Mostrando postagens com marcador tribunal do júri. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador tribunal do júri. Mostrar todas as postagens

10 de abril de 2021

Informativo 1009/STF: TRIBUNAL DO JÚRI - A tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf

TRIBUNAL DO JÚRI - A tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero 

Ao apreciar medida cautelar em ADPF, o STF decidiu que: a) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, da CF/88); b) deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e c) a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo são proibidos de utilizar, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. STF. Plenário. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Info 1009). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou ADPF pedindo para que o STF confira interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP e deixe claro que não é juridicamente possível invocar a tese da legítima defesa da honra. O autor alegou que a tese da legítima defesa da honra viola o art. 1º, III, o art. 3º, IV, e o art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Vale ressaltar que, quando se fala em legítima defesa da honra, para os fins desse julgado, está se referindo “ao perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera”.  

Medida cautelar foi deferida 

No dia 26/02/2021, o Min. Dias Toffoli, monocraticamente, concedeu parcialmente a medida cautelar pleiteada pelo autor. No dia 15/03/2021, o STF se reuniu e referendou a medida cautelar. Desse modo, o STF entendeu que a chamada “legítima defesa da honra” não encontra qualquer amparo no ordenamento jurídico pátrio. Vamos entender o que foi decidido. 

Atecnia da tese da “legítima defesa da honra” 

Inicialmente, cumpre ressaltar que “legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa. Tanto isso é verdade que essa tese é quase que exclusivamente invocada no Tribunal do Júri, no qual, em virtude da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, da CF/88), admite-se a utilização não apenas de argumentos jurídicos, mas também extrajurídicos. A legítima defesa é uma das causas excludentes da ilicitude previstas no Código Penal, as quais, consoante o teor do art. 23, excluem a configuração de um crime, e, consequentemente, afastam a aplicação da lei penal, tendo em vista a condição específica em que foi praticado determinado fato típico: 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: (...) II - em legítima defesa; 

O art. 25 explica quando ficará caracterizada a legítima defesa: 

Legítima defesa 

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. 

Como se vê, o instituto caracteriza-se pela conjunção dos seguintes elementos: a) agressão injusta (atual ou iminente); b) proteção a direito próprio ou de terceiro; c) uso moderado dos meios necessários para repelir essa agressão (proibição do excesso); d) presença de um ânimo de defesa (animus defendendi). Isso porque é preciso que o agente saiba que atua nessa condição, ou, pelo menos, acredita agir assim. 

A legítima defesa é uma hipótese excepcional na qual o ordenamento jurídico admite que se afaste a aplicação da lei penal. Logo, somente se justifica se estiverem preenchidos os requisitos acima listados. Se os requisitos estiverem preenchidos, não há crime porque nesse caso o direito não atribui desvalor à conduta, já que ela foi praticada no exercício da proteção de um bem jurídico contra uma ofensa perpetrada por outrem. Diante dessa breve exposição do instituto, constata-se que a “legítima defesa da honra”, na realidade, não configura tecnicamente “legítima defesa”. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas, sendo que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis de praticá-la ou de sofrê-la. Eventual desvalor ou censura ao ato de traição é algo restrito aos âmbitos ético e moral. Logo, não existe o direito subjetivo de agir com violência contra uma pessoa que traiu. Informativo comentado. Aliás, foi imbuído desse espírito e para evitar que a autoridade judiciária absolvesse o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções que o legislador ordinário inseriu no atual Código Penal a regra do art. 28, segundo a qual: Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; (...) 

Conforme explica Fernando Capez: “todos os direitos são suscetíveis de legítima defesa, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra etc., bastando que esteja tutelado pela ordem jurídica. Dessa forma, o que se discute não é a possibilidade da legítima defesa da honra e sim a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa. Nessa medida, não poderá, por exemplo, o ofendido, em defesa da honra, matar o agressor, ante a manifesta ausência de moderação. No caso de adultério, nada justifica a supressão da vida do cônjuge adúltero, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero.” (Execução Penal – Simplificado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 309-310). 

Aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional de forma covarde e criminosa. Assim sendo, o adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal. 

