RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 100.446 - MG (2018/0170173-4)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE
INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO
ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER. 1. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DE
ADMISSIBILIDADE RECURSAL. VERIFICAÇÃO. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA LICITUDE DO
DECRETO PRISIONAL, EM RAZÃO DA MAGNITUDE DO DIRETO CONSTITUCIONAL DO
WRIT. NECESSIDADE. 2. HIGIDEZ DA DECISÃO PARA SUBSIDIAR A IMEDIATA COBRANÇA
JUDICIAL DA VERBA ALIMENTAR. RECONHECIMENTO. 3. NATUREZA SATISFATIVA DA
MEDIDA (E NÃO ASSECURATÓRIA). DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO
PRINCIPAL NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. RECONHECIMENTO. 4. SUBSISTÊNCIA DO
DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE
HIPERVULNERABILIDADE, DESENCADEADA PELA PRÁTICA DE VIOLAÇÃO DOMÉSTICA E
FAMILIAR. RECONHECIMENTO. 5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR MANTIDA ATÉ A REVOGAÇÃO
JUDICIAL DA DECISÃO QUE A FIXOU. NECESSIDADE. 6. RECURSO ORDINÁRIO NÃO
CONHECIDO.
1. Não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada
a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito
à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de
eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas
corpus.
2. Controverte-se no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida
no processo penal — que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da então
companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, estribada no art. 22,
V, da Lei n. 11.340/2006 e, no caso dos autos, ratificada em acordo homologado
judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos — constitui título hábil para
cobrança (e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil) ou se, para
tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal
de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito.
3. A medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si,
válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de
qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não
cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de
alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com
os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe. Compreensão diversa tornaria inócuo
o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade,
indiscutivelmente.
4. O inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz menção a alimentos provisórios ou
provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o
sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre
si, na substância, inequívoca identidade, destinando-se a garantir à alimentanda,
temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza
eminentemente satisfativa, notadamente porque a correspondente verba alimentar não
comporta repetição. Desse modo, à medida protetiva de alimentos (provisórios ou provisionais) afigura-se absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973 (art. 308 do
CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena
de perda da eficácia da medida, já que não se cuida de medida assecuratória/instrumental.
5. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n.
11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais
enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência
doméstica e familiar — e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência.
5.1 O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de
mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento,
afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de
hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência
econômica com o seu agressor — se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum
—, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida
e ameaçada.
5.2 A par da fixação de alimentos, destinados a garantir a subsistência da mulher em
situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras
medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência
doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio
da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa
altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria
dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. A
cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de
hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida, a qual os alimentos provisórios
ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar.
5.3 A revogação da decisão que fixa a medida protetiva de alimentos depende de decisão
judicial que reconheça a cessação de tal situação, cabendo, pois, ao devedor de alimentos
promover as providências judiciais para tal propósito, sem o que não há falar em exaurimento
da obrigação alimentar.
6. Recurso ordinário não conhecido, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional
impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não
conhecer do recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 27 de novembro de 2018 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
W. de L. S. interpõe recurso ordinário em contrariedade ao aresto prolatado
pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que denegou a ordem de habeas
corpus ali impetrado, mantendo-se, pois, o decreto prisional exarado pelo Juízo de Direito
da 2ª Vara Cível da Comarca de Monte Carmelo/MG, no bojo da ação de execução de
alimentos que lhe foi promovida por sua filha, menor, L. de F. S., representada por sua
genitora S. de F. O., por 90 (noventa) dias, ou até que fossem quitadas as parcelas
vencidas nos 3 (três) meses anteriores à propositura da execução e também daquelas
vencidas no curso do processo.
Extrai-se dos elementos contidos nos autos que, no âmbito de ação criminal — destinada a apurar o cometimento de crime de violência doméstica e familiar contra a
mulher imputado ao ora recorrente, W. de L. S., consistente na agressão e na ameaça à
sua então companheira, S. de F. O., tendo, inclusive, ateado fogo na residência do casal,
em que a mulher e a filha, L. de F. S., se encontravam —, o Juízo criminal, em 23 de abril
de 2010, além de decretar a prisão preventiva do acusado, impôs a medida protetiva
prevista no inciso V do art. 22 da Lei 11.340/2006, determinando o pagamento de pensão
alimentícia em favor de S. de F. O. e de sua filha, L. de F. S., no valor 70% (setenta por
cento) do salário mínimo vigente na data do pagamento.
