4 de outubro de 2017

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS PARA A DESJUDICIALIZAÇÃO E O DIREITO COMPARADO; Revista de Direito Imobiliário, vol. 82, p. 107 - 153, Jan-Jun/2017

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS PARA A DESJUDICIALIZAÇÃO E O DIREITO COMPARADO

Usucapione extragiudiziale: fondamenti costituzionali per la degiurisdizionalizzazione e il diritto comparato
Revista de Direito Imobiliário | vol. 82/2017 | p. 107 - 153 | Jan - Jun / 2017
DTR\2017\2464
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Henrique Ferraz de Mello
Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Naturais da Comarca de Itapevi-SP. Concluiu em 1983 o curso de bacharelado em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É Mestre em Direito Civil, Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-graduado pela Escola Paulista da Magistratura de São Paulo no 1º curso de especialização em Direito Registral e Notarial. Foi juiz de direito em São Paulo, atuando preponderantemente na 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos da Capital. É membro da Comissão do Pensamento Registral do Instituto do Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário (ABDRI). - henry.ferraz@uol.com.br

Área do Direito: Constitucional; Civil; Processual; Imobiliário e Registral

Resumo: Constitui objeto precípuo deste estudo analisar os fundamentos constitucionais da usucapião extrajudicial no Brasil, confrontando-a com o ordenamento jurídico interno e de alguns países da América do Sul e da Europa. Busca-se encontrar algumas respostas e soluções práticas para determinadas questões que emergem no dia a dia dos processos em tramitação nas serventias prediais, em face de alteração imprimida pelo Senado à redação dada ao projeto substitutivo do Código de Processo Civil pela Câmara dos Deputados. No ponto, há de se destacar a questão pertinente à necessidade de concordância expressa de todos os titulares de direitos reais do imóvel usucapiendo e confrontantes.

 Palavras-chave:  Usucapião extrajudicial - Prescrição aquisitiva administrativa - Processo administrativo de usucapião - Litígio administrativo - Acordo de usucapião administrativa - Contrato de usucapião.

Riassunto: L’oggetto precipuo di questo studio è analizzare i fundamenti costituzionali dell’usucapione extragiudiziale in Brasile, confrontandolo con l’ordinamento giuridico interno e di alcuni paesi dell’America del Sud e dell’Europa. Chercheremo di incontrare risposte e soluzioni pratiche a determinati questioni che quotidianamente sorgono dai vari processi presso gli uffici del registro immobiliare, in virtù delle modifiche operati dai Senato, al progetto sostitutivo del Codice di Procedura Civile della Camera dei Deputati. A questo punto, occorre evidenziare la questione relativa all’obbligatorietà dell’esistenza di un accordo di tutti i titolari di diritti reali sull’immobile oggetto di usucapione e relativi confinanti.

 Parole chiave:  Usucapione extragiudiziale - Prescrizione adquisitiva amministrativa - Processo amministrativo dell’usucapione - Litigio amministrativo - Accordo di usucapione amministrativo - Contratto di usucapione.

Sumário:  
1Introdução - 2Abordagem inicial - 3Sinopse da desjudicialização - 4Fundamentos constitucionais para a desjudicialização - 5Nótulas históricas da usucapião extrajudicial em confronto com o direito estrangeiro - 6As espécies de usucapião extrajudicial - 7A usucapião extrajudicial do NCPC - 8Conclusão - 9Referências bibliográficas


1 Introdução

Falar da usucapião extrajudicial, mormente após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil em 2015, é um convite à viagem no tempo, além de grande desafio ao operador do direito, mercê da novidade que cerca o instituto, tal como veio concebido no Brasil. Não se pretende aqui nesse modesto estudo esgotar toda a matéria, a despeito de haver me dedicado a ela com maior profundidade, embora não exauriente, durante alguns anos, para a elaboração da tese, a qual, por inestimável auxílio e bom coração de vários amigos e juristas, acabou resultando na edição de um livro que leva o mesmo nome.1
Não nos cabe, tampouco, reproduzir aqui todo o trabalho que já desenvolvemos, por óbvias razões. Cumpre-nos abordar apenas algumas questões que vêm sendo suscitadas em nosso meio e suas possíveis soluções do ponto de vista prático, em confronto com o que se passa em alguns países.
A principal delas reside, sem sombra de dúvida, na cláusula de consentimento expresso de todos os interessados certos, erigida pela Casa alta do parlamento como condição de procedibilidade da usucapião extrajudicial. Talvez aí derivem outras mais, como se sucede no debate acerca das notificações por edital.

2 Abordagem inicial

Toda usucapião é extrajudicial, porque independe de qualquer pronunciamento de auctoritas. A expressão, porém, se acha incorporada ao linguajar comum, não passando de neologismo, tão apenas para diferenciar o processo administrativo do judicial. Com a devida vênia, será aqui utilizada com essa finalidade; ou seja, para simples diferenciação do processo judicial.
Importa acentuar, desde logo, que a usucapião extrajudicial imobiliária é um processo administrativo tendente à formação de um título inscritível de atribuição da propriedade no Registro de Imóveis. Esse processo, a que denominamos de atestação de um fato jurídico, particularmente de natureza declaratória de domínio, não visa apenas a atender interesses particulares, mas também, e sobretudo, interesse maior da coletividade – interesse público primário, por excelência.
São despiciendas, portanto, maiores considerações em torno da seriedade que deve ser levada em conta na condução desse novo modelo de regularização de domínio na esfera administrativa, como tal instituído pelo legislador do Código de Processo Civil atual.

3 Sinopse da desjudicialização

Seguindo a tendência de alguns países da Europa ocidental, como Itália, Espanha e Portugal, bem como da América do Sul, como se observa na Argentina, Chile e Peru, o Brasil tem-se empenhado na implementação de mecanismos alternativos, rectius: complementares de acessibilidade à jurisdição, a partir do último quartel do século passado, primordialmente em razão do colapso do sistema judiciário.
Não deveria ser assim, porque a desjudicialização2 deve ser considerada como fenômeno independente dos grandes problemas que assolam a Justiça. A morosidade da Justiça não é um fato novo, ocorrido tão apenas a partir de meados do século passado. Mesmo na Roma antiga, noticia a doutrina,3 já era questionada a morosidade do processo. Tampouco se trata de fenômeno exclusivamente brasileiro. Estatísticas levadas a cabo pela Corte Europeia de Direitos Humanos demonstram que, do período de 1959 a 2010, a Itália obteve mais de 25% das condenações pronunciadas contra os demais países membros por violação à garantia da razoável duração do processo.
Escreve Tiziana Di Ciommo4 que das 4.469 sentenças condenatórias ditadas pelo Tribunal Europeu, 1.139 delas se dirigiram contra a Itália. Além disso, a autora revela que, segundo estatísticas do Banco Mundial, de 2010, o Estado italiano ocupa no ranking a 157ª posição sobre os 183 países examinados, ficando abaixo de Indonésia, Paquistão e Kosovo. Registre-se que nessa relação consta que o Brasil ocupa a invejável posição de número 98,5 levando em conta não apenas o tempo da demora na prestação jurisdicional, mas também os custos do processo.
Os números, todavia, contradizem a realidade brasileira. O então presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, foi deveras enfático, já em 2015,6 acentuando que existem “mais de 100 milhões de ações judiciais em um País com 202 milhões de habitantes”. Conclui o magistrado que “se considerarmos que para cada processo há no mínimo dois envolvidos, nós temos, atualmente, um processo para cada brasileiro”.
A experiência forense diária, a propósito, tem demonstrado que pouco ou nada adiantou inserir-se no texto maior a garantia da razoável duração do processo. O Brasil, ao contrário da Itália, não possui standards de verificação dessa razoabilidade, ainda mais se verificarmos que esse termo comporta um conceito jurídico indeterminado,7 demandando a análise do caso em concreto.
De qualquer modo, a Corte Europeia dos Direitos Humanos tem traçado critérios objetivos para o julgamento das causas concernentes à violação da garantia de tempestividade da tutela jurisdicional, tais como: a) a natureza do processo e a complexidade da matéria; b) o comportamento das partes8 e de seus procuradores; c) a atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; d) a fixação legal de prazos para a prática de atos processuais, visando a garantir de modo efetivo o contraditório e a ampla defesa.9
Não calha discutir o grau de efetividade e eficácia desses julgamentos. É dizer: até que ponto têm sido detectados efeitos positivos e profiláticos perante os Estados-membros da convenção europeia. Vale observar, sim, que o interesse social, político, econômico e jurídico em relação à adoção (ou não) de mecanismos judiciais e não judiciais para a prevenção e solução das controvérsias de relevância jurídica aumenta, à medida que aumentam os pontos de estrangulamento da Justiça.
Por isso, quando o Estado não consegue dar resposta rápida e eficaz à solução dos conflitos, surgem então mecanismos alternativos, que não refletem senão uma revisão conceitual e empírica dos próprios meios dispostos aos indivíduos para se protegerem da ameaça de lesão, da ação ilícita de terceiros ou para reaverem seus direitos.
A par desses mecanismos de prevenção e solução das controvérsias, o que se convencionou chamar de ADRs,10 outros mais têm sido incrementados no Brasil, em razão, sobretudo, da crise de efetividade do processo civil. Para citar apenas alguns, entre vários, observa-se essa tendência na edição de textos legais refletindo a necessidade de resposta célere a essa demanda ascendente, como é o caso da venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente (Lei 9.514/1997),11 da retificação bilateral do registro de área (Lei 10.931/2004), dos inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais (Lei 11.441/2007), da demarcação urbanística administrativa de terrenos públicos da União (Decreto-lei 9.760/1945, com alterações promovidas pela Lei 11.481/2007), da usucapião administrativa perfilhada na Lei 11.977/2009, recentemente alterada pela Medida Provisória 759, de 22.12.2016 (MP 759), do penhor legal extrajudicial, da consignação extrajudicial, da venda extrajudicial no NCPC e, finalmente, da usucapião extrajudicial introduzida pelo NCPC na Lei 6.015/1973.