Da ofensa constitucional à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e ao direito à vida e à igualdade 

Apesar da alcunha de “legítima defesa”, instituto técnico-jurídico amplamente amparado no direito brasileiro, a chamada “legítima defesa da honra” corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil. A ideia que subjaz à “legítima defesa da honra” - perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera - tem raízes arcaicas no direito brasileiro, constituindo um ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988. Com efeito, a “honra masculina” já foi um bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, como se verificava, à época da colônia, no Livro V, Título XXXVIII, das Ordenações Filipinas, no qual se concedia ao homem o direito de matar sua esposa quando flagrada em adultério. Isso não é mais tolerado. A ideia de legítima defesa da honra é anacrônica e remonta a uma concepção rigidamente hierarquizada de família, na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação. Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do “chefe de família”, que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra. O argumento da “legítima defesa da honra” normaliza e reforça uma compreensão de desvalor da vida da mulher, tomando-a como ser secundário cuja vida pode ser suprimida em prol da afirmação de uma suposta honra masculina. Isso também está em descompasso com os objetivos fundamentais contidos no art. 3º da Carta Magna, especialmente os seguintes: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”; e “IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Trata-se, além do mais, de tese que viola os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, caput e incisos I, da CF/88), também pilares de nossa ordem constitucional. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio. A aceitação da tese da legítima defesa da honra tem o potencial de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção. É dever do Estado criar mecanismos para coibir o feminicídio e a violência doméstica, a teor do que dispõe o art. 226, § 8º, da CF/88, segundo o qual o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”. Decorre da norma constitucional em tela não somente a obrigação do Estado de adotar condutas positivas, mas também o dever de não ser conivente e de não estimular a violência doméstica e o feminicídio. Por todo o exposto, o STF concluiu que o argumento da tese da “legítima defesa da honra” é prática que não se sustenta à luz da Constituição de 1988, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida, não devendo ser veiculada no curso do processo penal nas fases pré-processual e processual, sob pena de nulidade do respectivo ato postulatório e do julgamento, inclusive quando praticado no tribunal do júri. 

Tribunal do júri e plenitude de defesa 

A plenitude de defesa é princípio constitucional essencial à instituição do tribunal do júri e está inscrita no rol de direitos e garantias fundamentais da Carta Magna, nos termos do art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF/88. A Constituição garante aos réus submetidos ao tribunal do júri plenitude de defesa, no sentido de que são cabíveis argumentos jurídicos e não jurídicos – sociológicos, políticos e morais, por exemplo -, para a formação do convencimento dos jurados. Apesar disso, a “legítima defesa da honra” consiste não apenas em um argumento atécnico e extrajurídico, mas também em uma estratégia cruel, ofensiva à dignidade da pessoa humana, aos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país. Com efeito, como bem colocou o Ministro do STJ Rogério Schietti, no julgamento do AREsp nº 1.553.933/SC, “é surpreendente ver ainda essa tese sustentada por profissional do Direito (…) como se a decisão judicial que afastou tão esdrúxula tese fosse contrária à lei penal. Como pretender lícito, ou conforme ao Direito (...), o comportamento de ceifar, covardemente a vida de uma mulher companheira[?]” Logo a legítima defesa da honra, nessa perspectiva, não pode ser invocada como argumento jurídico ou não jurídico mesmo diante da plenitude de defesa própria do Tribunal do Júri. A cláusula que garante a plenitude de defesa no Júri não pode se constituir em instrumento para a salvaguarda de práticas ilícitas. Vale ressaltar que não existem garantias individuais de ordem absoluta, especialmente com escopo de salvaguardar práticas ilícitas (STF. 2ª Turma. RHC 132.115, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 9/3/17). Assim, em uma ponderação de interesses, a dignidade da pessoa humana, a proibição de todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida prevalecem sobre a plenitude da defesa, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio. 

O art. 483, § 2º, do CPP e a soberania dos veredictos 

O art. 483, III c/c o § 2º, do CPP prevê a possibilidade de, no Tribunal do Júri, ocorrer a absolvição genérica ou por clemência: 

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (...) § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? 