A propósito, o teor do decisum:
Os fatos narrados a f. 3-5, ao menos em sede de cognição sumária e
convencimento provisório, configuram violência doméstica, nos termos
do artigo 7º, da Lei n. 11.340/2006, e autorizam a imposição de
medidas previstas no artigo 22, do mesmo diploma legal.
Assim, defiro parte dos requerimentos de f. 7-8 e imponho ao Sr.
Wemerson o pagamento de pensão alimentícia em favor da Srs.
Simone e sua filha no valor correspondente a 70% (setenta por cento)
do salário mínimo vigente na data do pagamento, mediante depósito
em conta corrente a ser aberta em nome da representante legal do
requerente ou em outra por ela indicada.
Da mesma forma, e a fim de assegurar a ordem pública e por
conveniência da instrução criminal, visto que o investigado, ao que
parece, sempre agrediu e ameaçou a Sra. Simone, tanto que foi capaz
de atear fogo na residência do casal com a sua mulher e a sua filha
no interior do imóvel, decreto a prisão preventiva de Wemerson de
Lima Souza, por entender presentes os requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal. Essa providência, salvo melhor juízo, torna
desnecessárias aquelas elencadas no artigo 22, incisos II, III e IV, da
Lei n. 11.340/2006.
Expeça-se mandado de prisão.
Intime-se e cumpra-se (e-STJ, fl. 17)
Os alimentos provisionais fixados, do que se depreende dos autos, em
momento algum foram quitados.
Por tal razão, S. de F. O. e sua filha, L. de F. S., em 8/4/2013, promoveram
perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Monte Carmelo/MG ação de
execução de alimentos, com fulcro no art. 732 do CPC/1973, em relação aos débitos
pretéritos (somados no importe de R$ 16.768,96 — dezesseis mil, setecentos e sessenta
e oito reais e noventa e seis centavos), e no art. 733 do CPC/1973, em referência aos
débitos atuais (estes, no valor de R$ 1.406,58 — mil quatrocentos e seis reais e cinquenta
e oito centavos), referentes aos três meses anteriores ao ajuizamento da ação, bem como
aqueles que vencerem no curso da demanda, sob pena de prisão civil (e-STJ, fls. 11-13).
Da decisão que decretou a prisão do executado, proferida em fevereiro de
2018, consta a afirmação de que foi concedido ao devedor diversas oportunidades para
apresentar justificativa idônea, bem como para quitar o débito, inclusive por meio da
efetivação de acordo, homologado judicialmente, o qual não foi por ele honrado
integralmente. É o que se verifica dos fundamentos adotados por ocasião da referida
decisão, integrada pelo decisum que julgou os subsequentes embargos de declaração:
[...] Considerando que o executado devidamente intimado não
pagou o débito, tampouco justificou a impossibilidade de
fazê-lo (f. 71-v), a decretação da prisão é medida que se impõe.
Com efeito, quanto à manifestação de fls. 104-06, descabido ao
executado alegar que, 'entendeu que o processo se extinguiria com o
pagamento das parcelas vencidas, uma vez que fizeram acordo sobre
isso. Porém, para a sua surpresa, tomou conhecimento de que está
novamente inadimplente'. (sic)(f.104)(g.n.).
Em verdade o executado tivesse lido com a devida atenção ao acordo
celebrado com a exequente às fl. 56-57, não estaria 'surpreso' com a
sua inadimplência, pois, no referido acordo constou expressamente
que, o 'não pagamento de quaisquer prestações, vencidas ou
vincendas, acarretará o vencimento antecipado das subsequentes,
autorizando a imediata cobrança do débito remanescente, sem a
parda da natureza alimentar, possibilitando-se, pois, em eventual
execução, a apreciação de requerimento de prisão civil' (sic)(f. 57).
Ante o exposto, decreto a prisão do Sr. Wemerson de Lima Souza pelo
prazo de 60 (sessenta) dias ou até que seja apresentado nos autos o pagamento integral dos valores em atraso (fs. 97-100), bem como as
parcelas vencidas no curso do processo. (e-STJ, fls. 62)
De fato, verifica-se que efetivamente na decisão de f. 109 não há
obscuridade ou contradição; muito menos erro material ou omissão.