4 Fundamentos constitucionais para a desjudicialização

4.1 Lineamentos preliminares

             Em nosso trabalho já mencionado linhas atrás,12 relacionamos alguns dos princípios13 que mais de perto interessam ao estudo da usucapião extrajudicial como parte de um fenômeno maior de desjudicialização, numa tentativa de agrupamento e ordenação do sistema.14 Não se poderia ignorar aqui a clássica definição dada por Celso Antônio Bandeira de Mello,15 segundo a qual, princípio é, por definição, “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”.

4.2 Princípio da acessibilidade à ordem jurídica justa

Destacamos o princípio da acessibilidade à ordem jurídica justa, sobre o qual gravitam todos os demais princípios e garantias constitucionais, especificando neste breve articulado aqueles que mais de perto interessam ao processo administrativo da usucapião. O direito de acesso à jurisdição, aí compreendendo seu mais amplo significado, como é a jurisdição administrativa, inclui o direito a um processo giusto e equo.
Embora nem todo acesso a uma ordem jurídica justa repouse na ideia unitária de uma jurisdição justa, bastando ver a hipótese de uma conciliação injusta, não se ignora o fato da necessidade humana no sentido da solução de seus problemas e conflitos independentemente dos embaraços inerentes ao processo judicial. Nisso se incluem não apenas os meios heterocompositivos, mas também os autocompositivos de solução das controvérsias.
Numa palavra, não há justiça sem direito de acesso amplo a uma ordem jurídica estruturada num verdadeiro Estado Democrático de Direito. Se os canais de acesso à tradicional jurisdição estão obstruídos, não se há de legitimar o uso arbitrário das próprias razões. Mas também não se pode impedir que, por meio de lei representativa da expressão da vontade popular, sejam instituídos outros mecanismos de prevenção e solução de questões e conflitos de interesses. A desjudicialização se legitima por meio de lei que atenda aos anseios populares, segundo os princípios e normas constitucionais.
Na temática da usucapião, o processo judicial é demasiado moroso. Diz-se, com incontrastável acerto, que o processo de usucapião nasceu para não terminar.16 Não é incomum assistirmos grande número de processos de usucapião em que o autor da ação não chega a conhecer o seu resultado. Nas varas de registros públicos da Capital do Estado de São Paulo, predomina a falta de litígio nos processos de usucapião. O juiz passa então a exercer funções próprias a de um administrador público de interesses públicos e privados, fiscalizando os atos do processo, como são as citações, os prazos e a produção da prova. Atividade análoga a de um juiz argentino que, há algum tempo, atuava na usucapião judicial em sede de jurisdição voluntária, ou a de um juiz que apenas homologa a prova de separação de fato do biênio anterior ao pedido de divórcio.
Desde logo, cumpre realçar que não se pode falar de acesso a uma ordem jurídica justa sem o devido processo legal, a ponto de também ser correto concluir que nele estão embutidos todos os princípios que se relacionam à atividade administrativa de julgar. A governança desse princípio torna desnecessário aprofundar outros princípios e garantias constitucionais, como são a imparcialidade,17 a independência e a boa-fé do órgão decisório,18 a moralidade, o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao procedimento regular, o direito à prova,19 o direito ao duplo grau de jurisdição administrativa20 e assim por diante.
Nossa Constituição Federal se inspirou na Constituição portuguesa21 e consagrou entre seus princípios político-constitucionais o da convivência justa (art. 3º, I): “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Como valores supremos fundamentais, expressou o constituinte originário, já no preâmbulo do Texto Maior, os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Não se pode, por conseguinte, construir uma sociedade livre, justa e solidária sem acesso a uma ordem jurídica justa, o qual, por sua vez, não se confunde com o direito de acesso à jurisdição, pura e simplesmente (art. 5º, XXXV, da CF (LGL\1988\3)).
O acesso à ordem jurídica justa é um valor supremo mais abrangente do que aquele do acesso à jurisdição. Na realidade, pode-se denominá-lo de sobreprincípio e também garantia,22 porque enfeixa todos os valores supremos da Constituição,23 irradia-se sobre a sua estrutura e ainda alimenta uma constelação de princípios e garantias, entre os quais se insere o próprio direito de acesso à jurisdição.
Diante do subjetivismo que paira sobre o significado de justiça, deve-se interpretar referido sobreprincípio como ideal a ser alcançado, no sentido de que todos possam usufruir da tutela de direitos concebida no ordenamento jurídico de modo efetivo, sem discriminações. Assim, exemplificando, não é porque o salário mínimo seja algo injusto, por não atender aos ditames previstos na Constituição Federal (art. 7º, IV), que se vai a partir daí tolerar injustiça.
Além disso, o direito de acesso à ordem jurídica justa se realiza por intermédio de instrumentos processuais e administrativos que o Estado Democrático de Direito eficazmente oferece à cidadania, a fim de que se possam concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.24
Assim, se as barreiras de acesso à Justiça paralisam a Constituição, no sentido do não caminhar, as barreiras de acesso à ordem jurídica justa asfixiam o texto, rompendo o próprio sentido teleológico do Estado Democrático de Direito. A consequência inevitável, como organismo vivo, é a morte da Constituição.

4.3 Princípio da legalidade

Toda e qualquer desjudicialização exige a observância do princípio da legalidade, pois evidentemente não cabe ao particular subtrair-se à ação judicial, agindo por autoridade própria, sem que o ordenamento jurídico autorize esse modo excepcional de atuação.
Em se tratando de processo administrativo – instituição jurídica de perfis próprios25− tanto as partes quanto as autoridades administrativas que nele participam estão sujeitas aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum.        
A questão é saber exatamente qual é a extensão do princípio na usucapião extrajudicial ou administrativa.
Na esteira da clássica definição de Hely Lopes Meirelles,26 não há na Administração Pública liberdade ou vontade pessoal. “Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’, para o administrador público significa ‘deve fazer assim’.”
Cabe distinguir, porém. Num processo administrativo de reconhecimento de domínio, no qual a autoridade administrativa se equipara a do juiz, como é o caso da usucapião, segundo o novo Código de Processo Civil, cumpre revisitar os critérios que a doutrina tradicionalmente impõe nesse âmbito principiológico.
Não se espera que o oficial registrador atue como um ser autômato, escravo da lei, em seu pior sentido, aguardando que as autoridades superiores determinem o que se deva ou não fazer.
O processo administrativo de usucapião do novo Código de Processo Civil é de cognição bem mais ampla do que aquele da MP 759. Não há modelos preestabelecidos. O campo probatório é também muito amplo. Os fatos dominam o processo. Não há molduras perfeitas que se encaixam ou devem se encaixar em toda e qualquer hipótese. Diversamente da qualificação dos títulos em geral, judiciais ou extrajudiciais, o processo de usucapião nesse caso, tal como o judicial, não possui uma fórmula padronizada.
Portanto, na análise do pedido e seu processamento, é o princípio da legalidade ampla que haverá de nortear o processo administrativo da usucapião, como tal instituído pelo NCPC. Nessa seara, incluem-se os pareceres, decisões e atos normativos emanados pelos órgãos administrativos de fiscalização e julgamento das questões aportadas no processo27 e na jurisdição comum. É demasiado óbvio que a jurisprudência administrativa e também a dos juízes e tribunais no exercício de sua jurisdição deva ser considerada, incluindo as reiteradas decisões proferidas por outros oficiais de Registro Imobiliário, respeitado o livre convencimento do oficial registrador, desde que pautado em critérios objetivos de razoabilidade mínima, tal como se passa na esfera judicial.
O máximo que se poderia aquilatar é a respeito do controle de legalidade estrita sobre a prática de determinados atos; isto é, segundo fórmulas pré-padronizadas de procedimento, jamais na esfera de decisão ou da coleta e condução da prova, desde que obviamente respeitadas as garantias do contraditório e do devido processo legal.
Assim, por exemplo, é possível admitir que as Corregedorias-Gerais de Justiça e/ou o Conselho Nacional de Justiça disciplinem o que a ata notarial deve conter,28 os prazos para a prática dos atos processuais, a ordem e o preparo da documentação que deverá ser juntada aos autos e no sistema eletrônico, e assim por diante.
A não ser assim, triunfará a burocracia, em detrimento da justiça e da eficiência dos serviços públicos.
Pois o receio de errar e ser apenado em toda e qualquer circunstância levará o oficial do Registro de Imóveis a atuar como um burocrata subserviente e não como um juiz independente. Por isso que somente poderá responder por seus atos, incorrendo em dolo, fraude ou culpa grave,29 devidamente demonstrados em casos excepcionais, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, em processo próprio.

