10 de maio de 2021

O MP pode escolher quais elementos obtidos na busca e apreensão serão utilizados pela acusação; no entanto, o material restante deve permanecer à livre consulta do acusado, para o exercício de suas faculdades defensivas

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


BUSCA E APREENSÃO - O MP pode escolher quais elementos obtidos na busca e apreensão serão utilizados pela acusação; no entanto, o material restante deve permanecer à livre consulta do acusado, para o exercício de suas faculdades defensivas 

Realizada a busca e apreensão, apesar de o relatório sobre o resultado da diligência ficar adstrito aos elementos relacionados com os fatos sob apuração, deve ser assegurado à defesa acesso à integra dos dados obtidos no cumprimento do mandado judicial. STJ. 6ª Turma. RHC 114.683/RJ, Rel. Rogério Schietti Cruz, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Foi instaurada investigação para apurar crimes que teriam sido praticados por João e outras pessoas. Após representação da autoridade policial, o juiz deferiu medida cautelar de busca e apreensão a ser cumprida em diversos locais, dentre eles, na residência e no escritório de João. A polícia realizou relatório com o resultado da diligência. Este resultado foi compartilhado com a defesa. Ocorre que a defesa argumentou que foram obtidos inúmeros outros dados no cumprimento do mandado judicial aos quais ela não teve acesso, dentre eles, computadores, tablets, cartões de memória, pen-drives, celulares etc. O Ministério Público argumentou que foram juntados aos autos os elementos informativos que interessam aos fatos sob apuração, de forma que o restante que não foi anexado não tinha relação efetiva com a investigação. Ademais, o MP argumentou que muitos elementos colhidos estão relacionados com a intimidade dos demais investigados, razão pela qual não poderiam ser fornecidos. 

A defesa tem direito ao restante do material obtido no cumprimento da busca e apreensão? SIM. 

Realizada a busca e apreensão, apesar de o relatório sobre o resultado da diligência ficar adstrito aos elementos relacionados com os fatos sob apuração, deve ser assegurado à defesa acesso à integra dos dados obtidos no cumprimento do mandado judicial. STJ. 6ª Turma. RHC 114.683/RJ, Rel. Rogério Schietti Cruz, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Segundo o enunciado da Súmula Vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal: 

SV 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. 

Durante a fase do inquérito policial, o enunciado da Súmula Vinculante nº 14 do STF expressa o direito de acesso pela defesa aos elementos de convicção já documentados pelo órgão com competência de polícia e que digam respeito ao exercício legítimo do direito de defesa. O STF, em julgado sobre o tema, detalhou em que consistiria o chamado “acesso amplo”, mencionado na súmula vinculante: 

(...) I – O direito ao “acesso amplo”, descrito pelo verbete mencionado, engloba a possibilidade de obtenção de cópias, por quaisquer meios, de todos os elementos de prova já documentados, inclusive mídias que contenham gravação de depoimentos em formato audiovisual. II – A simples autorização de ter vista dos autos, nas dependências do Parquet, e transcrever trechos dos depoimentos de interesse da defesa, não atende ao enunciado da Súmula Vinculante 14. (...) STF. 2ª Turma. Rcl 23.101/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 6/12/2016. 

Princípio da comunhão da prova 

O Ministério Público pode escolher quais elementos obtidos na busca e apreensão serão utilizados pela acusação. No entanto, o material restante, supostamente não utilizado, deve permanecer à livre consulta do acusado, para o exercício de suas faculdades defensivas. Essa é a ratio essendi da Súmula Vinculante nº 14 do STF. O Ministério Público juntou aos autos apenas aquilo que entendeu necessário para a imputação ministerial. Logo, é evidente que o acusado tem o direito de saber se, no restante do material apreendido, existe mais algum elemento que interesse à sua defesa. O órgão responsável pela acusação não pode ter a prerrogativa de escolher o material que irá ser disponibilizado ao réu, como se a ele pertencesse a prova. Na verdade, as fontes e o resultado da prova são de interesse comum de ambas as partes e do juiz (princípio da comunhão da prova). 

Lealdade processual 

A negativa do MP em disponibilizar acesso integral aos elementos colhidos não se ajusta à ideia da lealdade processual e fere de morte a igualdade de oportunidades que há de marcar a atividade estatal de reconstrução da verdade. 

E a intimidade dos demais investigados, não ficaria violada? 

A fim de resguardar a intimidade dos demais investigados em relação aos quais foi cumprida diligência de busca e apreensão, basta que se colha dos advogados o compromisso de não dar publicidade ao material examinado e que não interesse, direta ou indiretamente, à defesa de seu cliente. 

Dispositivo 

Em um caso parecido com o exemplo hipotético acima, o STJ deu provimento ao recurso em habeas corpus, para anular o processo referido na petição inicial desde o ato de recebimento da denúncia, de sorte a permitir à defesa a prévia consulta à totalidade dos documentos e objetos apreendidos em decorrência do cumprimento do mandado de busca e apreensão.

 




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