O art. 593, III, “d”, do CPP, afirma que é possível interpor apelação contra a decisão dos jurados se o veredicto for manifestamente contrário à prova dos autos: Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (...) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Ocorre que, em razão da previsão constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”), prevalece no STF o entendimento de que não cabe apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) se o júri absolver o réu por clemência: A absolvição do réu, ante resposta a quesito genérico de absolvição previsto no art. 483, § 2º, do CPP, não depende de elementos probatórios ou de teses veiculadas pela defesa. Isso porque vigora a livre convicção dos jurados. Em razão da norma constitucional que consagra a soberania dos veredictos, a sentença absolutória de Tribunal do Júri, fundada no quesito genérico de absolvição, não implica nulidade da decisão a ensejar apelação da acusação. Os jurados podem absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. STF. 1ª Turma. HC 178777/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/9/2020 (Info 993). 

Em face da reforma introduzida no procedimento do Tribunal do Júri (Lei 11.689/2008), é incongruente o controle judicial, em sede recursal (art. 593, III, “d”, do CPP), das decisões absolutórias proferidas com fundamento no art. 483, III e § 2º, do CPP. STF. 2ª Turma. RHC 192431 Segundo AgR/SP e RHC 192432 Segundo AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 23/2/2021 (Info 1007). 

Na reforma legislativa de 2008, alterou-se substancialmente o procedimento do júri, inclusive a sistemática de quesitação aos jurados. Inseriu-se um quesito genérico e obrigatório, em que se pergunta ao julgador leigo: “O jurado absolve o acusado?” (art. 483, III e §2º, CPP). Ou seja, o Júri pode absolver o réu sem qualquer especificação e sem necessidade de motivação. Considerando o quesito genérico e a desnecessidade de motivação na decisão dos jurados, configura-se a possibilidade de absolvição por clemência, ou seja, mesmo em contrariedade manifesta à prova dos autos. Se ao responder o quesito genérico o jurado pode absolver o réu sem especificar os motivos, e, assim, por qualquer fundamento, não há absolvição com tal embasamento que possa ser considerada “manifestamente contrária à prova dos autos”. Limitação ao recurso da acusação com base no art. 593, III, “d”, CPP, se a absolvição tiver como fundamento o quesito genérico (art. 483, III e §2º, CPP). Inexistência de violação à paridade de armas. Presunção de inocência como orientação da estrutura do processo penal. Inexistência de violação ao direito ao recurso (art. 8.2.h, CADH). Possibilidade de restrição do recurso acusatório. STF. 2ª Turma. HC 185068, Rel. Celso de Mello, Relator p/ Acórdão Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020. 

Como compatibilizar esse entendimento do STF acima explicado com a tese de que não se admite a legítima defesa da honra? 

• a maioria do STF continua entendendo que, em regra, o Ministério Público não pode recorrer de decisão absolutória do tribunal do júri baseada em quesito absolutório genérico (art. 483, III, c/c § 2º) alegando que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, “d”, CPP). Isso não mudou; 

• o STF entende que o acusado de feminicídio não pode ser absolvido, na forma do art. 483, III, § 2º, do CPP, com base na tese da “legítima defesa da honra”; 

• assim, é proibido que a defesa, a acusação, a autoridade policial ou o magistrado utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri; 

• se, mesmo com a proibição, houver a invocação/aceitação dessa tese, isso acarretará a nulidade do ato e do julgamento; 

• se a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da legítima defesa da honra no plenário do júri e o réu for absolvido, será possível que o Ministério Público interponha apelação, mas não com base no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) e sim com fundamento na nulidade do julgamento (art. 593, III, “a”, do CPP): 

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; (...) 

Resumindo: Ao apreciar medida cautelar em ADPF, o STF decidiu que: 

a) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, da CF/88); 

b) deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e 

c) a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo são proibidos de utilizar, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. 

STF. Plenário. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Info 1009).

8 de abril de 2021

PEDIDO DE REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS; REQUERIMENTO DO M.P.; INDEFERIMENTO; MANUTENÇÃO DA DECISÃO; FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA

