado, a existência da ordem judicial de expropriação, ordem essa, por sua vez, que só será efetivada ao tempo e modo do cumprimento da sentença arbitral, no âmbito do qual deverá ser também resolvido eventual concurso especial de credores, nos termos do art. 613 do CPC/73 (parágrafo único do art. 797 do CPC/15). 

Tal proposição, vale ressaltar, se justifica naquele ideal de convivência harmônica das duas jurisdições, sustentado pela necessidade de uma atuação colaborativa entre os juízos e voltado à efetiva pacificação social, com a satisfação do direito material objeto do litígio. 

Por fim, cabe salientar que, dentre as mencionadas peculiaridades, está a preservação da confidencialidade estipulada na arbitragem, à que alude a recorrente e da qual não descurou a Lei 9.307/96, ao prever, no parágrafo único do art. 22-C, que o juízo estatal observará, nessas circunstâncias, o segredo de justiça. 

3. DA ORDEM DE PREFERÊNCIA DA PENHORA 

O rol exemplificativo de bens sujeitos à penhora, expressamente previsto no art. 655 do CPC/73, tem por fundamento teleológico a fixação de uma ordem preferencial de penhora de bens, ordenando-a de acordo com a maior facilidade de se alcançar a legítima satisfação do crédito. 

Muito embora a expressão “preferencialmente” contida no texto legal denote não se tratar de um sistema legal de escolhas rígidas, a flexibilização admitida não pode redundar em afastamento do fim precípuo a que se destina a tutela executiva. 

Noutros termos, toda possível mitigação da ordem legal, destinada a acomodar a tutela do crédito com a menor onerosidade da execução para o devedor, deve manter as vistas voltadas para o interesse do credor, compatibilizando as regras dos arts. 612 e 620 do CPC/73. 

Isso porque alguma onerosidade é natural ao procedimento de garantia de uma dívida, e o art. 620 do CPC/73 destina-se apenas a decotar exageros evidentes, perpetrados em situações nas quais uma alternativa mais viável mostre-se clara. 

Assim, ao se deparar com situações concretas em que seja possível a penhora de bens diversos, deve-se optar pelo bem de maior aptidão satisfativa, salvo concordância expressa do credor. 

É dizer, a ordem preferencial somente poderá ser imposta ao credor em circunstâncias excepcionalíssimas, em que sua observância acarrete ofensa à dignidade da pessoa humana ou ao paradigma da boa-fé objetiva. 

Na hipótese dos autos, verifica-se que a recorrente não apresentou argumentos aptos a justificar uma imposição ao credor de satisfação de seu crédito por meio diverso do que foi por ele requerido; ou melhor, não demonstrou, concretamente, que a penhora no rosto dos autos do crédito que eventualmente venha a lhe caber no procedimento de arbitragem se mostra excessivamente gravosa, tampouco que a medida se mostra ofensiva à sua dignidade ou ao paradigma da boa-fé objetiva, de modo a caracterizar ofensa aos arts. 620 e 655 do CPC/73; se não, eis as razões tecidas no recurso especial: 

30. Com efeito, foram ofertadas em garantia das obrigações assumidas nas CCBs executadas garantias reais e fidejussórias. A título de garantias reais foi concedida alienação fiduciária de 4 fazendas e de todos os bens, máquinas e equipamentos adquiridos com os recursos do projeto. 31. Não há razão lógica para que não sejam penhorados os 4 imóveis dados em garantia antes de qualquer outra penhora. Isso porque (i) a Recorrida aceitou a garantia prestada quando recebeu as CCBs objeto da execução por endosso e (ii) imóveis são preferíveis na ordem de penhora do art. 655 do CPC/73. (fl. 1.732, e-STJ) 

Logo, ausente qualquer excepcionalidade que fundamente a imposição da ordem preferencial de penhora, deve-se observar o interesse legítimo da recorrida na manutenção da ordem de penhora no rosto dos autos. 

4. DA CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. BEM HIPOTECADO EM FAVOR DO EXEQUENTE. HASTA PÚBLICA. LEVANTAMENTO DOS VALORES. INSURGÊNCIA DA FAZENDA NACIONAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL COM PENHORA SOBRE O BEM ALIENADO. CRÉDITO PREFERENCIAL. RESTITUIÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

RECURSO ESPECIAL Nº 1.661.481 - SP (2016/0088638-2) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. BEM HIPOTECADO EM FAVOR DO EXEQUENTE. HASTA PÚBLICA. LEVANTAMENTO DOS VALORES. INSURGÊNCIA DA FAZENDA NACIONAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL COM PENHORA SOBRE O BEM ALIENADO. CRÉDITO PREFERENCIAL. RESTITUIÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. 

1. Execução ajuizada em 1/6/1994. Recurso especial interposto em 14/5/2014. Autos encaminhados à Relatora em 25/8/2016, redistribuídos em 18/9/2019 e novamente conclusos em 7/2/2020. 

2. O propósito recursal é definir se os valores levantados pelo recorrente devem ser restituídos ao juízo da execução em virtude da existência de crédito preferencial, cujo titular manifestou-se nos autos depois de perfectibilizada a arrematação do bem objeto da penhora. 

3. O entendimento desta Corte aponta no sentido de que, coexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar. Precedente. 

4. A postura adotada pela instituição financeira recorrente, que, mesmo ciente da existência de crédito preferencial em favor de terceiros, deixa de sinalizar tal fato ao juiz e vem aos autos requerer o levantamento do montante depositado, revela atitude contrária à boa-fé objetiva. 

5. A decisão que deferiu o pedido de levantamento do produto da arrematação em benefício do credor particular não foi antecedida da necessária intimação da Fazenda Nacional - titular de crédito preferencial perseguido em execução fiscal garantida por penhora sobre o bem arrematado. 

6. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a alegação de violação ao art. 6º da LINDB não viabiliza a interposição de recurso especial, pois os princípios contidos nesse dispositivo – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – apesar de previstos em lei ordinária, são institutos de índole marcadamente constitucional. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 10 de março de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO BAMERINDUS DO BRASIL S/A - EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. 

Ação: execução de título extrajudicial, ajuizada pelo recorrente em face de SEIVAFERTIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE FERTILIZANTES LTDA. 

Decisão: determinou ao recorrente que restituísse os valores por ele levantados, relativos à alienação judicial de um imóvel. 