4.4 Princípio da segurança jurídica

Esse princípio perfilhado na Constituição Federal, a começar por seu preâmbulo, ao depois transitando pelos arts. 5º, caput, XXXIII, e 6º, entre outros, constitui, na acurada expressão de José Delgado,30 um “reflexo da necessidade que o homem tem de conduzir e planejar as suas relações jurídicas. Ela é elemento componente do Estado de Direito, inspiradora de confiança a ser sentida pelo cidadão ao praticar qualquer jurídico31 de natureza pública ou privada”.
A propósito da usucapião, bem situa Diez-Picazo32 que esse instituto serve à segurança do direito e que, sem ela, nada estaria a salvo de pretensões sem fundamento: “As ações e pretensões não podem exercitar-se sem limite algum de tempo. A mecânica social impõe que sejam exercitadas dentro de períodos de tempo razoáveis”.
Resta evidente afirmar que a segurança jurídica está na base das normas sobre a prescrição e a decadência.33 Aí se insere a usucapião,34 cujo objetivo é eliminar a incerteza do domínio e dos direitos, estabelecendo um limite, além do qual não seria lícito exercer o direito de ação.35
Não nos cabe alongar sobre o princípio da segurança jurídica da usucapião em si, no direito substantivo, mas é curial que a mesma segurança jurídica que justifica o instituto, na realidade de fato em relação ao processo judicial, sirva também como fundamento do processo administrativo, nele incidindo uma série de outros princípios, tais como os da publicidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência (art. 37 da CF (LGL\1988\3)).
Por via do processo, será possível definir o domínio, eliminando eventuais dúvidas, incertezas ou disputas em torno da propriedade e mesmo da posse − pressuposto basilar da usucapião −, quando qualificada. O processo administrativo da usucapião atende ao princípio da segurança jurídica, quando se consuma de forma regular, com respeito a todos os demais princípios constitucionais, representando, por isso mesmo, um dos grandes instrumentos de pacificação social.

4.5 Princípio da publicidade ampla

Não pode haver segurança jurídica sem transparência, num Estado Democrático de Direito. O sistema registral imobiliário não se coaduna com o sigilo. Todo processo de natureza administrativa que transita na serventia predial é de natureza pública.36
Trata-se de dar ao usuário a segurança jurídica que se espera, mediante acompanhamento e fiscalização dos atos praticados nas serventias imobiliárias. De regra, toda e qualquer variação que possa afetar o registro é endereçada ao seu titular, como, por exemplo, a retificação de ofício nas hipóteses previstas no art. 213, I, da Lei 6.015/1973, ou do terceiro legitimamente interessado, como é o caso do promissário comprador, que apresenta o seu título no registro imobiliário.
Nisso consiste o dever de cumprimento dos ditames previstos na Constituição Federal, em especial do art. 37, contemplado também nas disposições que tratam do direito à informação sobre os assuntos públicos, “quer pelo cidadão, pelo só fato de sê-lo, quer por alguém que seja pessoalmente interessado”37 (art. 5º, XXXIII e XXXIV).
O direito de certidão é também referendado pela Lei 6.015/1973, no art. 16 e ss. Não há no Registro de Imóveis atos protegidos pelo sigilo ou por situações que o interesse público autorize alguma espécie de regime de exceção. Há de se concluir, assim, que no Registro Imobiliário prepondera o princípio da publicidade ampla. Apenas por decisão judicial devidamente fundamentada será possível admitir alguma forma de exclusão.
A publicidade, hoje, no Registro de Imóveis, alcança patamares ainda maiores, em razão da inexistência de normas que excepcionam a regra, contrariamente ao que ocorre no Registro Civil das Pessoas Naturais.
Averbe-se que em São Paulo foi implantado o registro eletrônico, por meio do Provimento CG 42/2012 (DO, de 19.12.2012), tendo a Corregedoria-Geral de Justiça, em boa hora, disciplinado a matéria de modo deveras exaustivo, facilitando sobremodo a fiscalização pelo cidadão dos serviços do Registro de Imóveis.
A propósito, o Provimento 44 do CNJ, de 19.06.2015, em particular, estabeleceu a obrigatoriedade de todas as serventias extrajudiciais no território nacional manterem intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre si, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral, por meio de centrais de serviços eletrônicos compartilhados, sem falar na expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico (arts. 2º e 3º).
Na outra ponta, seguem as serventias extrajudiciais imobiliárias digitalizando papéis e documentos como forma de obviar as buscas e organizar os serviços de modo mais eficiente e seguro. Bem por isso que, a exemplo do processo judicial, também o processo administrativo de usucapião deverá ser digitalizado, tal como a retificação de registro de área, restando suas imagens totalmente disponibilizadas diariamente às Corregedorias-Gerais de Justiça e aos interessados, na Central de Registradores.
É curial e salutar que a partir daí sejam disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça os feitos administrativos da usucapião em curso e extintos, mediante divulgação de dados elementares, como a data da distribuição, o nome dos requerentes, interessados, a localização dos imóveis e o resultado dos processos, tal como, mutatis mutandis, se passa com a certidão dos distribuidores cíveis em geral.
A propósito da usucapião, convém acentuar que o registro irá sacramentar essa forma de aquisição originária,38 habilitando o usucapiente a promover todo e qualquer ato de disposição ou oneração da propriedade imobiliária. Esse processo a que denominamos de atestação de um fato jurídico preexistente39 produz efeitos erga omnes, porque figuram como interessados o requerente e todos.40

4.6 Princípio da função social da propriedade

É por meio do registro da usucapião que se oficializa a aquisição do domínio, habilitando a circulação do bem e a garantia do crédito, sem se falar do direito à moradia. Nessa condição, a usucapião, em modo estático, como fato jurídico que a lei substantiva insculpiu, se transforma em título, em modo dinâmico, atendendo ao princípio da função social da propriedade.41
Consoante se observa da leitura do art. 1.228, § 1º, do Código Civil (LGL\2002\400),42 “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais”. O título que se obtém por meio do processo, seja judicial, seja administrativo, é levado a registro não apenas para a publicização da propriedade, mas para que sejam cumpridas as finalidades econômicas e sociais que a lei estabeleceu.
Daí porque, embora no plano estático a usucapião se constitua e seja plenamente válida, por si só,43 quando preenchidos os seus requisitos, não esgota a plenitude de sua função social. É necessário ainda que o seu titular regularize o domínio, retirando a propriedade do mercado informal. Essa constitui indubitavelmente uma das principais razões pelas quais o legislador instituiu a usucapião administrativa, nos termos da Lei 11.977/2009, alterada pela Medida Provisória 759, de 22.12.2016 (MP 759) e do CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Não promovendo a regularização do domínio, por meio da ação ou das formas extrajudiciais atualmente previstas em lei, age o possuidor – sem título – como agiria o proprietário desinteressado em relação ao bem.
A diferença reside apenas na ótica em que se analisa a situação de um e de outro, bem como os seus efeitos. A lei não pune o possuidor que negligencia na formação do título inscritível, retirando a propriedade informal do seu habitat natural. Mas pune o proprietário que não se desincumbe de dar à propriedade o uso que dela se espera.
Ocorre que, no plano ontológico e social, agir com ânimo de dono é agir também com interesse na regularização dominial no registro. O possuidor que, por exemplo, se abstém de levar a registro um título extrajudicial inscritível, visando a locupletar-se do não pagamento de tributos, que, por imposição de lei, são carreados ao titular do domínio, não age como se espera de alguém que seja proprietário do imóvel, assim como também aquele que evita regularizar o domínio pela via da usucapião ou por outro meio, como a ação de adjudicação compulsória, por exemplo, subtraindo da ação do fisco a exação devida.
Além disso, ao negligenciar o registro de sua propriedade por meio da usucapião, sujeita-se também a riscos ainda maiores do que aquele que figura na tábula predial, mercê da incerteza e da insegurança que da sua omissão resultam. Assim como o tempo protege aquele que exerce a posse qualificada sobre a coisa usucapienda, também coloca em risco a propriedade de quem, tendo-a adquirido por usucapião, não diligencia para que ela seja inscrita no registro. O tempo atua de diversas formas, dependendo do uso (ou não) que se faz da propriedade.
A função social constitui elemento integrante da propriedade44 e, via de consequência, do processo administrativo da usucapião, que é meio de obtenção do registro da propriedade com base na prova da posse qualificada. Essa função instrumental do processo se confunde com o direito material, quando atinge a sua finalidade. Dar à aquisição originária a forma de titulação é atender ao princípio da função social da propriedade,45 transformando a posse informal em propriedade formal.