CORREIÇÃO PARCIAL. JURI. CRIME PREVISTO NO ART. 121, § 2º, INCISOS I E IV C/C ART. 29, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO QUE SE INSURGE EM FACE DA DECISÃO PROFERIDA PELO MAGISTRADO DE PISO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. Representante ministerial que, na forma do artigo 422 do CPP, requereu, dentre outras diligências, a reconstituição dos fatos, a qual restou indeferida pelo r. Juízo de piso. Argumentos de que se valeu o r. magistrado para negar a postulada perícia que se mostram absolutamente idôneos. Importante advertir que o deferimento de diligências é ato que se inclui na esfera de discricionariedade regrada do juiz natural do processo, com opção de indeferi-las, motivadamente, quando julgar que são protelatórias ou desnecessárias e sem pertinência com a instrução do processo. Conforme o disposto nos artigos 422 e 423 do Código de Processo Penal, na preparação para o julgamento pelo Tribunal do Júri, o Juiz Presidente, após receber os requerimentos de diligências das partes, deverá ordenar a realização apenas daquelas necessárias para sanar nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa. No caso sub examine, ao contrário do que afirmou o Ilustre Promotor de Justiça, não há se falar em ausência de fundamentação no decisum. Magistrado de piso que, de forma motivada, justificou a desnecessidade da reconstituição ora pleiteada, notadamente, conforme muito bem asseverado, por ter sido formulada após sete anos do cometimento do crime, às vésperas do julgamento pelo Júri, e sem qualquer fato novo que a justificasse. Ademais disso, o Ministério Público não se desincumbiu do mister de demonstrar a real necessidade da produção da prova, na medida em que não apontou a existência de incongruências nas provas orais a fim de serem dirimidas por meio da requerida perícia, não sendo suficiente a simples alegação de que "é necessário à verificação da dinâmica da participação de cada acusado no homicídio." E, como se isso não bastasse, sequer trouxe argumentos capazes de reformar a decisão combativa, limitando-se apenas a reproduzir conceitos vagos e genéricos sobre o tema em questão, tendo, inclusive, se equivocado quando afirmou que somente agora a Promotoria de Justiça do Júri teve a oportunidade processual adequada à veiculação do requerimento da perícia em tela, por ter sido a denúncia oferecida pela PIP, posto que, consoante se depreende dos autos, o Promotor que subscreve a presente correição foi quem aditou a denúncia, cinco meses após o seu oferecimento. CORREIÇÃO PARCIAL A QUE SE JULGA IMPROCEDENTE.



0078369-08.2020.8.19.0000 - CORREIÇÃO PARCIAL

SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). MARIA ANGÉLICA GUIMARÃES GUERRA GUEDES - Julg: 10/12/2020 - Data de Publicação: 15/12/2020

7 de abril de 2021

TRIBUNAL DO JÚRI; SENTENÇA; RECONHECIMENTO DE CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE; AUSÊNCIA DE DEBATE EM PLENÁRIO; AFASTAMENTO; REPOSIÇÃO COMO QUALIFICADORA