Acórdão: por maioria, deu parcial provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AÇÃO DE EXECUÇÃO. ARREMATAÇÃO. ORDEM DE PAGAMENTO. PRELAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO SOBRE O DÉBITO HIPOTECÁRIO. EXEGESE DOS ARTIGOS 711 DO CPC E 186 DO CTN. DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES LEVANTADOS PELO CREDOR QUIROGRAFÁRIO, PARA SATISFAÇÃO DO DÉBITO FEDERAL, QUE SE SOBREPÕE AO SEU. PRECEDENTES DO STJ. A ordem de pagamento dos credores deve atender às disposições contidas nos artigos 711, 612 e 613 do Código de Processo Civil, em consonância com as demais previsões legais que versem sobre o direito de preferência de credores. Nota-se que, no caso de entrega de produto de arrematação de determinado bem penhorado, verificar-se- á se existe direito de preferência legal (artigo 711 do Código de Processo Civil) e, somente após, será considerado o direito de preferência que decorre da penhora (artigo 612 do Código de Processo Civil). Da análise dos fatos, verifica-se que a Fazenda Nacional realizou a constrição do imóvel, em momento anterior ao próprio ato de avaliação do bem e, assim, não há que se falar em ato jurídico perfeito, posto que o gravame sobre o bem foi realizado em momento anterior à sua arrematação devendo, pois, prevalecer a norma contida no artigo 186 do CTN, sendo de rigor a determinação da restituição dos valores levantados, até os limites da dívida tributária, cobrada nos autos da execução fiscal. Agravo parcialmente provido, com determinação. 

Recurso especial: aponta e existência de dissídio jurisprudencial e alega violação dos arts. 711 do CPC/73 e 6º, caput e § 1º, da LINDB. Defende a tese de que a manifestação tardia da Fazenda Pública quanto à preferência de seu crédito não enseja a devolução de valores já levantados, uma vez que atos jurídicos perfeitos e acabados, atingidos pela preclusão, não podem ser desfeitos. Postula, ao final, o provimento da irresignação, para que se declare "a irreversibilidade do pagamento feito" e "a preclusão da pretensão da Fazenda Nacional de se habilitar na execução aforada pelo Recorrente porquanto inviável a instalação do concurso depois de realizado o pagamento" (e-STJ fl. 237). 

Juízo de admissibilidade: o Tribunal de origem negou seguimento à irresignação, tendo sido interposto agravo da decisão denegatória, o qual foi convertido em recurso especial. 

Competência interna: após ter sido redistribuído a uma das turmas integrantes da Primeira Seção, o presente recurso especial foi novamente encaminhado à Terceira Turma, uma vez definido que a natureza da relação jurídica litigiosa é de Direito Privado (execução de título extrajudicial). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal é definir se os valores levantados pelo recorrente devem ser restituídos ao juízo da execução em virtude da existência de crédito preferencial, cujo titular manifestou-se nos autos depois de perfectibilizada a arrematação do bem objeto da penhora. 

DELINEAMENTO FÁTICO. 

1. Depreende-se dos autos que, em 17/8/1993, a recorrida ofereceu ao banco recorrente, como garantia hipotecária da obrigação contratualmente assumida perante ele, o imóvel descrito à fl. 28 (e-STJ). 

2. A avença firmada não foi adimplida, o que ensejou o ajuizamento da presente execução, protocolizada em 1/6/1994 (e-STJ fl. 22). Em seu curso, foi determinada a penhora do bem hipotecado, ato que foi levado a registro em 12/7/1996 (e-STJ fl. 34). 

3. Em 10/9/2009, contudo, foi registrada no cartório competente a penhora do mesmo bem para fins de garantia de execução fiscal ajuizada pela Fazenda Nacional (e-STJ fl. 53). 

4. Seguiu-se, então, nestes autos, à hasta pública do imóvel (em 24/2/2010), resultando no depósito judicial da quantia de R$ 34.198,56 (trinta e quatro mil cento e noventa e oito reais e cinquenta e seis centavos). 

5. Diante da ausência de oposição de embargos, determinou-se, em 6/12/2012, a expedição de carta de arrematação e de mandado de imissão na posse em favor do adquirente e, em razão de o bem alienado também ter sido penhorado como garantia da execução fiscal supramencionada, ordenou-se que fosse comunicado o juízo competente (e-STJ fl. 107). 

6. Ato contínuo, o juízo de primeiro grau deferiu o pedido do credor, ora recorrente, de levantamento do produto da arrematação. 

7. Todavia, diante da manifestação da Fazenda Nacional (e-STJ fls. 151/152), requerendo que o valor recebido fosse transferido para satisfação do crédito cobrado no executivo fiscal por ela movido, houve por bem o juiz determinar ao credor a restituição do montante levantado. 

8. Contra essa decisão insurgiu-se o recorrente, ao argumento de que a circunstância de a União ter deixado transcorrer in albis o prazo de que dispunha para instalação do concurso de credores inviabiliza a o pedido de restituição. 

9. O Tribunal a quo, ao julgar o agravo de instrumento interposto pela instituição financeira, decidiu manter a determinação de devolução da quantia, limitando-a, contudo, ao valor do crédito tributário perseguido pela Fazenda Nacional. 

DA PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, DA PRECLUSÃO E DA HIPÓTESE DOS AUTOS. 

10. Dispõe o art. 711 do CPC/73, vigente à época dos fatos sob análise e indicado como violado pelo recorrente: 

Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora. 

11. Do teor da norma, extrai-se que a preferência oriunda da natureza do crédito sobrepõe-se àquela decorrente da anterioridade da penhora. 

12. Assim, na espécie, considerando que os créditos titularizados pela Fazenda Nacional, de natureza tributária, não se sujeitam a concurso de credores e detém preferência sobre os do banco recorrente – conforme preceituam os arts. 186 e 187 do CTN –, afigura-se irrelevante para solução da controvérsia o fato de a penhora do imóvel alienado ter sido levada a registro primeiramente em benefício da instituição financeira. 

13. De fato, o entendimento desta Corte aponta no sentido de que, “[c]oexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar” (REsp 623.415/RS, Primeira Turma, DJ 25/10/2004). 

14. No particular, verifica-se da narrativa fática integrante do acórdão recorrido que, muito embora o juízo de primeiro grau tenha comunicado o juízo da execução fiscal acerca da arrematação ocorrida nestes autos, o pedido de levantamento do produto da alienação foi deferido em favor do recorrente sem que se tivesse aguardado a manifestação do ente público (e-STJ fl. 210). 

15. Quanto ao ponto, o acórdão recorrido assentou que a própria arrematante apresentou petição nos autos protestando “pelo bloqueio do levantamento daqueles valores, devido à existência da penhora registrada pela Fazenda Nacional sobre o bem adjudicado, para garantia do adimplemento de débito tributário, o qual possui preferência sobre o crédito do agravante” (e-STJ fl. 210). 

16. Também constou do aresto impugnado que o banco recorrente “tinha plena ciência da existência do gravame realizado pela União sobre o imóvel e, mesmo sabedor desse fato, manejou o pedido de liberação dos valores, sem qualquer menção ao fato” (e-STJ, fl. 213). 

17. Essa circunstância é bastante para ilustrar que a postura adotada pela instituição financeira foi de encontro ao princípio da boa-fé, revelando atitude incompatível com o padrão ético de comportamento (alicerçado na honestidade, lealdade e probidade) que se espera dos sujeitos de uma relação jurídica, pois, mesmo estando ciente da existência de crédito preferencial em favor de terceiros, deixou ela de sinalizar tal fato ao juiz quando do pedido de levantamento da quantia. 

18. Destacada essa relevante intercorrência, passe-se ao exame da alegada ineficácia da manifestação extemporânea apresentada pela União. 