Afinal, ao executado foi oportunizado o contraditório e a ampla
defesa em várias oportunidades (fs.I9; 22; 23; 26; 29; 31: 32-3;
34-40; 41; 43; 44-6) e mesmo assim não efetuou o pagamento
devido do débito alimentai; sendo decretada a sua prisão civil
(f.55), tanto que o Sr. Wemerson de Lima Souza, para evitá-la,
ainda celebrou acordo com a exequente (fs.56-8) e vinha
cumprindo a avença regularmente (fs.67-v; 69; 70-v).
E mesmo tendo sido oportunizado ao executado o pagamento
integral do débito alimentar, inclusive o das prestações
vencidas durante o curso do processo (Súmula n° 309, STJ),
por capricho, o Sr. Wemerson de Lima Souza, simplesmente,
descumpriu o acordo homologado judicialmente, efetuando o
pagamento de parte do acordo firmado (fs.70;73-5; 71-v; 78-82;
83-95: 96-102).
Dessa forma, não tendo cumprido o acordo de fs. 56-8 e ainda
deixado de efetuar o pagamento das prestações vencidas
durante o curso do processo, ocorreu a prisão civil do
executado.
Vale ainda consignar que é inadmissível a extinção do presente feito
sob a alegação de que a "decisão proferida no processo penal de
forma cautelar provisória, não é título hábil a ser utilizado para cobrar
pensão alimentícia, por lapso temporal indeterminado... " (f. 111). Isso
porque o C. Superior Tribunal de Justiça, em precedente relatado pelo
Ministro Aldir Passarinho Júnior, já decidiu que a "decisão que fixa os
alimentos provisórios produz efeitos imediatos, integrando ao
patrimônio do alimentando um direito que, embora provisório, é
existente, efetivo e juridicamente protegido. II. A sentença posterior
que altera a situação jurídica regulada pelo provimento precário opera
efeitos ex nunc. não podendo retroagir em prejuízo do alimentaste.
Precedentes. " (REsp N° 834440/SP 2006/0062898-5 - T4 Quarta
Turma; data do julgamento: 20/11/2008; data da publicação: DJe
15/12/2008 -g.n.).
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração opostos por
Wemerson de Lima Souza às fs.110-1. (e-STJ, fl. 61)
Em contrariedade ao decreto prisional, Kélen Viana Silva (subscritora do
recurso ordinário) impetrou em favor de W. de L. S. habeas corpus, ao argumento de que
a decisão que fixou alimentos provisórios, proferida em ação penal, é inidônea para
subsidiar ação de execução de alimentos, afigurando-se indispensável, para esse
propósito, o ajuizamento de ação principal de alimentos, a viabilizar o contraditório (quanto
ao binômio necessidade-possibilidade), no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de
decadência.
O Desembargador relator indeferiu o pedido liminar, deixando assente não
ter sido imposto nenhum limite de duração aos alimentos fixados, razão pela qual
considerou que os alimentos provisórios fixados continuam sendo devidos. Assentou,
ademais, que a decisão que decretou a prisão civil encontra-se lastreada no acordo
homologado judicialmente que não foi integralmente honrado pelo devedor (e-STJ,
fls..55-56).
As informações prestadas pela autoridade reputada coatora, datada de abril
de 2018, confirmam, in totum, os fatos até aqui aduzidos, noticiando, inclusive, que os
mandados de prisão, por duas ocasiões expedidos, não foram, até então, cumpridos
(e-STJ, fl. 58).
Ao final, o Tribunal de origem, conforme relatado, denegou a ordem
impetrada, reconhecendo a executividade da decisão judicial que fixou os alimentos
provisórios, além da detida observância do enunciado n. 309 da Súmula do STJ (e-STJ, fls.
24-29).
O aresto recebeu a seguinte ementa:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO.
POSSIBILIDADE DE DECRETO DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE
ILEGALIDADE. DENEGADA A ORDEM.
