10 de maio de 2021

SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf


SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão 

Compare com o Info 689 do STJ 

A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002", deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 


Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu e deixou como herdeiros Regina (com quem vivia em união estável) e três filhos. Em 2016, iniciou-se o inventário. Vale ressaltar que, na época, os direitos sucessórios da companheira (união estável) eram regidos pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

O juiz proferiu decisão na qual, aplicando expressamente o art. 1.790 do Código Civil, afirmou que Regina teria direito apenas aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS). 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no art. 1.790 do CC: a companheira não tinha nenhum direito sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) passa a ter também direitos sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. Isso porque a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do art. 1.829 do Código Civil. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que Regina também passaria a concorrer com os demais herdeiros em relação aos bens que o falecido já tinha antes do início da união estável. Os demais herdeiros recorreram alegando que a decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu Regina dos bens anteriores estaria acobertada pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderia ser alcançada pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo STF. 

O STJ deu provimento ao recurso dos demais herdeiros? NÃO. 

Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo STF, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (Tema 809), o STF modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

Dessa forma, aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei nº 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença - ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/1973) -, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema n. 809/STF. 

Em suma: A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692).

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