PENAL. PROCESSO PENAL. JÚRI. APELAÇÃO CRIMINAL. DENUNCIADO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E CORRUPÇÃO DE MENORES, TUDO NA FORMA DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ARTIGOS 121, §2º, INCISOS I E IV; E 211, AMBOS DO CÓDIGO PENAL; E ARTIGO 1º DA LEI 2252/54; TUDO N/F DO ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL). CONDENADO TÃO SOMENTE PELO CRIME DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER. RECURSO MINISTERIAL OBJETIVANDO A SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO SOB O ARGUMENTO DE QUE A DECISÃO DOS JURADOS SE MOSTROU MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. PROVIMENTO DO APELO MINISTERIAL. NOVO JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO DE A. C. G. J. PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. APELAÇÃO DEFENSIVA PLEITEANDO A REFORMA NA DOSIMETRIA DAS PENAS. 1 - A REDUÇÃO DAS PENAS-BASE AO PATAMAR MÍNIMO LEGAL OU, AO MENOS, QUE SEJAM REDUZIDOS OS PERCENTUAIS DE EXASPERAÇÃO PORQUANTO DESPROPORCIONAIS; 2- QUE AS DUAS QUALIFICADORAS SEJAM VALORADAS NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA E NÃO COM UMA DELAS, A EXCEDENTE, SENDO VALORADA NA SEGUNDA FASE DO PROCESSO DOSIMÉTRICO COMO AGRAVANTE GENÉRICA; 3 - O AFASTAMENTO DA CONFIGURAÇÃO DA AGRAVANTE DO ARTIGO 62, I, DO CÓDIGO PENAL, POR ENTENDER QUE O ALEGADO PELO MAGISTRADO ("(...) EXERCIA FUNÇÃO DE LIDERANÇA NA QUADRILHA, NA COMUNIDADE NOVA HOLANDA, COM A INCUMBÊNCIA DE DETERMINAR AS AÇÕES DESENVOLVIDAS PELOS MEMBROS SUBALTERNOS DO GRUPO CRIMINOSO!'") NÃO SE MOSTRA MOTIVAÇÃO HÁBIL PARA A VALORAÇÃO REALIZADA. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER SEJAM REDUZIDOS OS MONTANTES ACRESCIDOS EM VIRTUDE DAS AGRAVANTES CONSIDERADAS. PREQUESTIONAMENTO. ACOLHIMENTO PARCIAL DO INCONFORMISMO. CONSIDERANDO QUE SE TRATA DO SEGUNDO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI, VEDADA A SUBMISSÃO DO RÉU A UM TERCEIRO JULGAMENTO SOB O FUNDAMENTO DE A DECISÃO SER MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E, DIGA-SE, NÃO É ISSO QUE SE PRETENDE NO INCONFORMISMO. SE O CONSELHO DE SENTENÇA, INDAGADO, RESPONDE POSITIVAMENTE À EXISTÊNCIA DE UMA OU MAIS QUALIFICADORAS, NÃO PODE O JUIZ AFRONTAR DE UMA SÓ VEZ A SOBERANIA DOS JULGAMENTOS PELO JÚRI E A PRÓPRIA LEI FEDERAL, NO CASO, O CÓDIGO PENAL, ESPECIALMENTE OS ARTS. 61 ("SÃO CIRCUNSTÂNCIAS QUE SEMPRE AGRAVAM A PENA, QUANDO NÃO CONSTITUEM OU QUALIFICAM O CRIME: (...)") E 68 ("A PENA-BASE SERÁ FIXADA ATENDENDO-SE AO CRITÉRIO DO ART. 59 DESTE CÓDIGO; EM SEGUIDA SERÃO CONSIDERADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES; POR ÚLTIMO, AS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO E DE AUMENTO."). VERIFICA-SE QUE A AFRONTA SE FEZ NAS DUAS FASES DO PROCESSO DOSIMÉTRICO QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO, TENDO O JUIZ PRESIDENTE, ADEMAIS, RECONHECIDO CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE NÃO DEBATIDA PELAS PARTES EM PLENÁRIO, CONFORME SE EXTRAI DA ATA DE JULGAMENTO, AFRONTANDO TAMBÉM O DISPOSTO NO ART, 492, I, "B" DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ("EM SEGUIDA, O PRESIDENTE PROFERIRÁ SENTENÇA QUE: I - NO CASO DE CONDENAÇÃO: B) CONSIDERARÁ AS CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES OU ATENUANTES ALEGADAS NOS DEBATES;"). COM EFEITO, A SUPRESSÃO DA REFERIDA QUALIFICADORA SE DEU PORQUE O MAGISTRADO A ENTENDEU COMO CAUSA AGRAVANTE, O QUE NÃO LHE É PERMITIDO POR LEI PORQUANTO, NA FORMA DO ARTIGO 61 DO CÓDIGO PENAL, SÓ PODE SER CONSIDERADA AGRAVANTE A CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO CONSTITUA OU QUALIFIQUE O CRIME. EM OUTRAS PALAVRAS, SE O JÚRI, INDAGADO, RECONHECER A CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA, VEDADO AO JUIZ PRESIDENTE MODIFICAR A SUA NATUREZA NA FIXAÇÃO DA PENA, PELO QUE SE AFASTA A REFERIDA AGRAVANTE E SE REPÕE A QUALIFICADORA PARA SER EXAMINADA NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. DIANTE DISSO, E CONSIDERANDO AS DUAS QUALIFICADORAS RECONHECIDADS PELO JÚRI E QUE O MAGISTRADO SÓ VALOROU A TORPEZA EM DOIS ANOS E QUANTO À MA CONDUTA SOCIAL O FEZ DE FORMA INIDÔNEA, A PENA-BASE RESTA FIXADA EM 14 ANOS DE RECLUSÃO, PORÉM, POR NOVA MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO. NA SEGUNDA FASE DO PROCESSO DOSIMÉTRICO, CONSTATA-SE INEXISTIREM CICURNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES A CONSIDERAR, RESTANDO O ACUSADO DEFINITIVAMENTE CONDENADO PELO HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO A PENA DE 14 ANOS DE RECLUSÃO E MANTIDO O REGIME PRISIONAL FECHADO. NO REFERENTE AO CRIME DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER, REPETIU-SE A INIDONEIDADE FUNDAMENTATÓRIA QUANTO A MÁ CONDUTA SOCIAL ESTABELECIDA POR MERAS ANOTAÇÕES NA FAC E, TAMBÉM, CONSIDERANDO QUE O CRIME FOI JULGADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI, A AGRAVANTE RECONHECIDA NA SENTENÇA NÃO FOI OBJETO DE DEBATE EM PLENÁRIO, RESTANDO O RÉU CONDENADO POR ESSE CRIME A UM ANO DE RECLUSÃO NO REGIME ABERTO E 10 DIAS-MULTA, SANÇÃO QUE SE DECLARA EXTINTA PELA PRESCRIÇÃO, TENDO COMO MARCOS A DATA DO JULGAMENTO DA PRIMEIRA APELAÇÃO E O SEGUNDO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.