Admite-se a discussão em sede de habeas corpus de questões
relacionadas à regularidade do procedimento e da cobrança dos
alimentos. Tendo sido observadas, de forma regular, todas as fases
no procedimento de execução de que cuida o artigo 528, do CPC/15,
não tendo o executado quitado as parcelas devidas, não há falar em
violência e/ou ilegalidade na possibilidade de decretação da prisão do
alimentante, passível de reparação pela via estreita do habeas
corpus. (e-STJ, fl. 215)
Nas razões do presente recurso, sustenta o recorrente, em síntese, que a
decisão proferida no processo penal, de forma cautelar e provisória, com esteio no art. 22,
V, da Lei n. 11.340/2006, não é título hábil à cobrança por prazo indeterminado,
afigurando-se necessário, para tanto, o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, da ação
principal de alimentos (propriamente dita), em que o contraditório e a ampla defesa
poderão ser exercidos plenamente.
Argumenta, assim, que "a ausência da ação principal de alimentos, a qual
nunca foi impetrada pelas exequentes, e dos pagamentos já efetuados além do que foi
determinado pelo lapso temporal da cautelar, o juiz não poderia requerer, nesse processo, a prisão civil do paciente, que tem como fundamento uma decisão interlocutória de caráter
provisório cautelar, na qual a cautelaridade já se esvaiou" (e-STJ, fl. 269).
Anota que "a obrigação de efetuar a pensão, conforme determinado na
decisão interlocutória criminal por lapso temporal indeterminado, afronta os direitos do
paciente à ampla defesa e ao contraditório" (e-STJ, fl. 269), em manifesta inobservância do
art. 528, § 7º, do Código de Processo Civil de 2015 e da Súmula 309 do STJ.
Pugna, liminarmente, pela revogação do mandado de prisão, ou ao menos,
pela sua suspensão, até a análise do mérito do presente recurso ordinário.
Por fim, requer "a confirmação no mérito da liminar pleiteada para que se
consolide, em favor do paciente W. de L. S., a competente ordem de habeas corpus, para
impedir o constrangimento ilegal que o mesmo vem sofrendo" (e-STJ, fl. 271).
A Ministra Laurita Vaz, no exercício da Presidência do STJ, indeferiu o pedido
liminar (e-STJ, fls. 37-40). Contra o decisum foi interposto agravo interno (e-STJ, fls.
43-48), pendente de julgamento.
O Ministério Publico Federal ofertou parecer pelo não conhecimento do
recurso ordinário, pela exposição dos seguintes motivos: i) a insurgência recursal foi
apresentada diretamente perante esta Corte de Justiça; ii) não consta certidão da
publicação do acórdão recorrido, o que impede a aferição da tempestividade do recurso; iii)
ausência de instrumento procuratório; e iv) inexistência de ilicitude do decreto prisional,
passível de ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Preliminarmente, conforme bem ponderado pelo Representante do Ministério
Público Federal, o recurso ordinário, efetivamente, não possui condições processuais de
ser conhecido.
De início, consigna-se que o processamento do recurso ordinário
constitucional há de observar o regramento estabelecido nos arts. 105, II, da Constituição
Federal; 30 a 32 da Lei n. 8.038/90; 244 a 246 do Regimento Interno do Superior Tribunal
de Justiça; e 994, V, c/c 1.027 e 1.028 do Código de Processo Civil de 2015.
Segundo o ali disposto, a interposição do recurso ordinário em habeas
corpus deve ser feita perante o Tribunal prolator do acórdão impugnado, que, após a
intimação da parte recorrida a apresentar as contrarrazões, remeterá o feito a esta Corte
Superior.
Tal proceder, contudo, não foi observado pelo recorrente, que interpôs sua
insurgência recursal diretamente perante esta Corte de Justiça, o que, por si só, impede
seu conhecimento, na esteira da jurisprudência do STJ (ut AgRg no RHC 57.871/RJ, Rel.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 28/04/2015, DJe
06/05/2015; AgRg no RHC 63.626/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma,
DJe 07/06/2016).
De igual modo, não foi acostado aos autos instrumento procuratório
outorgado pela parte à subscritora do recurso (e-STJ, fl. 31), o que redundaria na própria
inexistência do recurso, tampouco consta, nos elementos contidos no processo, certidão
da publicação do acórdão recorrido, a obstar a aferição da tempestividade do recurso.
Ainda que essas duas últimas irregularidades pudessem vir a ser sanadas pela parte, por
meio de intimação para esse propósito, tem-se por despicienda a tomada de tal
providência.