5 Nótulas históricas da usucapião extrajudicial em confronto com o direito estrangeiro

Como bem proclamado por Eduardo Sócrates em palestra já mencionada anteriormente, proferida na Bahia, durante Encontro Nacional do IRIB, a usucapião extrajudicial no Brasil, de certa forma, remonta à Lei 5.972, de 11.12.1973 (art. 1º, II), situação parelha a que se sucede na Argentina, promovida pelo Estado Nacional, províncias e municípios, como tal prevista nas Leis 20.396/1973 e 24.320/1994, regulando o regime especial para aquisição ad usucapionem e inscrição do domínio imobiliário, independentemente de intervenção judicial.
Trata-se de típico caso de autotutela unilateral do Poder Executivo. Basta a simples edição de decreto do Poder Público estatal, nos moldes da expropriação prevista em nosso ordenamento jurídico, declarando consumada a prescrição.
Segundo Manuel Horacio Hernandez e Luis Sebastian Clerici,46 esse regime trouxe diversos reclamos de inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio constitucional da inviolabilidade da propriedade, que só admite, por exceção, sentença fundada em lei.
Como já o dissemos em outro trabalho,47 a relutância em relação aos referidos textos legais percorreu a literatura doutrinária argentina, considerando tais diplomas não mais em vigor,48 embora nada exista em concreto nesse sentido atualmente.49
A posse exercida pela administração central ou de suas repartições descentralizadas ou autárquicas deve ser amparada em informes dos respectivos órgãos, especificando a sua origem e o destino, ou afetação que tenha tido o imóvel possuído, agregando os seus antecedentes.
Cada imóvel deve ser descrito com a sua localização, medidas e confrontantes, segundo a planta de levantamento da área. Disposição semelhante se vê na Lei 5.972, de 11.12.1973, que, em seu art. 2º, I, 2º e 3º, estabeleceu: “Art. 2º O requerimento da União, firmado pelo Procurador da Fazenda Nacional e dirigido ao Oficial do Registro da circunscrição imobiliária da situação do imóvel, será instruído com: (...) 2º a denominação do imóvel, se rural; rua e número, se urbano; 3º as características e as confrontações do imóvel”.
Discute-se a existência de uma segunda espécie administrativa, surgida no bojo da Constituição Federal de 1988, como tal prevista no art. 68 do ADCT (LGL\1988\31): “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Não há como estabelecer, a priori, uma conclusão a respeito desse tormentoso tema. Em primeiro lugar, porque há duas correntes antagônicas plenamente válidas. Uma sustentando se tratar de usucapião singular, de Cláudio Teixeira da Silva (Usucapião singular disciplinada no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Revista de Direito Privado, v. 11, jul./set. 2002, p. 79-83), conforme o voto do Ministro Cezar Peluso na ADI 3.239, ainda não disponibilizado.50 Outra, de desapropriação, segundo voto da Ministra Rosa Weber.51
Na realidade, a norma insculpida no art. 68 mencionado supra não deixa antever qual o instituto delineado, se usucapião ou expropriação, muito embora o Decreto 4.887/2003, objeto da ADI 3.239, preveja a expropriação, o que não pode nem deve ser levado em consideração, diante de sua manifesta inconstitucionalidade, pois: a) não compete ao presidente da República regulamentar a Constituição ou matéria estranha à sua competência (art. 84 da CF (LGL\1988\3)); b) tratando-se de usucapião ultracentenária ou de expropriação, deve, em qualquer caso, ser assegurado o contraditório na esfera administrativa, descabendo aos interessados autoatribuir-se a condição de beneficiários (art. 2º), apenas para citar aqui dois motivos bastantes para o decreto de inconstitucionalidade, dentre inúmeros outros.
É situação similar à encontrada na Argentina, como visto, sinalizando, porém, para a usucapião administrativa. Não é por outra razão, aliás, segundo noticiado em boletim de notícias do Conjur, haver sido julgada procedente em 2012, pelo Juízo da 4ª Vara Federal de Santos, ação de usucapião proposta pelo Incra em prol de famílias descendentes de quilombolas.52
Finalmente, a terceira espécie, engendrada no primeiro decênio deste século, é aquela consubstanciada no art. 60 da Lei 11.977/2009, substituída recentemente pelo art. 23 da MP 759.53
Diferentemente da usucapião extrajudicial do novo Código de Processo Civil (NCPC), a usucapião administrativa reafirmada na MP 759 supra constitui etapa final da regularização fundiária urbana, concebida para os ocupantes das glebas regularizadas que não ostentam títulos hábeis com força de aquisição de domínio, mas que já tenham preenchido os requisitos da usucapião de imóvel urbano.
Os moldes prefixados pelo legislador na usucapião administrativa são bem diferenciados daqueles da usucapião extrajudicial do NCPC. É suficiente verificar que a usucapião administrativa revigorada na MP 759 se restringe a imóveis urbanos − resultado de regularização fundiária (Reurb). Anote-se que o modelo dessa usucapião segue, mutatis mutandis, o perfil espanhol antigo do registro da posse, com a conversão em propriedade,54 modelo este encontrado também em Portugal, guardadas as devidas diferenças (art. 1295 do Código Civil (LGL\2002\400)). Como não poderia deixar de ser, alguns países da América do Sul seguiram o modelo espanhol do registro da posse e sua conversibilidade em registro de propriedade, como se observa na Argentina, com a inscrição da escritura de relação ou da ata notarial de constatação, e no Chile, com o registro do denominado justo título emitido pela autoridade administrativa.
Outra marcante diferença entre as modalidades de usucapião administrativa previstas na MP 759 e naquela do NCPC consiste no procedimento de uma e outra. O procedimento instituído na MP 759 é mais simplificado, racional e menos traumático. O processo administrativo da usucapião de imóveis urbanos, segundo os ditames da MP 759 – quase todo ele –, tem início e se esgota no âmbito do ente federativo promotor natural da regularização fundiária, exigindo-se prévio registro do título de legitimação de posse expedido pelo poder público no âmbito da regularização fundiária e, a partir daí, a consumação da posse qualificada, pelo prazo prescricional aquisitivo, de acordo com as modalidades aplicáveis previstas no ordenamento jurídico, em especial aquela configurada no art. 183 da Constituição Federal.
Trata-se de típica hipótese de usucapião secundum tabulas, pois é a partir do registro do título de legitimação que será contado o prazo da posse ad usucapionem.

6 As espécies de usucapião extrajudicial

Segundo a autoridade que preside a usucapião extrajudicial – critério que adotamos –, podemos classificá-la em 3 (três) espécies: a) notarial, b) registral e c) administrativa stricto sensu. Do tipo notarial, encontramos no Peru, Portugal e Espanha.55 A segunda delas – registral – acha-se também prevista no ordenamento jurídico lusitano. É a que o NCPC adotou e foi utilizada durante muito tempo no Peru para as áreas rurais. A terceira é observada na Argentina, Chile e Peru.56 Em comum, observa-se que o divisor de águas entre a usucapião extrajudicial e judicial é o litígio.
Como é possível concluir, a autoridade processante da usucapião extrajudicial varia de acordo com cada ordenamento jurídico e segundo suas peculiaridades. Tanto o notário, quanto o registrador ou mesmo uma dada autoridade governamental, incluindo o juiz, podem processar e presidir a usucapião extrajudicial, por diversos fatores, como, v.g., a realidade socioeconômica, cultural e histórica de cada país.
Precisamente as funções de cada um não excluem todas as possibilidades no âmbito administrativo. Não há uma espécie de vinculação obrigatória exclusiva previamente ou imutável, nem mesmo em nível universal, estabelecendo que apenas uma dessas autoridades seria competente para processar a usucapião extrajudicial. E o exemplo mais emblemático dessa assertiva advém de Portugal, onde notários e registradores podem concorrentemente processar o pedido.
Insurgem-se alguns notários contra as funções atribuídas ao registrador na esfera da usucapião extrajudicial, ao argumento de que a formação do título de domínio seria de sua exclusiva competência, atendendo à vocação instituída pela Lei 8.935/1994 (arts. 6º, 7º, caput e parágrafo único, e 12).57 Ora, a Constituição Federal, em seu art. 236, não discriminou quais as espécies de atividades seriam de exclusiva alçada dos tabeliães e dos registradores. Exigiu regulamentação, em nível infraconstitucional, o que se deu por meio da Lei 8.935/1994. Por sua vez, o NCPC alterou a Lei 6.015/1973, conhecida como a “Lei de Registros Públicos”, a que se subordinam os registradores de forma direta, tal como prevê o art. 12 da Lei 8.935/1994, inserindo no texto a usucapião extrajudicial.
Muito embora o processo administrativo da usucapião tenha por escopo a regularização da aquisição originária de domínio no Registro Imobiliário, não basta a simples manifestação de vontades dos interessados, ainda que acordes na usucapião, para que disso resulte decisão de mérito acolhedora do pedido. Demais disso, não se trata de elaborar uma escritura pública, nem mesmo de cunho declaratório, a cargo de eventuais interessados. O processo da usucapião tem tramitação na serventia imobiliária no Brasil por variadas razões. Ficaremos apenas com duas delas.
A primeira deriva do fato de que as escrituras podem ser lavradas fora da comarca de situação dos imóveis usucapiendos. A segunda decorre da primeira, embora mais abrangente. A dispersão e a precariedade dos registros no sistema brasileiro recomendam que seja o controle deles exercido diretamente pelo oficial registrador, máxime num território como o nosso de vastas dimensões. Tal se justifica não apenas do ponto de vista operacional ou funcional, mas, sobretudo, por medida de segurança jurídica.
A justificação notarial não comportaria a intervenção do oficial registrador, a não ser na fase do registro. Achando-se o ato formalmente em ordem, o registro seria inevitável, ainda que a escritura se escorasse em prova falsa. Tal já ocorre, mutatis mutandis, no âmbito das aquisições derivadas, bem verdade. Mas, em sede de aquisição originária, as consequências seriam ainda piores.
A despeito da existência de modelos estrangeiros albergando ambas as formas – por escritura e por processo conduzido na serventia imobiliária −, como ocorre em Portugal, não calha importar aquilo que o ordenamento jurídico nacional e nossa realidade não permitem assimilar, sem o sacrifício de direitos e valores mais elevados. Não é porque em Portugal, exemplificando, se admite a justificação notarial da usucapião, que se pode concluir que no Brasil essa seria a melhor solução.