19. Ao contrário do que defende o recorrente, não há de se cogitar da ocorrência de preclusão. 

20. Isso porque, de um lado, não há prazo específico estipulado em lei a estabelecer marco final para que o titular de crédito preferencial reclame participação no produto da arrematação levada a cabo em processo diverso; tampouco, na espécie em exame, houve determinação expressa do juízo estipulando limite temporal para que a Fazenda Nacional apresentasse sua manifestação. 

21. De outro lado, não há notícia nos autos de que a Fazenda Nacional tenha praticado qualquer ato que possa ser considerado incompatível com seu interesse em receber o produto da arrematação. 

22. Ao contrário, o que se constata do acórdão recorrido é que, logo depois de ter tomado ciência da excussão do bem, o ente público opôs-se de modo expresso “ao levantamento da quantia, protestando pela observação de sua preferência sobre os valores da arrematação do imóvel” (e-STJ fl. 210). 

23. Ponto importante a ser sublinhado para auxiliar a solução da controvérsia é que o juízo de primeiro grau, apesar de provocado em duas oportunidades pela adquirente do imóvel (e-STJ fls. 127/128 e fls. 136/137), sequer preocupou-se em determinar, previamente, a intimação do ente público – titular, frise-se, de crédito preferencial garantido por penhora incidente sobre o mesmo bem – acerca da alienação judicial (conforme exige o art. 698 do CPC/73), tendo ordenado, tão somente, que a arrematação fosse comunicada ao juízo onde tramita a execução fiscal. 

24. A ausência de manifestação da União em momento antecedente ao levantamento do produto da arrematação, portanto, não pode ser vista como desídia, de modo que não se afigura razoável – sobretudo diante do interesse público subjacente à persecução do crédito tributário – obstaculizar a satisfação de sua pretensão em razão de circunstância a que não deu causa. 

25. Diante desse panorama, reconhecido o equívoco cometido pelo juízo de primeiro grau ao possibilitar o levantamento dos valores sem a prévia intimação da Fazenda Pública, ao que se soma a prática de ato incompatível com a boa-fé objetiva por parte do recorrente, a restituição do produto da arrematação, nos moldes como definido pelo Tribunal a quo, é medida impositiva. 

26. Vale registrar que, embora não se trate de precedente vinculante, o STJ, por meio de sua Primeira Turma, já conferiu solução semelhante ao examinar controvérsia análoga à presente, consoante se pode observar da ementa que segue: 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ARREMATAÇÃO DE BEM PENHORADO EM EXECUÇÃO DE CÉDULA RURAL COM GARANTIA HIPOTECÁRIA E EM EXECUÇÃO FISCAL. PAGAMENTO. PRECLUSÃO. SÚMULA 7/STJ. DIREITO DE PREFERÊNCIA DO CRÉDITO ESTAMPADO NA CÉDULA RURAL. DL 413/69. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SUJEIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO A CONCURSO DE CREDORES. DESNECESSIDADE. ART. 187 DO CTN. [...] 2. O agravante (Banco do Brasil) sustenta que, em face da preclusão, não é possível reclamar direito de preferência do crédito tributário depois de realizado o levantamento dos valores pelo exequente. Entretanto, no caso dos autos, anteriormente ao levantamento dos valores oriundos da arrematação pelo Banco do Brasil, a União já havia informado a existência de créditos tributários vinculados ao mesmo bem penhorado, fato esse que motivou o juízo de primeiro grau admitir que o levantamento questionado decorreu de equívoco no processamento do feito. Frise-se que o óbice contido na Súmula 7/STJ não permite a revisão das premissas fáticas consideradas pelas instâncias ordinárias para o afastamento da preclusão invocada. [...] 4. "[a] Fazenda Pública não participa de concurso, tendo prelação no recebimento do produto da venda judicial do bem penhorado, ainda que esta alienação seja levada a efeito em autos de execução diversa" (REsp 538.656/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 03/11/2003). No mesmo sentido: REsp 1.194.742/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 31/03/2011; REsp 681.402/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 17/9/2007; REsp 617.820/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 12/09/2005. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1204972/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 06/03/2012) 

27. Por fim, no que concerne à apontada violação do art. 6º da LINDB, consigne-se que, nos termos da remansosa jurisprudência desta Corte, tal alegação não viabiliza a interposição de recurso especial, pois os princípios contidos no mencionado dispositivo – direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – apesar de previstos em lei ordinária, são institutos de índole marcadamente constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF/88). Nesse sentido: AgInt no REsp 1.754.766/BA, Terceira Turma, DJe 5/12/2019, e AgInt no AREsp 1.057.376/GO, Quarta Turma, DJe 15/4/2019. 

CONCLUSÃO Forte em tais razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

PENHORA DO IMÓVEL GERADOR DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS NO BOJO DE AÇÃO DE COBRANÇA NA QUAL A PROPRIETÁRIA DO BEM NÃO FIGUROU COMO PARTE. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.683.419 - RJ (2017/0163137-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. PENHORA DO IMÓVEL GERADOR DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS NO BOJO DE AÇÃO DE COBRANÇA NA QUAL A PROPRIETÁRIA DO BEM NÃO FIGUROU COMO PARTE. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 

1. Embargos de terceiro opostos em 28/04/2014. Recurso especial interposto em 17/05/2016 e concluso ao gabinete em 24/07/2017. Julgamento: CPC/2015. 

2. O propósito recursal consiste em definir se a proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez que tramitou apenas em face de seu ex-companheiro. 

3. A ausência de decisão do Tribunal de origem acerca da questão suscitada pela recorrente – in casu, a preclusão – impede o conhecimento do recurso especial quanto ao tema, pois não satisfeito o requisito do prequestionamento. Aplicação da Súmula 211/STJ. 

4. Segundo o reiterado entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, a obrigação de pagamento das despesas condominiais é de natureza propter rem, ou seja, é obrigação “própria da coisa”, ou, ainda, assumida “por causa da coisa”. Por isso, a pessoa do devedor se individualiza exclusivamente pela titularidade do direito real, desvinculada de qualquer manifestação da vontade do sujeito. 

5. Em havendo mais de um proprietário do imóvel, como ordinariamente ocorre entre cônjuges ou companheiros, a responsabilidade pelo adimplemento das cotas condominiais é solidária, o que, todavia, não implica a existência de litisconsórcio necessário entre os co-proprietários, podendo o condomínio demandar contra qualquer um deles ou contra todos em conjunto, conforme melhor lhe aprouver. Precedente. 

6. Hipótese dos autos em que, à época da fase de conhecimento, o imóvel encontrava-se registrado em nome dos dois companheiros, mostrando-se válido e eficaz, portanto, o acordo firmado pelo ex-companheiro da recorrente com o condomínio. 

7. Descumprido o acordo e retomada a ação, e em não sendo efetuado o pagamento do débito, é viável a penhora do imóvel gerador das despesas, ainda que, nesse novo momento processual, esteja ele registrado apenas em nome da recorrente, que não participou da fase de conhecimento. 