Isso porque, não obstante a existência de vícios formais que obstam o
conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus,
decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a
concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
Essa medida, ressalta-se, é levada a efeito no caso de impetração de
habeas corpus substitutivo de recurso ordinário ou, como na espécie, na hipótese de
interposição de recurso ordinário em habeas corpus não passível de conhecimento, na
esteira da uníssona jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme corroboram
os seguintes julgados:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
INTEMPESTIVIDADE. CARACTERIZAÇÃO. CONCESSÃO DA ORDEM
DE OFÍCIO. INVIABILIDADE NA ESPÉCIE. PRISÃO CIVIL.
ALIMENTOS. ART. 733, § 1º, CPC. SÚMULA Nº 309/STJ. DÍVIDA
ALIMENTAR. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DEVEDOR.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. À luz do art. 30 da Lei nº 8.038/90, o recurso ordinário em habeas
corpus deve ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias.
2. A decretação da prisão do alimentante, nos termos do art. 733, §
1º, do CPC, revela-se cabível quando não adimplido acordo firmado
entre o alimentante e o alimentado no curso da execução de
alimentos, nos termos da Súmula nº 309/STJ, sendo certo que o
pagamento parcial do débito não elide a prisão civil do devedor.
3. O habeas corpus, que pressupõe direito demonstrável de plano,
não é o instrumento processual adequado para aferir as condições
econômico-financeiras do paciente, pois demandaria o reexame
aprofundado de provas.
4. Recurso ordinário não conhecido.
(RHC 41.852/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira
Turma, julgado em 05/11/2013, DJe 11/11/2013) - sem grifo no
original
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECURSO
INTEMPESTIVO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDEFERIMENTO DE
DILIGÊNCIA DESNECESSÁRIA, IMPERTINENTE OU PROTELATÓRIA.
POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O recurso foi interposto após o quinquídio legal. Todavia,
malgrado a intempestividade recursal, impõe-se o exame de
suas razões para constatação de eventual flagrante
ilegalidade, apta a ensejar a concessão de ofício da ordem de
habeas corpus. Precedentes.
[...]
Recurso ordinário em habeas corpus não conhecido.
(RHC 87.342/PR, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma,
julgado em 22/05/2018, DJe 08/06/2018) - sem grifo no original
PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ART. 105, II, "A", CF/88.
PENSÃO ALIMENTÍCIA. 1. O habeas corpus não é admitido como sucedâneo ou
substitutivo de recurso ordinário, ex vi da disposição expressa
do art. 105, II, "a", daCF/88.
2. A competência originária do STJ deve ser preservada em
prol dos legitimados do art. 105, inc. I, "c", da CF/88,
prestigiando-se, a um só tempo, a divisão de competências
realizada pelo legislador constituinte, bem ainda a
racionalização e simplificação do sistema recursal.
3. Evolução jurisprudencial encampada pela Suprema Corte, cuja
adesão de entendimento pelo STJ também se presta ao alento do
órgão jurisdicional precípua e constitucionalmente incumbido da
guarda e exegese da Constituição.
4. Não verificada a presença de flagrante ilegalidade, não há se
cogitar da concessão ex officio da ordem pleiteada.
5. É cabível a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de
execução contra si proposta, quando se visa ao recebimento das
últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia, mais as
que vencerem no curso do processo.
6. O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão
civil do alimentante executado.
7. Habeas Corpus não conhecido. (HC 258.607/SP, Rel. Ministra
Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/08/2013, DJe
22/08/2013) - sem grifo no original.
Passa-se, pois, a analisar a licitude do decreto prisional.
Controverte-se, no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a
decisão proferida no âmbito de ação penal, que fixa alimentos em favor da então
companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, com
fundamento no art. 22, V, da Lei n. 11.340/2006 e, no caso dos autos, no acordo
homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos, constitui
título hábil para cobrança — e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de
prisão civil — ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30
(trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência
do direito, tal como sustenta o insurgente.
Para efeito de exigibilidade da medida protetiva de alimentos, a alegada
necessidade de ajuizamento de ação de alimentos perante a Vara da Família, no prazo de
30 (trinta) dias, sob pena de decadência, não encontra nenhum respaldo na lei de regência
e refoge em absoluto da natureza e da finalidade da aludida verba alimentar.