7 A usucapião extrajudicial do NCPC

7.1 Traçado preliminar

O processo administrativo de usucapião foi gerado no projeto substitutivo do NCPC aprovado pela Casa revisora, no caso, a Câmara dos Deputados. Não havia previsão da usucapião extrajudicial no Senado – Câmara iniciadora. No entanto, submetido o projeto substitutivo ao Senado, foi alterado substancialmente para constar que a contumácia dos interessados certos no processo administrativo equivaleria a uma discordância e não a uma concordância tácita.
O ponto nevrálgico da usucapião extrajudicial residia exatamente nessa particularidade; isto é, não havendo oposição de qualquer interessado, o processo teria prosseguimento, cabendo ao oficial do Registro de Imóveis, após a análise da prova, decidir pela rejeição ou o acolhimento do pedido.
A usucapião extrajudicial surgiu não apenas como forma de desafogar o Poder Judiciário da grande quantidade de processos judiciais de usucapião sem lide formada e de longa duração – com percurso seguidamente interrompido por variada gama de atos burocráticos sem qualquer conteúdo decisório. Tratava-se também de uma forma mais ágil de regularização da propriedade informal, muito provavelmente a melhor de todas até hoje criadas pelos Poderes Executivo e Legislativo.
Caberia ao juiz decidir a usucapião apenas quando houvesse alguma resistência ao pedido na esfera administrativa. Aliás, de modo racional, o projeto da Câmara visava a deixar para o juiz aquilo que ele deve e pode fazê-lo: compor a lide, declarando quem tem razão. É a forma inteligente de deixar que o Judiciário cuide daquilo que realmente é de grande relevo e que a sociedade espera: decidir o conflito de interesses, tal como se passa no direito estrangeiro.
Lamentavelmente, as alterações introduzidas pelo Senado, a par de sua evidente inconstitucionalidade formal, diante de manifesta afronta ao princípio do bicameralismo ínsito num verdadeiro Estado Democrático de Direito, esvaziaram o sentido lógico e teleológico do projeto, colocando em xeque o próprio instituto, considerando que a usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade, e por esse motivo, descabe exigir do usucapiente qualquer tipo de anuência expressa do dono ou de qualquer outra pessoa.
A consequência prática dessas terríveis alterações é a de que efetivamente tudo ou quase tudo continuará do jeito que está. Com raras exceções – e isso poderá ser atestado por algum levantamento estatístico anual dos tribunais da federação e do CNJ –, a usucapião extrajudicial corre sério risco de se tornar mais uma peça de museu ou de adorno no grande arcabouço legislativo inútil no país.58
Se as regularizações fundiárias já são atravancadas em razão da notória falta de recursos financeiros e técnicos na maior parte dos municípios brasileiros, os embaraços criados ao projeto do NCPC tampouco surtirão alguma melhora.
Dito de outro modo: entre aguardar eventual concordância do dono – utopia na usucapião derivada de simples ocupação sem título (regra no Brasil na grande maioria dos casos) – e ir à Justiça, optará o usucapiente pelo caminho tormentoso tradicional que é a via judicial, desde logo. Sem se olvidar de que eventual acordo com o proprietário poderá representar, não raro, uma forma de simples burla ao fisco.

7.2 Da contumácia nos processos administrativos de regularização fundiária no Brasil

No processo administrativo da usucapião, a falta de assinatura na planta de qualquer dos titulares de direitos reais do imóvel usucapiendo, ou de qualquer outro direito inscrito na matrícula do imóvel usucapiendo ou dos imóveis confrontantes, atrai a sua notificação (art. 216-A, II, § 2º, da Lei 6.015/1973), tal como se passava na demarcatória urbanística (art. 57, §§ 1º e 4º, da Lei 11.977/2009),59 e ainda se passa no processo administrativo de retificação bilateral, em que a usucapião extrajudicial se inspirou, conforme se infere do art. 213, II, §§ 2º e 4º, da Lei 6.015/1973.
A ausência de manifestação do confrontante notificado é considerada como anuência ao pedido de retificação. O mesmo ocorria na demarcação urbanística (art. 57, § 4º, da Lei 11.977/2009), situação que há de perdurar nos processos administrativos de legitimação fundiária e de legitimação de posse previstos na MP 759 (arts. 21 e 22), havendo outros casos similares em nosso ordenamento jurídico, como, v.g., na demarcação de imóveis públicos da União (art. 18-D, §§ 3º e 4º, c.c. o art. 18-E da Lei 11.481/2007),60 no registro do parcelamento do solo urbano (art. 19, § 1º, da Lei 6.766/1979),61 no Registro Torrens (art. 285, § 2º, da Lei 6.015/1973),62 na habilitação de casamento (art. 67, § 3º, da Lei 6.015/1973, art. 1.526 do CC),63 na dispensa de homologação judicial do penhor legal, à falta de impugnação (art. 703, §§ 3º e 4º, do CPC (LGL\2015\1656))64 e assim por diante.
É por demasiado óbvio concluir que a contumácia dos interessados nos processos administrativos de regularização fundiária no país gera a presunção de inexistência de lide, autorizando o prosseguimento do feito, e, conforme o caso, o registro65 provisório ou definitivo de conversão ou não do título. Exige-se, porém, uma conduta comissiva por parte do eventual prejudicado.
Descabe falar de presunção ativa inversa; isto é, de existência de lide ou conflito, em virtude apenas da contumácia de algum interessado. E não poderia ser de outra forma, pois conspira contra a usucapião impedir a aquisição do domínio em razão da inércia do dono. É justamente em função da inércia do titular de domínio, por exemplo, que o usucapiente irá consolidar com o tempo a sua posse qualificada, se e quando preenchidos os seus requisitos.
Não foi, porém, essa a impressão da Comissão do Senado, ao examinar o substitutivo da Câmara: Se não houver concordância, haveria litígio, insolúvel na via extrajudicial. No mesmo sentido se expressou a relatoria da Comissão Temporária do Código de Processo Civil66:
“Se inexistir o consentimento expresso do confinante ou do titular de direitos reais sobre a coisa usucapienda, o oficial de Registro de Imóveis o notificará. Caso ele não exprima sua anuência, não haverá qualquer espécie de ‘revelia administrativa’, pois o art. 216-A da LRP toma como requisito essencial o seu consentimento expresso. É importante deixar isso bem claro: que o silêncio aí não presumirá anuência, pois o notificado tem de expressar seu consentimento expresso”. (g.n.).
Em hora profícua, porém, durante a tramitação da MP 759 no Congresso Nacional, o Projeto de Lei de Conversão de n. 12/2017 (PLV 12/2017), incorporou ao texto as seguintes disposições:
“Art. 216-A. ...............................................
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil;
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes;
.................................................................
§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como concordância.
.................................................................
§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. “ (g.n.).
.................................................................
Por ironia do destino,  em recente mandado de segurança de n. 34.907 impetrado por Luiz Kindbergh Farias Fiho e outros filiados ao Partido dos Trabalhadores, contra ato do presidente do Senado, Eunício Lopes de Oliveira, foi proferida decisão liminar pelo Ministro Luís Roberto Barrroso (STF), em 19 de junho próximo passado, determinando que aludido projeto de lei de conversão, enviado à sanção presidencial, retornasse à Câmara dos Deputados para votação de 8 (oito) emendas feitas no Senado Federal, que não teriam respeitado o princípio do bicameralismo, tal como se sucedeu com o NCPC, em particular no que se refere à usucapião extrajudicial.
De fato, segundo se infere da decisão liminar, “houve aparentes modificações substanciais no texto aprovado pelo Senado Federal e encaminhado diretamente à sanção presidencial”. Nas 8 (oito) emendas destacadas na inicial do mandado de segurança, já se comemora que nenhuma delas diz respeito à usucapião extrajudicial. A decisão liminar cita 3 (três) aparentes inovações promovidas no Senado à revelia da Câmara : emendas 1, 4 e 7,  a saber: a) SPU na “Proposta de Manifestação de Aquisição, por ocupante de imóvel da União; b) modificação do prazo de doação de áreas urbanas e rurais de propriedade da SUFRAMA nos Municípios de Manaus e Rio Preto de Eva; e c) extensão da instituição do Condomínio Urbano Simples para outras hipóteses fora do âmbito de Reurb.
Por conseguinte, são grandes as chances de a novel redação dada à usucapião extrajudicial prosperar, dispensando a necessidade de concordância expressa dos interessados certos. De qualquer forma, cumpre-nos atentar para o que ainda vige, considerando ademais que, por ocasião da elaboração deste estudo, não havia ainda sido inserida a nova redação ao texto, levando-nos, já agora, sob esse prisma, tecer algumas considerações a respeito dessas inovações.