8. Sob o enfoque do direito material, aplica-se a regra do art. 1.345 do CC/02, segundo o qual “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multa e juros moratórios”. Por outro lado, no plano processual, a penhora do imóvel e a inclusão da proprietária no polo passivo da lide é viável ante o disposto no art. 109, § 3º, do CPC/15, no sentido de que os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias se estendem ao adquirente ou cessionário. 

9. Ademais, a solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença. 

10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido, com majoração de honorários advocatícios. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, com majoração de honorários advocatícios, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília (DF), 20 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por MARIA EVELINE LEITE DE OLIVEIRA, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. 

Ação: embargos de terceiro, opostos pela recorrente em face do CONDOMINIO DO EDIFICIO MERLIN SUL, visando à preservação de sua posse e propriedade sobre imóvel que foi penhorado nos autos da ação de cobrança de cotas condominiais, em fase de cumprimento de sentença, proposta pelo CONDOMINIO em desfavor de Orcínio Cardoso Inácio, ex-companheiro da embargante. 

Na petição inicial, a embargante alegou, em síntese que: (i) 50% do imóvel já lhe pertencia e os outros 50% lhe foram doados por seu ex-companheiro, quando fora lavrada escritura pública de dissolução de sociedade de fato e outros pactos; (ii) o acordo firmado entre Orcínio e o CONDOMÍNIO na fase de conhecimento da ação de cobrança é fraudulento, pois ambos os contratantes tinham conhecimento da partilha amigável realizada em 2005; (iii) não pode ser atingida pela sentença, pois não participou da fase de conhecimento. 

Sentença: rejeitou os embargos de terceiro, determinando o prosseguimento da execução. 

Acórdão: por maioria, deu provimento à apelação interposta pela ora recorrente, para determinar o levantamento da penhora, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 256): 

"APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. COTAS CONDOMINAIS. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA EM FACE DE UM DOS COPROPRIETÁRIOS. ACORDO FIRMADO EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO DEVIDAMENTE HOMOLOGADO PELO JUÍZO. DESCUMPRIMENTO QUE ENSEJOU O INÍCIO DA FASE EXECUTIVA. CERTIDÃO DO IMÓVEL QUE CONSTOU A TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DO IMÓVEL PARA O OUTRO COPROPRIETÁRIO, ORA EMBARGANTE, QUE NÃO PARTICIPOU DA FASE COGNITIVA. JUÍZO A QUO QUE DETERMINOU A RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO PARA FAZER CONSTAR SOMENTE A EMBARGANTE, SOB A PREMISSA DE QUE A NATUREZA DA DÍVIDA É PROPTER REM. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ELEMENTO SUBJETIVO DA COISA JULGADA. DISCUSSÃO ACERCA DA NATUREZA DO DÉBITO QUE SE REVELA DESPICIENDA. NÃO SE PODE PRETENDER EXECUTAR IMÓVEL, NO BOJO DE PROCESSO QUE NÃO CONTOU COM A PARTICIPAÇÃO DE SUA PROPRIETÁRIA. NECESSIDADE DE SE OBSERVAR A CORRELAÇÃO ENTRE OS POLOS ATIVO E PASSIVO DA DEMANDA. PRECEDENTES DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS E DETERMINAR O LEVANTAMENTO DA PENHORA DO IMÓVEL". 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram acolhidos, para a inversão dos ônus da sucumbência. 

Embargos infringentes: opostos pelo condomínio recorrido, foram acolhidos, para fazer prevalecer o voto vencido, que confirmava a sentença e desprovia o recurso de apelação. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 321/322): 

"EMBARGOS INFRINGENTES - COBRANÇAS DE COTAS CONDOMINIAIS EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - PENHORA DO IMÓVEL - EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS PELA EX-COMPANHEIRA E COPROPRIETÁRIA - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - INEXISTÊNCIA – PRECEDENTES DO STJ - ESCRITURA DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO E OUTROS PACTOS LAVRADA ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO, PORÉM NÃO REGISTRADA, NA QUAL COUBE A EMBARGADA A EXCLUSIVA TITULARIDADE DO IMÓVEL - INOPONIBILIDADE A TERCEIROS. 1. Cuida-se de embargos infringentes interpostos em face de v. acórdão que, por maioria de votos, deu provimento ao apelo da ora embargada, para reformando a sentença de 1º grau, julgar procedente o pedido contido nos embargos de terceiros por ela opostos, a fim de determinar o levantamento da constrição judicial de imóvel de sua propriedade. 2. Já decidiu o E. STJ que "os cônjuges, coproprietários de imóvel, respondem solidariamente pelas despesas de condomínio, mas esta responsabilidade não implica litisconsórcio necessário em razão da natureza pessoal da ação de cobrança de cotas condominiais (AgRg no AREsp 213.060/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 06/11/2012). 3. No caso em tela, quando do ajuizamento da ação de cobrança de cotas condominiais, constava da certidão do RGI como sendo proprietários do imóvel a ora embargada e o seu ex-companheiro. 4. Deste modo, a ação poderia ser proposta ou mesmo prosseguir em face de ambos ou de apenas um deles, por não se enquadrar a hipótese na espécie de litisconsórcio passivo necessário. 5. A alegação da embargada de que o imóvel apenas lhe pertencia, diga-se, por força de escritura de dissolução de sociedade de fato e outros pactos lavrada já no ano de 2005, isto é, antes do ajuizamento da ação de cobrança, afigura-se sem qualquer substrato legal, porquanto é regra comezinha de Direito Civil, por determinação expressa do art. 1.245 do CC, que a transferência da propriedade imobiliária somente ocorre com o registro do título aquisitivo perante o Registro de Imóveis. 6. Não seria razoável a oponibilidade a terceiro, no caso o condomínio, de pacto celebrado entre os ex-conviventes e coproprietários do imóvel, ao qual não se havia dado publicidade através do competente registro no RGI, pois o interesse prevalente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis. 7. Portanto, como bem pontuado no voto vencido, válido o acordo do Senhor Orcinio com o Condomínio, ajuste este que se não foi cumprido enseja o prosseguimento do feito, para execução do débito. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO". 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: alega violação dos arts. 506 e 507 do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial, sustentando que: (i) não é viável a inclusão da recorrente no polo passivo do cumprimento de sentença, eis que não participou da fase de conhecimento, que fora encerrada com homologação de acordo entre o condomínio recorrido e seu ex-companheiro, Orcínio; (ii) o condomínio tinha ciência de que a posse e propriedade sobre o imóvel eram exercidas exclusivamente pela recorrente porém, a despeito disso, optou por desistir da ação em relação a ela; (iii) o redirecionamento da execução contra a recorrente implica em violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, ante a ausência de oportunidade para questionar o débito exequendo; (iv) de todo modo, tal questão encontra-se preclusa, pois o condomínio não recorreu contra o acórdão do TJ/RJ que, nos autos da ação principal, excluiu a recorrente do polo passivo. 

Juízo de admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJ/RJ. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se a proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez que tramitou apenas em face de seu ex-companheiro. 

I. DA DELIMITAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL DA DEMANDA. 

1. Com vistas à melhor compreensão da controvérsia, convém pontuar brevemente os contornos fático-processuais da demanda, tais como delineados pelas instâncias ordinárias. 