Mais que isso. A referida linha argumentativa se aparta, in totum, do norte
interpretativo que deve ser levado a efeito na aplicação das disposições e dos novos institutos jurídicos trazidos pela Lei n. 11.340/2006, que é justamente conferir plena
efetividade para a proteção à mulher submetida à situação de violência doméstica e
familiar, propósito precípuo da lei. A esse propósito, aliás, dispõe seu art 4º, in verbis: na
interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e,
especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica
e familiar.
De plano, relevante consignar que se afigura absolutamente consonante
com a abrangência das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de
alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar
medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia, não precisa, por óbvio, ser
ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação, como pretende fazer crer o ora
insurgente.
A esse propósito, relevante assentar que o art. 14 da Lei n. 11.340/2006
estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e execução das causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
O dispositivo legal em comento assim dispõe:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher,
órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão
ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos
Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o
legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da Vara Especializada de
Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que
deveriam ali tramitar. De modo bem abrangente, preconizou a competência desse
"Juizado" para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa de pedir,
necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus julgados.
A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara
Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o
conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher,
permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e
criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que, a um só tempo,
facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e
confere-lhe real proteção.
Em interpretação acerca da abrangência da competência da Vara
Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de
natureza civil (notadamente as relacionadas ao Direito de Família), esta Terceira
Turma, por mais de uma ocasião, reconheceu, para seu estabelecimento, ser
imprescindível que a causa de pedir da correlata ação consista justamente na prática de
violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, assim, apenas às
medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e
24, da Lei n. 11.340/2006, que assumem natureza civil.
Nessas oportunidades, reconheceu-se a relevância, para tal escopo, que, no
momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a situação de violência
doméstica e familiar a que a demandante se encontre submetida, a ensejar,
potencialmente, a adoção das medidas protetivas expressamente previstas na Lei n.
11.340/2006, sob pena de banalizar a competência das Varas Especializadas.
Ressaltou-se, inclusive, que a competência para conhecer e julgar determinada ação resta
instaurada por ocasião de seu ajuizamento, afigurando-se desinfluente, para tanto,
superveniente alteração fática. Refiro-me aos julgados REsp 1.550.166/DF, Terceira
Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017; e REsp 1.496.030/MT, Terceira Turma,
julgado em 06/10/2015, DJe 19/10/2015.
Na espécie, a decisão que fixou tais alimentos foi prolatada por Juízo
Criminal, que, em atenção ao art. 33 da Lei n. 11.340/2006, cumula as competências civil e
criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus julgados, enquanto não
estruturados os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
É de se reconhecer, portanto, que a medida protetiva de alimentos, fixada
por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para
esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação,
do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia,
em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito,
imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes
meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio Juízo). Compreensão diversa tornaria
inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de
hipervulnerabilidade, indiscutivelmente.
No ponto, anota-se que o inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz
menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das
vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas
terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade.
Os alimentos provisórios são concedidos antecipadamente em ação de
alimentos (ou cumulada com outras ações), regida pela Lei n. 5.478/1968, e dependem de
prova pré-constituída da existência de vínculo de parentesco, de casamento ou de união
estável. Já os alimentos provisionais, que tinham previsão no art. 852 do CPC/1973 (não
reproduzido no CPC/2015), indevidamente nominados como medida cautelar, são
deferidos em cognição sumária, sem a exigência de prova pré-constituída da existência de
vínculo de parentesco, de casamento ou de união estável, até que, em outra demanda,
reconheça-se a existência de obrigação alimentar. Diz-se indevidamente nominados como
medida cautelar, pois os alimentos provisionais, na verdade, consubstanciam provimento
de urgência de natureza satisfativa, voltada a atender, de modo imediato, a necessidade
do demandante quanto a sua própria subsistência, cujo deferimento não comporta
repetição.
Na essência, como assinalado, os alimentos provisórios e provisionais não
guardam diferença entre si, destinando-se a garantir ao alimentando, temporariamente, os
meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente
satisfativa, sobretudo porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição.
Desse modo, independentemente da espécie de alimentos não definitivos
fixados (se provisórios ou se provisionais), os quais, como visto, não guardam, em si, a natureza assecuratória/instrumental, absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973
(art. 308 do CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta)
dias, sob pena de perda da eficácia da medida.