7.3 Dos efeitos da contumácia no direito estrangeiro

Seguindo a secular tradição do direito, os efeitos da contumácia no direito estrangeiro são frontalmente contrários àqueles que o legislador do Senado inovou e que o Congresso Nacional agora procura corrigir.
             Na Espanha, a quebra do trato sucessivo era passível de restauração por meio de ata de notoriedade, uma vez decorrido prazo superior a 30 anos da data do registro restaurando. Tanto que, notificado o titular de direito real e não sobrevindo oposição, era o silêncio havido como anuência tácita.67
             Em Portugal, a falta de oposição de qualquer interessado conduz ao registro da usucapião, segundo a prova colhida durante a instrução:68
“Art. 117º-H do Decreto-lei 224/1984: (...)
2– Se houver oposição, o processo é declarado findo, sendo os interessados remetidos às vias judiciais.
3 – Não sendo deduzida oposição, procede-se à inquirição das testemunhas pela parte que as houver indicado, sendo os respectivos depoimentos reduzidos a escrito por extrato.
4 – A decisão é proferida no prazo de dez dias após a conclusão da instrução e, sendo caso disso, especifica as sucessivas transmissões operadas, com referência à suas causas e identidade dos respectivos sujeitos. [...]
6 – Tornando-se a decisão definitiva, são efetuados oficiosamente os consequentes registos”.
             No Peru, o art. 53 do Decreto Supremo 032-2008-Vivienda assim dispõe:
“Cumplidas las etapas y actuaciones mencionadas precedentemente, y sempre que no se haya interpuesto oposición, el Cofopri procederá a emitir la Resolución respectiva, disponiendo lo siguiente...”.
             Na mesma esteira estabelece o art. 41.2 do Decreto Supremo 035-2006-Vivienda:
“Transcurridos treinta (30) días hábiles, desde la fecha de la última publicación, sin que se hubiera interpuesto oposición, el notario levantará un acta donde hará constar la evaluación de las pruebas y los actuados, y declarará la prescripción adquisitiva de dominio a favor del solicitante o dispondrá la formación de títulos supletorios, según sea el caso”.
             Deles não discrepa o ordenamento jurídico argentino, de acordo com o art. 6º, e, da Lei 24.374/1994:
“No existiendo oposición y vencido el plazo, la escribanía labrará una escritura con la relación de lo actuado, la que será suscrita por el interesado y la autoridad de aplicación, procediendo a su inscripción ante el registro respectivo, haciéndose constar qua la misma corresponde a la presente ley”.
             Muito menos no Chile, ex-vi do art. 12º, primeira parte, do Decreto-lei 2.695/1979:
“Si no se dedujere oposición dentro del plazo indicado en el artículo anterior y previa certificación de este hecho y del de haberse efectuado las publicaciones y colocado los carteles, el Servicio podrá dictar resolución ordenando la inscripción del inmueble en el Registro de Propiedad del Conservador de Bienes Raíces respectivo.”
A única exceção que se tem notícia na literatura da usucapião extrajudicial extraída da análise comparativamente feita nos países em que estivemos no exterior é a que diz respeito à mediação na Itália e Argentina. Obviamente nesses casos não poderíamos prescindir de um acordo de vontades, assinalando o ilustre doutrinador e notário Gaetano Petrelli69 se tratar de negócio de acertamento, razão pela qual se insere na categoria dos atos dispositivos e não meramente declarativos, de tal forma que imperioso se torna observar o princípio da continuidade do registro.
Disso resulta que a usucapião convencionada, ou acertada, do tipo negócio de acertamento – espécie de autotutela consensual –, não constitui uma forma de aquisição originária, mas derivada, não acarretando efeitos liberatórios (usucapio libertatis) sobre bens usucapidos, ficando a salvo direitos de terceiros.70

7.4 Legitimados passivos certos

A redação imprimida pelo Senado ao projeto substitutivo da Câmara revisora foi ainda mais além. Onde antes havia tão apenas a figura do titular de domínio e dos confrontantes como legitimados passivos, tal como o CPC/1973 (LGL\1973\5) o fazia em seu art. 942, II, visando ao chamamento e eventual resposta na ação de usucapião, foram incluídos outros personagens para fins de obtenção da hercúlea anuência.
Assim, na usucapião extrajudicial, não basta a anuência expressa do dono. É preciso que o usucapiente percorra ainda uma verdadeira via crucis, em busca de dados e de todos aqueles que figurem no registro do imóvel usucapiendo e dos imóveis confinantes a qualquer título: “titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes” (Grifo nosso).
A exemplo da necessidade de concordância expressa do proprietário, a  exigência incluída no texto não encontra precedentes no Brasil e nos países a que nos referimos neste artigo. Em Portugal, a notificação na conservatória se dirige tão apenas ao titular de domínio ou sucessores, inclusive por edital, independentemente de habilitação (art. 117º-G, 2, do Cód. Reg. Predial). Na justificação notarial, a notificação prévia é por identidade de razões dirigida ao titular do direito inscrito (art. 99º, 4, do Código do Notariado). No Peru, interessados certos são os titulares de direitos reais do imóvel usucapiendo e confrontantes. Na Argentina, importa promover o chamamento do titular de domínio, ao amparo da Lei 24.374/1994. No Chile, a notificação também se dirige a este último, consoante o Decreto-lei 2.695/1979. Finalmente, na Itália, a usucapião extrajudicial se passa na órbita de um acordo de mediação inscritível, entre usucapiente e aquele que seria o proprietário do imóvel, nos termos do art. 2.643, 12)bis, do Código Civil (LGL\2002\400).
Todos esses exemplos tomados como paradigmas demonstram, à saciedade, que a usucapião extrajudicial no NCPC foi totalmente deformada. Um processo que nasceu para ser um hábil instrumento de regularização de domínio para o cumprimento do primado da função social da propriedade e do pleno acesso a uma ordem jurídica justa, transformou-se num intrincado quebra-cabeças.
A lei se excedeu, ao exigir que titulares de outros direitos inscritos sejam notificados ou que prestem anuência expressa ao pedido, titulares esses desprovidos de direitos reais.
Um locatário que tenha registrado e/ou averbado no fólio real o contrato de locação há vários anos, por exemplo, não poderia estar ocupando algo que está na posse e domínio do interessado requerente, por força da usucapião, a não ser com a permissão deste. Uma simples averbação notícia no registro de um imóvel confrontante de uma ação de indenização proposta contra o seu proprietário atrairia uma despropositada notificação do autor da demanda, exigindo-se a sua concordância expressa, o que é um despropósito, e assim por diante.
E foi omissa, onde não deveria, em relação aos ocupantes, possuidores confrontantes com expectativa de domínio e compossuidores. Vale a aplicação analógica dos arts. 18-D do Decreto-lei 9.760/1945 e 213, II, § 10, da Lei 6.015/1973.
A Súmula 263 (MIX\2010\1988) do STF tem, a propósito, inteiro cabimento aqui: “O possuidor deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião”. Um confrontante pode ser também compossuidor em parte ou no todo da área usucapienda.
Ninguém mais do que aqueles que ocupam as imediações do imóvel, com ânimo de dono, possuem maior interesse na defesa da preservação de suas divisas. Já era costume nas varas de registros públicos da Capital o juiz determinar ao meirinho que percorresse as divisas do imóvel usucapiendo, citando quem encontrar. Não é incomum, daí, que os titulares de direitos reais nessas hipóteses já tenham alienado seus imóveis há muito tempo, quando não tenham falecido sem deixar herdeiros, por exemplo, ou até mesmo abandonado propriedades vizinhas.
Muito embora a nova redação que o Congresso Nacional imprimiu ao texto, já agora, por ocasião da tramitação da MP 759, seja, deveras, superior àquela que havia sido inserida quando da edição do NCPC, subsistirão ainda falhas que cumpre sejam sanadas.
A primeira delas consiste exatamente na defeituosa redação que o texto revogando incorporou em torno da delimitação dos legitimados passivos certos. O parágrafo segundo do artigo 216-A, segundo a novel redação, determina que: ”Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento...”. (g.n.).
A partícula alternativa acima negritada pode induzir à falsa ideia de alternância no chamamento dos interessados certos no processo administrativo da usucapião; isto é, bastaria, por exemplo, a notificação do titular de domínio do imóvel usucapiendo para se dispensar a notificação de algum confrontante e vice-versa, o que não pode ser aceito, pela óbvia razão de que a posse do usucapiente poderá atingir não apenas direitos daqueles que figuram na tábua predial do imóvel usucapiendo, mas também daqueles proprietários dos imóveis confinantes.
É preciso interpretar o texto, segundo a sua finalidade e racionalidade, num sistema harmônico e ordenado de normas, a fim de que a usucapião extrajudicial não se converta numa espécie de jogo, onde o requerente escolheria quem deveria ser notificado ou quem deveria anuir na planta do imóvel.
Da mesma forma que se sucede no texto revogando, o projeto atual é omisso em relação aos confrontantes de fato com expectativa de domínio, valendo as mesmas premissas acima alinhadas.