2. As cotas condominiais que pleiteia o CONDOMINIO DO EDIFICIO MERLIN SUL venceram entre dezembro de 2006 e outubro de 2008, período em que o imóvel gerador das despesas encontrava-se registrado em nome da recorrente, MARIA EVELINE, e de seu ex-companheiro, ORCINIO, na proporção de 50% para cada um, em que pese a existência de escritura pública de partilha de bens lavrada em dezembro de 2005 – e à época não registrada –, atribuindo à MARIA EVELINE a integralidade da propriedade do imóvel. 

3. Embora inicialmente tenha o CONDOMÍNIO proposto a ação de cobrança apenas em face da recorrente, o juízo a quo determinou a inclusão de ORCINIO no polo passivo da demanda, ante a informação contida no registro imobiliário. Subsequentemente, houve a assinatura de acordo de pagamento entre o CONDOMÍNIO e ORCINIO, com a desistência da ação em relação à recorrente MARIA EVELINE, em especial porque restou infrutífera a tentativa de sua citação. 

4. Após, devido ao descumprimento do acordo firmado, o CONDOMÍNIO deflagrou o cumprimento de sentença e, não efetuado o pagamento da dívida por ORCINIO, foi determinada a penhora do imóvel. Ocorre que, nesse momento, já constava na matrícula do imóvel o registro da escritura pública de partilha de bens entre ORCINIO e MARIA EVELINE, razão pela qual o juízo determinou a retificação do polo passivo da demanda, a fim de fazer constar apenas a recorrente MARIA EVELINE, efetuando-se a penhora que é discutida nos presentes embargos de terceiro. 

II. DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 

5. A recorrente alega que a questão relativa ao redirecionamento da execução em seu desfavor encontra-se preclusa, haja vista que o CONDOMÍNIO não apresentou recurso contra o acórdão do TJ/RJ que, nos autos do processo executivo, determinou sua exclusão do polo passivo. 

6. No entanto, da análise do presente processo, verifica-se que o Tribunal de origem não se manifestou quanto à alegação de preclusão, circunstância que impossibilita o exame da matéria por esta Corte, porquanto não satisfeito o requisito do prequestionamento. 

7. Tem aplicação na hipótese, destarte, o óbice da Súmula 211/STJ. 

III. DA NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS. 

8. Segundo o reiterado entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, respaldado em abalizada doutrina, a obrigação de pagamento das despesas condominiais é de natureza propter rem, ou seja, é obrigação “própria da coisa”, ou, melhor ainda, assumida “por causa da coisa”. 

9. Outrora, muito se discutiu se as obrigações ditas propter rem estariam contidas no universo dos direitos reais, ou se, por outro lado, seriam afetas ao universo dos direitos obrigacionais. Referida diferenciação, ao fim e ao cabo, restou suplantada pela constatação de que “a obrigação propter rem se encontra no terreno fronteiriço entre os direitos reais e os pessoais” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral: das Obrigações, 9ª ed., Saraiva, vol. II, p. 108); que se formam numa situação de imbricação entre os direitos reais e obrigacionais, assimilando características de ambos (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais, 14ª ed., JusPodivm, 2018, p. 56). 

10. SERPA LOPES, se aprofundando no estudo dessa espécie de obrigação, concluiu que ela se caracteriza por decorrer da titularidade de um direito real, impondo a satisfação de determinada prestação relativa à coisa. Assim, as obrigações propter rem “recaem sobre uma pessoa por força de um determinado direito real, com o qual se encontram numa vinculação tão estreita, que o seguem a título de acessórios, inseparáveis” (Curso de Direito Civil, Obrigações em Geral, 2ª ed, Freitas Bastos, vol. II, p. 66). 

11. Em outros termos, caracteriza-se a obrigação propter rem pela particularidade de a pessoa do devedor se individualizar única e exclusivamente pela titularidade do direito real, desvinculada de qualquer manifestação da vontade do sujeito. 

12. Por isso é que, em havendo transferência da titularidade, a obrigação é igualmente transmitida. 

13. Diz-se, então, que a obrigação propter rem é dotada de ambulatoriedade, ou, ainda, que se trata, ela mesma, de obrigação ambulatória. Assim, independentemente da vontade dos envolvidos, a obrigação de satisfazer determinadas prestações acompanha a coisa em todas as suas mutações subjetivas. 

14. Essa característica inerente às obrigações propter rem é bem pontuada por Antônio Junqueira de AZEVEDO, segundo o qual, “justamente no fato de que, nelas, o devedor somente é determinado pela sua condição de titular da propriedade; mudando a coisa de dono, muda a obrigação de devedor. Por isso, também se chamam obrigações ambulatórias; ambulant cum domino ou, como seria possível dizer, ambulant cum dominio” (Restrições Convencionais de Loteamento – Obrigações propter rem e suas Condições de Persistência. Revista dos Tribunais, nº 741, 1997, p. 116). 

15. Especificamente no que concerne à obrigação dos condôminos de contribuir para a conservação da coisa comum, o caráter da ambulatoriedade é extraído do art. 1.345 do Código Civil de 2002, segundo o qual “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multa e juros moratórios”. 

16. Conforme se depreende desse dispositivo legal, a transmissão da obrigação ocorre automaticamente, isto é, ainda que não seja essa a intenção do alienante e mesmo que o adquirente não queira assumi-la. Com efeito, “a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais acompanha a pessoa do adquirente, que não pode eximir-se com alegação de que os encargos foram gerados anteriormente à aquisição do imóvel” (LOPES, João Batista. Condomínio, 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 98). 

17. O sentido dessa norma é intuitivo: fazer prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo que o condomínio receba, a despeito da transferência de titularidade do direito real sobre o imóvel, as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum, impondo ao adquirente, para tanto, a responsabilidade, inclusive pelas cotas condominiais vencidas em período anterior à aquisição. 

18. Deveras, a disposição do art. 1.345 do CC/02 é indispensável para a própria subsistência do condomínio, “cuja saúde financeira não pode ficar à mercê das mudanças na titularidade dominial” (LOPES, op. cit.). 

19. Mais do que isso, conforme salientou a 4ª Turma por ocasião do julgamento do REsp 1.473.484/RS (DJe 23/08/2018), essa previsão legal intensifica a prevalência da "solidariedade condominial", a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio condomínio, impedindo a ruptura da sua estabilidade econômico-financeira, que prejudicaria a todos os comunheiros. 

IV. DA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS COTAS CONDOMINIAIS. 

20. Por se tratar de obrigação de natureza propter rem, ou seja, decorrente da titularidade de um direito real sobre a coisa, a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais recai, por excelência, sobre o proprietário da unidade imobiliária, podendo ainda se estender a outros sujeitos que tenham relação jurídica material com o imóvel e que sobre ele exerçam algum dos aspectos da propriedade, a exemplo de promissórios compradores, locatários, arrendatários, dentre outros. 