De tal compreensão, autorizada doutrina não dissuade, inclusive com
expressa referência à medida protetiva de alimentos prevista no art. 22 da Lei n.
11.340/2006:
Os alimentos provisórios possuem natureza antecipatória,
sendo concedidos em ações de alimentos (ou em outras ações
que tragam pedido de alimentos de forma cumulativa), de forma
liminar, initio litis, bastando que se comprove, de forma
pré-constituída, a existência da obrigação alimentícia, conforme
previsão do art. 4º da Lei n. 5.478/68. [...] Aliás, convém sublinhar
que eles podem ser concedidos, inclusive, ex officio pelo magistrado,
independentemente de pedido expresso do autor.
Já os alimentos provisórios estão elencados como medida
cautelar nominada, contemplada no art. 852 do Código de
Processo Civil, embora possua nítida natureza satisfativa.
Trata-se de medida topologicamente cautelar, porque está
elencada dentre as medidas cautelares, embora não possua tal
natureza assecuratória. Aliás, basta observar a natureza
irrepetível dos alimentos para se inferir a natureza
não-cautelar dos alimentos provisionais, uma vez que não se
destinam a assegurar o resultado útil de um outro processo,
mas satisfazer, imediatamente, as necessidade do autor. [...]
Exatamente por força dessa natureza satisfativa, não-cautelar,
não se aplica às ações de alimentos provisionais a exigência
de propositura de ação principal no prazo de 30 dias, contida
no art. 806 do Código de Processo Civil. [...]
Serão concedidos os provisionais quando o interessado não tiver
prova pré-constituída da existência da obrigação alimentar, não
podendo pleitear alimentos provisórios em sede de ação de alimentos.
[...]
Não há, portanto, diferença substancial entre os institutos,
significando, em ambas as hipóteses, a possibilidade de
conceder, de logo, em caráter de urgência, alimentos a quem
precisa. A distinção é mais terminológica e procedimental do
que em relação à sua substância e natureza. Até porque ambos
possuem a mesma finalidade, sendo concedidos
temporariamente para garantir a quem precisa os meios
suficientes à manutenção, até que seja proferida uma decisão
fixando alimentos em caráter definitivo.
[...]
Confirmando a inexistência de diferença substancial entre os
provisórios e os provisionais, vale a lembrança de que a Lei
Maria da Penha, em seu art. 22, V, permite a fixação de
alimentos, provisórios ou provisionais, a título de medida
protetiva de urgência na sede do Juízado Especializado, diante
de um episódio de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando já procedido o registro da ocorrência perante a
autoridade policial. É, sem dúvida, mais uma firme
demonstração da inexistência de diferença crucial em relação à
natureza dos institutos. (DE FARIAS, Cristiano Chaves.
ROSENVALD, Nélson. Direito das Famílias. 3ª Edição. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2011. p. 821-823)
Reconhecida, nesses termos, a higidez da decisão judicial que fixa os
alimentos provisórios ou provisionais, a autorizar a imediata cobrança judicial, com os
meios coercitivos pertinentes previstos em lei, não se pode deixar de assentir que tais
alimentos, por definição, afiguram-se temporários. De tal constatação advém a indagação
de qual seria o termo final para que estes alimentos, provisórios ou provisionais, deixem de
ser exigíveis.
Naturalmente, caso os alimentos se tornem definitivos, a sentença que
assim os reconheça passa a ser o fundamento de validade para tal cobrança. Porém,
enquanto esta não sobrevém, de suma importância identificar qual é a circunstância fática
que autoriza a permanência da vigência da medida protetiva de alimentos em favor da
mulher, vítima de violência doméstica e familiar.
Sem descurar da existência de controvérsia na doutrina nacional, tem-se
que o entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n.
11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais
enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de
violência doméstica e familiar — e não, simplesmente, enquanto perdurar a
situação de violência.
Ainda que se afigure elementar, a fixação de alimentos, como toda medida
protetiva prevista no art. 22 da Lei n. 11.304/2006, possui como pressuposto lógico a
exposição da mulher à situação de violência doméstica e familiar.
Consigna-se que o dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher,
como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como
corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher.