0001199-56.2009.8.19.0028 - APELAÇÃO

SEXTA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO - Julg: 25/06/2020 - Data de Publicação: 11/12/2020

TRIBUNAL DO JÚRI; RESULTADO MORTE; AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL; ACOLHIMENTO DA TESE PELOS JURADOS; PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CONVICÇÃO; JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS; NÃO CONFIGURAÇÃO


EMENTA Apelação Criminal. Tribunal do Júri. Apelado absolvido pela imputação relativa ao crime descrito no artigo 121, § 2º, II, do CP. Recurso ministerial pleiteando a cassação da decisão do Júri, alegando que ela é manifestamente contrária às provas dos autos. Parecer da Procuradoria de Justiça no sentido do provimento do recurso. 1. Segundo a denúncia, no dia 06/10/2015, no interior da residência, o denunciado com animus necandi, desferiu três golpes de faca contra seu irmão, R. provocando-lhe lesões corporais, que foram a causa eficiente de sua morte, que ocorreu no dia 22/10/2015, no Hospital, conforme o laudo de exame de necropsia acostado. O crime foi cometido por motivo fútil, já que a razão foi o fato de a vítima ter interferido em uma bronca que o denunciado dava em seu filho, menor com oito anos à época. 2. Extrai-se das provas que, após os golpes de faca sofridos, a vítima foi socorrida, recebeu alta e foi para casa. Após alguns dias, passou mal, não retornou logo ao hospital e, quando voltou, para extrair os pontos, foi internada e logo faleceu por infecção generalizada. 3. A tese principal defensiva em plenário foi ausência de nexo causal, que foi apresentada ao conselho de sentença. "No dia (...), no interior da residência (...), foram desferidos três golpes de faca contra R. J. DA R., causando-lhe lesões corporais, que, por sua natureza e sede, foram a causa de sua morte?". Na oportunidade os jurados responderam negativamente, restando os demais quesitos prejudicados. 4. Nos termos do artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, deve ser assegurada a soberania dos Veredictos. Prevalência do princípio da íntima convicção, sendo os jurados livres na valoração e na interpretação das provas, podendo fazer uso de quaisquer delas contidas nos autos, mesmo aquelas que não sejam as mais verossímeis. Admite-se a desconstituição dos seus julgamentos, excepcionalmente, quando o conjunto probatório não trouxer nenhum elemento a embasar a tese abraçada pelo Conselho de Sentença. 5. Na hipótese em julgamento, não temos uma prova pericial que determine que a vítima faleceu em virtude dos golpes sofridos, não ficando excluída a possibilidade de algum outro fator ter interferido no nexo causal, de modo a provocar a morte da vítima. Ficamos assim, no campo da incerteza quanto à real causa do óbito, o que permite aos jurados decidir num ou noutro sentido, dentro do âmbito da sua soberania. 5. Rejeitado o prequestionamento. 6. Recurso conhecido e não provido.



0096589-22.2018.8.19.0001 - APELAÇÃO

QUINTA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID - Julg: 26/11/2020 - Data de Publicação: 15/12/2020