21. Outrossim, em havendo mais de um proprietário do imóvel, como ordinariamente ocorre entre cônjuges ou companheiros, a responsabilidade pelo adimplemento das cotas condominiais é considerada solidária. Essa responsabilidade solidária, contudo, não implica a existência de litisconsórcio necessário entre os co-proprietários, podendo o condomínio, portanto, demandar contra qualquer um deles ou contra todos em conjunto, conforme melhor lhe aprouver. 

22. Nesse sentido se firmou a jurisprudência desta Corte, consoante se observa do seguinte precedente: 

“AÇÃO RESCISÓRIA. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMA JURÍDICA. ARTS. 966, V E VIII, DO CPC/2015. AÇÃO DE COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS. EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS PELA COMPANHEIRA E MEEIRA. REGULAR INTIMAÇÃO DA PENHORA. FATO EXISTENTE. ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, IV, DA LEI 8.009/90. OBRIGAÇÕES "PROPTER REM". LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. DÍVIDA SOLIDÁRIA. DECISÃO RESCINDENDA EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESCISÃO DO JULGADO. PEDIDO RESCISÓRIO PROCEDENTE. 1. Pedido desconstitutivo de decisão desta Corte que, reformando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial, reconhecendo como "bem de família a parte da meeira objeto de constrição e, por conseguinte, a impenhorabilidade do imóvel em sua totalidade". [...] 6. "Com relação à legitimidade passiva, observa-se que, em se tratando de obrigação 'propter rem', o pagamento de taxas condominiais deve ser exigido de quem consta na matrícula do imóvel como seu proprietário" (AgRg no REsp 1510419/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 19/12/2016). 7. "Os cônjuges, co-proprietários de imóvel, respondem solidariamente pelas despesas de condomínio, mas esta responsabilidade não implica litisconsórcio necessário em razão da natureza pessoal da ação de cobrança de cotas condominiais" (AgRg no AREsp 213.060/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 06/11/2012). 8. DEMANDA RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE PARA, EM JUÍZO RESCINDENDO, DESCONSTITUIR A DECISÃO PROFERIDA NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 490.442/SP E, EM JUÍZO RESCISÓRIO, CONHECER DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (AR 5.931/SP, 2ª Seção, DJe 21/06/2018) 

V. DA RESPONSABILIDADE DA RECORRENTE QUANTO À DÍVIDA CONDOMINIAL SUB JUDICE. 

23. À luz das diretrizes anteriormente fixadas, verifica-se que, na hipótese dos autos, a responsabilidade da recorrente pelo pagamento da dívida condominial sub judice é inafastável. 

24. Ab initio, é de se ressaltar que a própria recorrente confessa que exerce a posse exclusiva do imóvel desde 2005, ou seja, antes mesmo do período em que se venceram as cotas condominiais pleiteadas, sendo, portanto, quem primariamente se beneficiou dos serviços de conservação da coisa. Dessa maneira, ainda que a fase de conhecimento da ação de cobrança tenha tramitado apenas em face de seu ex-companheiro ORCINIO – em razão da titularidade que à época constava no registro imobiliário –, não se pode perder de vista que a recorrente, de fato, é a devedora principal da dívida. 

25. Por outro lado, sob um enfoque formal, é certo que, apesar do acordo firmado entre ORCÍNIO e o CONDOMÍNIO, houve modificação da titularidade do domínio no curso do processo, passando a recorrente a deter 100% da propriedade do imóvel. 

26. Dessa maneira, ante a aquisição da titularidade plena da unidade condominial – o que se dá, frise-se, apenas com o ato do registro, na forma do art. 1.245 do CC/02 –, deve recair sobre a recorrente a responsabilidade pelo pagamento dos débitos sobre o imóvel, mesmo aqueles em nome do “alienante”. 

27. A propósito, convém pontuar que não há qualquer irregularidade no acordo firmado pelo CONDOMÍNIO, eis que, à época da fase de conhecimento, ORCINIO, na qualidade de proprietário de 50% do imóvel, tinha legitimidade passiva para a lide e podia transacionar sem qualquer restrição. 

28. Nesse passo, uma vez descumprido o acordo validamente firmado, mostra-se correta a retomada da ação em face de ORCÍNIO. E, ausente o pagamento voluntário do débito, a penhora do imóvel gerador das despesas é inexorável, ainda que conste, nesse novo momento processual, registro em nome de terceiro. 

29. Aliás, no que concerne à argumentação deduzida pela recorrente acerca dos limites da coisa julgada, impõe salientar que, realmente, nos termos do art. 506 do CPC/15, os efeitos da coisa julgada, como regra, apenas se operam inter partes, não beneficiando nem prejudicando estranhos à relação processual em que se formou. 

30. No entanto, essa regra não é absoluta e comporta exceções. Em determinadas hipóteses, a coisa julgada pode atingir, além das partes, terceiros que não participaram de sua formação. 

31. É o que ocorre, deveras, na hipótese de alienação da coisa ou do direito litigioso. 

32. A respeito, o art. 109, § 3º, do CPC/15 dispõe expressamente que “estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário”. 

33. Trata-se de previsão legal que, verdadeiramente, faz irradiar a terceiros os efeitos da coisa julgada, em virtude da modificação da situação jurídica da coisa ou bem litigioso. 

34. Em certa medida, essa disposição legal reflete a visão da moderna processualística brasileira no sentido de que a alteração da situação das partes no plano do direito material tem inegável influência sobre o processo, que não pode ser desconsiderada, sob pena de se esvaziar de eficácia a própria tutela jurisdicional. 

35. Nessa toada, na hipótese em julgamento, a conclusão que se alcança é que, sendo a recorrente responsável pelo pagamento das despesas condominiais pela aquisição da plena propriedade, não há necessidade de o CONDOMÍNIO promover nova ação contra ela, na medida em que a sentença prolatada na fase de conhecimento lhe é eficaz. 

36. Outrossim, não se vislumbra qualquer óbice na inclusão da recorrente no polo passivo do cumprimento de sentença em curso, em substituição a ORCÍNIO, ex-proprietário, pois, conquanto o disposto no art. 109, § 3º, do CPC/15 não implique automática sucessão processual, é certo que, por outro lado, não a impede. 

37. Aqui, novamente, a solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se a norma de direito material contida no art. 1.345 do CC/02 atribui ao débito condominial caráter ambulatório, impondo o pagamento ao adquirente do bem, inclusive das parcelas vencidas, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, se considere o adquirente o sucessor do anterior proprietário, com vistas à plena satisfação da dívida já consolidada. Não se pode olvidar que, em última análise, o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, dada a natureza propter rem da obrigação. 