Isso porque, nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação
de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor — se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em
comum —, a sua própria subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se
gravemente comprometida e ameaçada. Esta circunstância fática, aliás, entre inúmeras
outras, induzem a mulher, vítima de constragimentos de toda ordem no ambiente
doméstico, a muitas vezes silenciar-se, o que tem o condão de somatizar e potencializar o
sofrimento ao qual se encontra submetida.
Nessa medida, enquanto a mulher se encontrar em situação de
vulnerabilidade, desencadeada pela agressão doméstica, os alimentos provisórios ou
provisionais fixados a título de medida protetiva continuam a ser devidos e exigíveis. Com a
vênia daqueles que compreendem de modo diverso, adotar como marco, para efeito de
findar o dever de prestar alimentos provisórios ou provisionais, a cessação da violência,
seria o mesmo que tornar inócua a referida medida protetiva de alimentos.
A par da fixação de alimentos provisórios ou provisionais, destinada a
garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve,
impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar,
de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a
interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para
findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum
efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo
inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei.
A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da
situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida e a qual os
alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar. Portanto,
enquanto perdurar a situação de hipervulnerabilidade, desencadeada pela violência
doméstica e familiar contra a mulher, os alimentos provisórios ou provisionais continuam
devidos e exigíveis.
Esta é, como visto, a circunstância fática que autoriza a permanência da
vigência da medida protetiva de alimentos em favor da mulher, vítima de violência
doméstica e familiar. Evidentemente, a sua revogação depende de decisão judicial que
reconheça a cessação de tal situação. Cabe, pois, ao devedor de alimentos promover as
providências judiciais cabíveis para a revogação da decisão deferitória, sem o que não há
falar em exaurimento da obrigação alimentar.
Nessa linha de entendimento, destaca-se o seguinte excerto doutrinário:
Em relação à esposa e à companheira, a obrigação alimentar decorre
do dever de mútua assistência. Frente aos filhos, o dever de sustento
situa-se no âmbito do poder familiar. Apesar da falta de clareza da lei
e dos desencontros da doutrina, que provam decisões divergentes,
impositivo reconhecer que os alimentos são devidos desde a data em
que são fixados, e antecipadamente, pois de todo descabido aguardar
o decurso do prazo de um mês para que ocorra o pagamento.
[...]
Sustenta Fredie Didier que deferidos alimentos, cessada a violência,
deixa de existir fundamento para a sua manutenção. Neste caso, a
fixação de nova prestação depende do ajuizamento de ação própria
perante o juízo da família. Não lhe assiste razão.
Não há como sujeitar alimentos à condição resolutiva, qual seja o fim
da violência. Caberia questionar sobre a forma de buscar a cessação
do encargo alimentar. Claro que este encargo é do próprio
alimentante que tem que provar que, com o fim da violência cessou a
necessidade dos alimentos. De qualquer modo, deferidos alimentos, a
ofendida não precisa propor ação principal no prazo de 30 dias.
Indeferida a pretensão alimentar em sede de medida protetiva de
urgência, nada impede que o pedido seja levado a efeito por meio da
ação de alimentos perante o juízo cível (DIAS, Maria Berenice. A lei
Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3ª Edição.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 156-157)
Na hipótese dos autos, conforme consignado pelo Tribunal de origem, não
há nenhum julgado que tenha, até o presente momento, revogado a decisão que fixou os
alimentos provisórios e provisionais, do que ressai a conclusão, inexorável, da vigência e
obrigatoriedade da obrigação alimentar.
Ainda segundo a moldura fática delineada nos autos, os débitos alimentares
que ensejaram a decretação da prisão civil são aqueles considerados atuais, em detida
atenção ao enunciado n. 309 da Súmula do STJ, o que evidencia a conformidade do
decreto prisional com a lei. É certo, inclusive, que o devedor de alimentos subscreveu
acordo, homologado judicialmente, no bojo da ação de execução de alimentos, sem
promover a sua quitação integral, a revelar a recalcitrância em cumprir a obrigação
alimentar para com as alimentadas e, por consequência, a correção da prisão civil
determinada.
Saliente-se, a esse propósito, que a prisão civil, como decorrência do
inadimplemento da medida protetiva de alimentos (atuais), não exclui outras, notadamente
de viés criminal que deste mesmo fato possa advir (art. 40 da Lei n. 11.340/2006).
Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, não conheço
do presente recurso ordinário, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional
impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício.
É o voto.