38. A fim de corroborar o real espírito da obrigação de adimplemento das despesas condominiais, cita-se recente precedente julgado por esta 3ª Turma, em que se admitiu a sucessão processual do antigo executado pelo arrematante do imóvel em hasta pública, que não participou da relação jurídica originária: 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). AÇÃO DE COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMÓVEL ARREMATADO EM HASTA PÚBLICA. INFORMAÇÃO NO EDITAL ACERCA DA EXISTÊNCIA DE DÉBITOS CONDOMINIAIS. CARÁTER 'PROPTER REM' DA OBRIGAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE. SUCESSÃO NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. CABIMENTO. 1. Controvérsia em torno da possibilidade de inclusão do arrematante no polo passivo da ação de cobrança de cotas condominiais na fase cumprimento de sentença. 2. Em recurso especial não cabe invocar ofensa à norma constitucional. 3. Os arts. 204 e 206, § 5º, I, do CC não contêm comandos capazes de sustentar a tese recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF. 4. Não há violação aos arts. 489, § 1º, IV e 1.022, II e § único, II, do CPC quando a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 5. Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação "propter rem", constando do edital de praça a existência de ônus incidente sobre o imóvel, o arrematante é responsável pelo pagamento das despesas condominiais vencidas, ainda que estas sejam anteriores à arrematação, admitindo-se, inclusive, a sucessão processual do antigo executado pelo arrematante. 6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO (REsp 1.672.508/SP, 3ª Turma, DJe 01/08/2019). 

39. Sob esse espeque, a manutenção da improcedência dos embargos de terceiro é medida que se impõe. 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 10% sobre o valor da causa (e-STJ fl. 64) para 15%, observada a concessão da gratuidade de justiça à recorrente. 

23 de abril de 2021

PENHORA - São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública

Fonte: Dizer o Direito 

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/06/info-660-stj.pdf


PENHORA - São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública 

São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública. A situação NÃO se enquadra na hipótese do art. 833, IX, do CPC: Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.095-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/11/2019 (Info 660). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João ingressou com execução de título extrajudicial contra a escola de samba “Unidos da Boa Esperança”. Como não houve pagamento, o juiz determinou a penhora de R$ 100 mil da escola de samba, que estavam depositados em uma conta bancária. A Unidos da Boa Esperança comprovou que ela tinha recebido esse dinheiro do Poder Público em razão de parceria público-privada firmada com a Administração Pública com o objetivo de incentivar o carnaval da cidade. Diante disso, a escola alegou que esses valores seriam impenhoráveis com base no art. 833, IX, do CPC: 

Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; 

A escola defendeu a tese de que o carnaval não se esgota enquanto fenômeno de cultura, lazer e turismo, atrelando-se também à finalidade educacional e de assistência social. 

A tese da escola de samba foi acolhida pelo STJ? NÃO. 

Os dispositivos relacionados com a impenhorabilidades devem ser interpretados restritivamente, sempre com foco no núcleo essencial que justifica a própria instituição da regra, isto é, o almejado equilíbrio entre a satisfação do crédito para o credor e a menor onerosidade para o devedor. O art. 35, § 5º, da Lei nº 13.019/2014 (Lei das parcerias) dispõe que os “equipamentos e materiais permanentes” adquiridos com recursos provenientes da celebração da parceria serão gravados com cláusula de inalienabilidade. Não são os recursos o objeto da restrição legal, mas o produto do seu investimento necessário à consecução do projeto de parceria. É inquestionável o valor social, cultural, histórico e turístico do carnaval brasileiro, uma das maiores expressões artísticas nacionais com alcance mundial, inclusive com bens reconhecidos pela UNESCO como patrimônio cultural imaterial da humanidade. A Lei nº 13.019/2014 considera que a parceria entre a administração pública e as organizações da sociedade civil é feita “para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco” (art. 2º, III) jamais restringindo seu âmbito “para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social” (art. 833, IX, do CPC). No caso concreto, o Edital de Seleção de Projetos Culturais previa que o objetivo do repasse das verbas públicas seria o estímulo a cultura e história local, não havendo qualquer menção de que tais valores seriam aplicados em educação, saúde ou assistência social. 

Em suma: São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública. STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.095-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/11/2019 (Info 660). 

21 de abril de 2021

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA; MARCA DE COMÉRCIO; PENHORA; POSSIBILIDADE

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE MARCAS DE TITULARIDADE DA EXECUTADA JUNTO AO INPI. POSSIBILIDADE. AGRAVANTE QUE DECLAROU EXPRESSAMENTE PASSAR POR DIFICULDADES FINANCEIRAS, OFERECENDO À PENHORA BENS DE PEQUENO VALOR E DE DIFÍCIL ALIENAÇÃO EM HASTA PÚBLICA, OS QUAIS FORAM JUSTIFICADAMENTE REJEITADOS PELA AGRAVADA. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE PARA O DEVEDOR QUE DEVE SER INTERPRETADO À LUZ DA EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL. PRECEDENTES DESTA E. CORTE DE JUSTIÇA. IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA QUE NÃO VEIO ACOMPANHADA DA INDICAÇÃO DE OUTROS MEIOS EFICAZES E MENOS ONEROSOS PARA SATISFAÇÃO DO DÉBITO, NA FORMA DO ART. 805, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. MANUTENÇÃO CONSTRIÇÃO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.



0065021-20.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Des(a). FERNANDO FERNANDY FERNANDES - Julg: 23/11/2020 - Data de Publicação: 02/12/2020

19 de abril de 2021

PENHORA - É ilegal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no âmbito de processo do qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/02/info-662-stj-1.pdf


PENHORA - É ilegal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no âmbito de processo do qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça 

A instituição financeira que cumpre ordem judicial de indisponibilização de saldos encontrados em contas bancárias atua como auxiliar da Justiça. A atuação dos auxiliares da Justiça é dirigida e orientada pelo Juízo da causa, a quem subordinam-se e submetem-se, mediante regime administrativo, e, por isso, os auxiliares não detêm nenhuma faculdade ou ônus processual, devendo, entretanto, observar os deveres estabelecidos no art. 77 do CPC/2015 (art. 14 do CPC/1973). Assim, os auxiliares da Justiça podem ser responsabilizados civil, administrativa ou penalmente pelos danos que causarem, em razão de dolo ou culpa. A responsabilidade civil dos auxiliares da Justiça deve ser apurada mediante observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, em via processual adequada para sua inclusão como parte. Exemplo: o Juiz da 3ª Vara Cível determinou ao Banco Itaú que efetuasse o bloqueio dos valores existentes na conta bancária da empresa Fênix S/A. A instituição financeira cumpriu a ordem e foi bloqueado R$ 1 milhão. Passados alguns meses, o Juiz da 3ª Vara Cível determinou a transferência do valor bloqueado. O banco respondeu que o dinheiro não existia mais, uma vez que foi retirado por determinação do Juiz da 5ª Vara Cível, onde tramitava outra execução proposta contra a Fênix S/A. O Juiz da 3ª Vara Cível entendeu que houve descumprimento de ordem judicial e, em razão disso, determinou a penhora do mesmo valor (R$ 1 milhão, com as atualizações) nas contas do Banco Itaú. O STJ considerou que essa determinação foi ilegal. STJ. 3ª Turma. RMS 49.265-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/12/2019 (Info 662). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Em um processo de execução que tramitava na 3ª Vara Cível, o Juiz determinou ao Banco Itaú que efetuasse o bloqueio dos valores existentes na conta bancária da empresa Fênix S/A (devedora). A instituição financeira cumpriu a ordem e foi bloqueado R$ 1 milhão. Passados alguns meses, o Juiz da 3ª Vara Cível determinou a transferência do valor bloqueado na conta da Fênix S/A. O banco respondeu que o dinheiro não existia mais, uma vez que foi retirado por determinação do Juiz da 5ª Vara Cível, onde tramitava outra execução proposta contra a Fênix S/A. O Juiz da 3ª Vara Cível entendeu que houve descumprimento de ordem judicial e, em razão disso, determinou a penhora do mesmo valor (R$ 1 milhão, com as atualizações) nas contas do Banco Itaú. Em outras palavras, o magistrado determinou a penhor de dinheiro pertencente à instituição financeira. Diante disso, o Banco impetrou, no Tribunal de Justiça, mandado de segurança contra a ordem do juiz. 

Primeira pergunta: existia algum recurso que poderia ter sido interposto pelo Banco? 

SIM. O Banco poderia ter interposto agravo de instrumento como terceiro prejudicado, conforme autoriza o art. 966 do CPC: 

Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica. Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual. 

Mesmo assim, ele poderia ter optado por impetrar mandado de segurança (tal qual foi feito)? 

SIM. Nesse sentido: 

Súmula 202-STJ: A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso. 

Como o TJ manteve a decisão do juiz, o Banco recorreu ao STJ. O que o STJ decidiu? Agiu corretamente o magistrado? 

NÃO. A instituição financeira, ao cumprir ordem judicial de indisponibilidade de valores depositados por seus clientes, assume a posição de sujeito processual, ainda que não seja parte. Ao desempenhar esse munus, assume deveres e obrigações, de modo que a instituição era responsável pela manutenção dos valores de saldos bancários existentes quando da determinação judicial de indisponibilidade de bens. A instituição financeira, ao atender ordem judicial de penhora online ou bloqueio de contas, desempenha mera atividade auxiliar à administração da Justiça, em complementariedade à atividade jurisdicional e, por isso, subordina-se à autoridade Judiciária. Vale ressaltar, no entanto, que o auxiliar da justiça (em nosso exemplo, o Banco), mesmo sendo um sujeito processual secundário, está sim sujeito à responsabilização civil, administrativa ou penal, por danos decorrentes de omissões, retardamentos ou condutas culposas ou dolosas, devendo observância ao art. 77 do CPC/2015: 

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: 

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; 

II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; 

III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; 

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; 

V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; 

VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. 

§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. 

§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. 

§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97. 

§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º. § 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo. (...) 

No caso concreto, o magistrado não puniu o Banco com base no art. 77 do CPC. Não foi aplicada a multa do § 2º do art. 77. O juiz determinou a penhora de valores do Banco sem observar as garantias do contraditório e da ampla defesa, de forma que essa decisão foi considerada ilegal. A eventual responsabilização, por conduta dolosa ou culposa, que não se refira a afronta direta do art. 77 do CPC, não pode resultar na condenação do auxiliar em obrigação de pagar, por resultar em manifesta inobservância ao contraditório. A responsabilidade civil dos auxiliares da Justiça deve ser apurada mediante observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, em via processual adequada para sua inclusão como parte. 

Em suma: É ilegal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no âmbito de processo do qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça. STJ. 3ª Turma. RMS 49.265-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/12/2019 (Info 662)

17 de abril de 2021

PENHORA ON LINE; INDEFERIMENTO; LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE; EXCESSO DE PENHORA; NÃO CONFIGURAÇÃO; REFORMA DA DECISÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO AGRAVADA QUE INDEFERIU PENHORA ON LINE COM BASE NA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE. IRRESIGNAÇÃO DO EXEQUENTE. 1. Cuida-se de recurso oposto contra decisão judicial que indeferiu o pedido de penhora online dos ativos financeiros da parte executada. O fundamento da decisão agravada reside na possibilidade de tipificação na conduta descrita no art. 36 da Lei 13.869/2019, Lei de Abuso de Autoridade. 2. A penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira não está condicionada a prévia ciência do devedor, e pode ser realizada, desde que adstrita ao montante executado. Inteligência do contido no art. 854 do CPC. Precedente do E. STJ. 3. O arresto de dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira obedece à ordem de penhora prevista no art. 835 do CPC, constituindo forma de execução menos gravosa, atendendo-se ao princípio da menor onerosidade, na dicção do enunciado nº 117 da Súmula deste TJRJ. 4. Delito não antevisto na modalidade culposa, além de exigir como elemento subjetivo do tipo a finalidade de transbordar o valor estimado para a satisfação da dívida, bem como, uma vez observada a abusividade na penhora, deixar de corrigir o excesso. 5. Simples determinação de penhora no valor indicado da dívida, e em alinho à legislação processual, que não tem o condão de configurar a conduta descrita no referido tipo penal. Eventual equívoco a importar a penhora de quantia excessiva, pode ser objeto de retificação pelo Magistrado, na forma da legislação processual. 6. Reforma da decisão. 7. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO.



0075022-64.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO

VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL

Des(a). SÉRGIO SEABRA VARELLA - Julg: 25/11/2020 - Data de Publicação: 26/11/2020

5 de abril de 2021

Penhora sobre faturamento não pode inviabilizar atividade empresarial

A penhora sobre o faturamento é legalmente admitida, mas não pode inviabilizar a atividade econômica da empresa, incumbindo ao juiz observar a razoabilidade e a proporcionalidade na fixação do percentual incidente sobre o faturamento.

O entendimento é da 10ª Câmara de Direito Público do TJSP ao reduzir de 7% para 2,5% o percentual de penhora sobre o faturamento mensal de uma empresa devedora de ICMS. Por unanimidade, a turma julgadora reformou decisão de primeiro grau que havia fixado o percentual de 7%.

Isso porque, segundo a relatora, desembargadora Teresa Ramos Marques, a penhora sobre o faturamento não pode inviabilizar as atividades da empresa, o que ficou constatado no caso dos autos. Ela citou precedente do Superior Tribunal de Justiça que permite a penhora do faturamento desde que fixada em percentual que não torne inviável o exercício da atividade empresarial.

“Ressalto que este entendimento jurisprudencial foi acolhido pelo Novo Código de Processo Civil, que possibilita expressamente a penhora sobre o faturamento, quando inexistentes bens penhoráveis ou insuficientes os localizados para a satisfação do crédito”, afirmou a magistrada.

Ela lembrou que, caso em questão, o bloqueio de bens da devedora só abrangeu parte da dívida, o que justifica a medida excepcional da penhora sobre o faturamento, sendo a única forma preferencial encontrada pela Fazenda para a satisfação de seu crédito de ICMS.

“É certo que penhora sobre parcela do faturamento não equivale à penhora de dinheiro, mas é dotada de maior certeza e liquidez do que a penhora de maquinários industriais. Trata-se de constrição excepcional, podendo ser inserida no parágrafo 1º do artigo 11 da Lei 6.830/80, pois o faturamento é um dos componentes do estabelecimento comercial ou industrial”, disse.

Porém, para não onerar em demasia a devedora, Marques entendeu ser mais razoável a penhora de 2,5% de seu faturamento mensal, conforme proposta inicial apresentada pela empresa à Fazenda. Processo 2290462-87.2020.8.26.0000

TJSP/CONJUR