7.5 Algumas das principais questões corriqueiramente suscitadas no âmbito registrário

Diante das inovações feitas pela Câmara alta no projeto substitutivo, dúvidas várias têm aflorado. E não poderia deixar de ser, porque a desconfiguração do texto acabou mantendo outras disposições em descompasso com as alterações produzidas. Não nos cabe enfrentar e analisar todas elas. Limitaremos a apenas duas, sem a pretensão de esgotar o assunto, até porque, como realçado anteriormente, já tivemos a oportunidade de avançar um pouco mais no tema aqui versado em outro trabalho.71
A primeira delas consiste exatamente em saber quais os efeitos que devem advir ao processo na hipótese de um legitimado passivo certo, tanto que notificado, quedar-se inerte. A menos que se considere ser a discordância tácita como um equivalente à impugnação expressa, o processo deve prosseguir. Para aqueles que entendem ser o silêncio do notificado o mesmo que uma impugnação, o processo deve ser extinto, deslocando a competência administrativa para a judicial.
Nós iremos partir da validade dessa premissa para tentar encontrar um caminho que possa ser utilizado em prol do aproveitamento dos atos praticados no processo administrativo sem prejuízo da via judicial.
Em primeiro lugar, cumpre considerar que a ideia que se extrai da mens legislatoris é a de que, nesse caso, haveria um litígio. Por se tratar de litígio, ele deverá ser dirimido pelo juiz. Ora, nesse caso, o notificado que vira réu deverá ser citado e apresentar contestação, sob pena de revelia. O diálogo paradoxal entre o processo administrativo e o judicial reside no ponto em que aquele que se omitiu no processo administrativo, após a citação, quedou-se inerte, admitindo como verdadeiros os mesmos fatos a que presumidamente se opusera perante o ofício predial. Isto é, ou o notificado se arrependeu e no processo preferiu se omitir, ou ele nunca se opôs ao pedido, apenas se omitindo por simples conveniência, desinteresse ou comodidade, exemplificando.
Quais exatamente as consequências que poderão ser impostas a quem se calou no processo administrativo, retardando a regularização do domínio de quem preencheu todos os requisitos da usucapião? A nosso ver, deverá responder pelas verbas de sucumbência, sem prejuízo de arcar com indenização por perdas e danos, incluindo todas as despesas incorridas pelo usucapiente, como, v.g., honorários advocatícios do patrono do requerente e lucros cessantes, como é o caso de alguém que, na iminência de fechar um negócio rentável, acaba perdendo a oportunidade.
É o caso, por exemplo, da venda do imóvel usucapiendo condicionada à sua regularização. Em razão do presumido litígio (sic) decorrente do silêncio do notificado, foi o requerente redirecionado para a via judicial que poderia ter sido evitada com a concordância expressa daquele que, notificado no processo administrativo, preferiu omitir-se.
Diante da nova redação inserta no Projeto de Lei de Conversão de nº 12/2017 ao texto atual, o silêncio, cumpre ressalvar, equivalerá a uma concordância tácita; isto é, alterou-se a dicção do diploma em vigor, com acerto. Portanto, a questão haverá de deslocar-se para outra esfera, do juízo de cognoscibilidade das impugnações, sua extensão e efeitos. De logo, vale registrar que o simples fato do decurso do prazo sem impugnações no processo administrativo não equivale a um alvará de domínio em prol do usucapiente, cumprindo-lhe ainda assim demonstrar o preenchimento dos requisitos da usucapião.
De qualquer forma, impugnado o requerimento e extinto o processo administrativo, se não aflorar contestação do impugnante na ação de usucapião julgada procedente, deverão ser carreados ao impugnante revel as verbas de sucumbência, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Seria, então, salutar que da notificação constasse uma advertência ao notificado no sentido de que o seu silêncio no diploma atual e eventual impugnação, motivando a desnecessária instauração do processo judicial, poderá acarretar responsabilidades no futuro. Essa advertência não passa de um aviso a quem for notificado para que justamente não seja surpreendido no futuro com a condenação nas verbas de sucumbência e até em perdas e danos, evitando a propagação de novos conflitos que poderiam ser evitados.
Isso mais evidencia o desarrazoado comando inserido no texto. Se a ideia é a de justamente inibir a propagação das lides, a via eleita pelo usucapiente na esfera administrativa, mesmo quando não haja resistência expressa, acarretará o efeito inverso. Mais despesas, mais processos...
Cabe ao oficial nesses casos de simples omissão do notificado no atual diploma convocá-lo para esclarecimentos ou quiçá para uma tentativa de conciliação. Isso vale também, por óbvio, nas hipóteses de impugnação, principalmente se vingar a novel redação dada pelo Projeto de Lei de Conversão de nº 12. Certamente inspirada nessa hipótese, a Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo disciplinou que, diante da impugnação de qualquer interessado, lhe compete antes de remeter o processo a juízo tentar conciliar as partes (Provimento 58/2015).
Nos estados em que não houver idêntica disciplina a esse respeito, não está ainda assim afastada a possibilidade de convocação das partes pelo oficial registrador, mesmo de ofício, uma vez que a própria lei lhe outorgou a faculdade de promover a realização de toda diligência necessária ao esclarecimento de qualquer ponto de dúvida (art. 216-A, § 5º, Lei 6.015/1973).
Admitindo, porém, a hipótese de não comparecimento ao ofício predial dos interessados omissos, quid inde? Tendo sido o processo remetido a juízo, esgotadas as citações e decorrido in albis o prazo para as respostas, poderia o juiz deliberar o retorno à casa de origem; isto é, à oficina predial? Segundo os ditames da lei, o processo administrativo da usucapião remetido a Juízo não tem retorno, salvo se da decisão houver suscitação de dúvida e o juiz corregedor, afastando a impugnação, determinar o seu prosseguimento na origem ou o registro da usucapião.
Todavia, cumpre ressalvar: embora não seja possível o retorno dos autos à origem fora desses casos, pode o juiz competente, ao processar o pedido na esfera jurisdicional, uma vez auscultado o autor, homologar a desistência da ação, e ao mesmo tempo suprir a falta de anuência expressa daqueles que foram citados e notificados anteriormente, no atual diploma, a fim de que possa o usucapiente valer-se de sua pretensão na esfera administrativa. Isso vale também para a hipótese de o impugnante em juízo se arrepender e não oferecer qualquer tipo de resistência, tanto no atual, quanto no diploma futuro, se vingar o Projeto de Lei de Conversão nº 12/2017. Ao invés de simplesmente prosseguir o feito na esfera judicial, nos parece possível seja extinto o processo por desistência do autor, a fim de que seja reinaugurado o processo administrativo.
Qual seria então a providência a ser tomada pelo requerente e pelo oficial registrador, caso o texto não venha a ser alterado. Quer nos parecer que o requerente poderá renovar o seu requerimento na esfera administrativa, já agora de posse de certidão do inteiro teor do processo, devendo o oficial abrir novo protocolo, com observação de que “nos termos da r. sentença exarada em..., pelo MM. Juiz de Direito..., nos autos da ação de usucapião... que se processou na ... Vara... da Comarca de ....., conforme certidão (digital) , foi suprida a anuência expressa por parte dos seguintes interessados....., ao pedido de usucapião formulado por......, segundo o protocolo de n. .........”. Na hipótese de impugnação não renovada em juízo por meio de contestação, certidão parelha poderia ser emitida, atestando a revelia do impugnante.
Essa medida adotada pelo juiz, sem dúvida alguma, poderia minimizar os efeitos impactantes da demora na prestação jurisdicional. A questão é que não se pode, desde logo, aferir o benefício prático que disso resultaria, pois, a partir do momento em que escoado o prazo para as contestações, também poderia o juiz decidir desde logo, dependendo da prova até então produzida e/ou da contumácia dos interessados certos, com a vantagem de que sua decisão tornar-se-á imutável após o trânsito em julgado.
É de relevo anotar que na minuta do provimento sobre a usucapião extrajudicial divulgada pelo CNJ no ano passado e que ainda se acha disponibilizada na rede mundial de computadores,72 ficou consignada a dispensa do consentimento expresso dos interessados, por meio de título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica entre o titular registral e o usucapiente, acompanhado de prova de quitação das obrigações e certidão do distribuidor cível demonstrando a inexistência de ação judicial contra o usucapiente ou seus cessionários. Tais são os instrumentos arrolados de forma exemplificativa no art. 6º:
a) Compromisso de compra e venda;
b) Cessão de direitos e promessa de cessão;
c) Pré-contrato;
d) Proposta de compra;
e) Reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar;
f) Procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem,           especificando o imóvel;
g) Escritura de cessão de direitos hereditários especificando o imóvel;
h) Documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.
Cabe refletir que, em se tratando de loteamento urbano regular, disposição semelhante e mais benéfica ao adquirente de lote já se acha em parte predisposta no art. 26, § 6º, da Lei 6.766/1979:
“Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.”
Aludida minuta poderia ter ido mais além, explicitando a diferença dos efeitos entre a discordância tácita e a impugnação (expressa), considerando a letra do art. 10, in verbis:
“Art. 10. Transcorridos os prazos de que tratam os artigos 5º, 7º e 8º sem pendência de diligências na forma do art. 9º, achando-se em ordem a documentação e não havendo impugnação, o oficial de registro de imóveis emitirá nota fundamentada de deferimento e registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso” (Grifo nosso).
Trata-se de hermenêutica administrativa de todo salutar, uma vez que tem o condão de orientar o público, incluindo o oficial registrador e o tabelião, em razão das lacunas na lei.
Tal não passou despercebido na redação dada ao art. 6º  acima mencionado:
“Considera-se outorgado o consentimento, dispensando a notificação prevista no caput do art. 5º deste provimento (ou resolução)...”.
A questão é que em todo caso a notificação (mesmo do alienante que outorgou quitação) é essencial ao processo, por se tratar de garantia do contraditório e da ampla defesa. Uma coisa é dispensa de anuência expressa, outra é dispensa de notificação.
Nenhuma dúvida de que aquele que deu quitação ao título de aquisição não precisaria ser chamado novamente a dar anuência expressa a quem adquiriu o imóvel, de regra, o usucapiente. É contraproducente exigir o mesmo comportamento de alguém duas vezes para a sacramentação de um mesmo ato.73 Por isso, estamos inteiramente de acordo com a dispensa da anuência expressa nas hipóteses contempladas na minuta do provimento supraenunciado. No entanto, com relação à notificação, não vemos como dispensá-la.
Imagine-se a hipótese de alguém que tenha forjado um termo de quitação final, por exemplo. Se o proprietário não for notificado, não poderá opor-se ao pedido, demonstrando a falsidade do documento.
Por outro lado, não se pode olvidar da hipótese bem frequente de não localização do titular de domínio, porque falecido e sem inventário aberto ou notícia dos herdeiros. Quer dizer: o usucapiente teria de ingressar em juízo em todo caso, tornando absolutamente inútil o processo administrativo.
E quando não houverem sido localizados os registros do imóvel usucapiendo e confrontantes? Nem por isso deixará o processo de existir. O processo administrativo da usucapião não pode ser mais penoso e gravoso do que o judicial. Cabe buscar uma interpretação coerente no sistema. Assim, se o requerente tiver de aditar o pedido na esfera judicial, sem que seja possível identificar o titular de domínio e os confrontantes tabulares, nem por isso será extinto o processo, uma vez que a usucapião é erga omnes.
A não ser assim, não será possível processar na esfera administrativa a usucapião de áreas não tituladas. O usucapiente, no atual diploma, não terá com quem firmar acordo de usucapião, a não ser que aflore impugnação de alguma fazenda pública ou de algum interessado incerto.
Outra questão que tem sido muito debatida no âmbito registrário diz respeito aos editais e seu campo de abrangência.
A interpretação literal do texto ainda em vigor; isto é, sem as alterações previstas pelo Projeto de Lei de Conversão de nº. 12/2017, induzirá à falsa impressão de que apenas aqueles que não constarem da tábula predial e que não tenham sido identificados é que terão de ser notificados pelos éditos, quando a teor do art. 15, NCPC, tal lacuna pode ser facilmente suprida por aplicação subsidiária do art. 256, I e II, NCPC.
Pois mesmo o legitimado passivo certo não localizado poderá manifestar concordância expressa ao pedido durante o curso do processo, após a notificação por edital. Tal acontece, embora raramente, em processo judicial de usucapião.
Bem por isso, o Projeto de Lei de Conversão de nº 12/2017 elimina toda dúvida a respeito desse tema, disciplinando o § 13 do artigo 216-A o seguinte:
“§ 13. Para efeito do § 2º deste artigo, caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação pelo prazo de 15 (quinze) dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância.”
É por demasiado óbvio que também os interessados incertos devam ser notificados por edital, pois a usucapião é erga omnes. Não há sentido algum em se confinar a usucapião a uma simples disputa entre o dono e o possuidor, exemplificando.
Acresce ponderar que a lei não tratou de exigir a juntada de alguma certidão do registro imobiliário a cargo do requerente, no pressuposto óbvio de que ninguém mais do que o próprio oficial poderá atestar quem sejam aqueles que constam da matrícula do imóvel usucapiendo e de seus confinantes.
O problema surge nos casos em que o oficial da atual circunscrição em que se processa a usucapião não possui o completo acervo registral da área em que está situado o imóvel usucapiendo e de seus confinantes, tendo de valer-se de certidões das serventias predecessoras.
Muito embora seja a lei, omissa, não é incomum a existência de serventias desmembradas que não possuem a totalidade da base registrária do território de suas circunscrições. Na comarca da Capital, há muito tempo, os juízes das varas de registros públicos estabeleceram, de forma percuciente e exemplar, a obrigatoriedade de os cartórios daquela circunscrição prestarem, nos próprios autos da ação de usucapião, todas as informações relativas ao imóvel usucapiendo e confrontantes.
Por tais motivos, é preciso que os autos da usucapião extrajudicial tenham tramitação em todas as serventias predecessoras, também no interior, principalmente quando não forem encontrados registros relativos ao imóvel usucapiendo e confrontantes, tudo isso em prazo compatível com o atribuído à extração de certidões.
Isso porque, com o exame dos autos, o oficial registrador não se limitará a conferir as descrições do imóvel fornecidas pelo interessado, em cotejo com o registro, descrições essas nem sempre encontradas nas transcrições antigas, em face das mutações por que passam os imóveis ao longo do tempo. Invariavelmente, nos autos poderão ser encontrados maiores dados relativos às descrições antigas e também em relação às pessoas que constam dos contratos, alvarás etc., facilitando as buscas.
As antigas denominações dadas a imóveis, somadas aos nomes de antecessores na posse do imóvel usucapiendo, auxiliam as buscas nos indicadores real e pessoal. Essas informações geralmente constam dos autos, não nos pedidos de certidões formulados, na grande maioria dos casos, verbalmente por pessoas leigas. A esse propósito, descabe justificar a ausência de maiores elementos de buscas, pela insólita circunstância de nada haver sido localizado, diante da inexistência de indicadores ou indicadores desatualizados ou incompletos.
Ora, o processo de usucapião encontra o seu alicerce de estabilidade e apoio, aliás, como ocorre nos processos judiciais em geral, justamente na formação da angularidade da relação processual que, no caso, mais do que nunca, há de ser compatível com o direito substancial.
A grande incidência de anulação de processos judiciais de usucapião se dá exatamente na falta de chamamento dos titulares de domínio e confrontantes tabulares ocultos, embora não se ignore prestigiosa corrente jurisprudencial admitindo que a citação feita por edital de terceiros ausentes e incertos supriria essa falta.
Faltou ao legislador de 2017 a disciplina a respeito desses pormenores. Na usucapião, a fiscalização em torno da identificação e chamamento dos possíveis interessados certos atingidos pela declaração de domínio constitui atividade da maior relevância que não pode, nem deve ficar à mercê do arbítrio de quem requer a tutela, máxime se nada for encontrado na tábula predial.

8 Conclusão

Decididamente, não nos propomos exaurir tão vasto tema. Neste artigo, nos limitamos a tecer pequenas considerações a respeito da desjudicialização e da usucapião extrajudicial no direito pátrio e comparado, sempre de forma resumida e a mais objetiva possível.
De tudo o que foi dito, a conclusão a que se chega é de que muito mais haverá de ser debatido e estudado. O Brasil necessita de meios mais democráticos, ágeis e realistas para a regularização da propriedade fundiária, sem que seja preciso lançar mão de projetos megalômanos e onerosos, como parece estar incrustrado em nossa cultura: “o maior e mais caro é sempre o melhor”. Malgrado a multiplicidade de normas de regularização fundiária, nada de efetivo há, pois, os projetos são demasiadamente complexos, morosos e a maior parte dos municípios no Brasil não consegue sequer fazer a sua lição de casa, na educação e na saúde.
As alterações impostas a destempo pela Câmara alta no texto final do projeto substitutivo oriundo da Câmara dos Deputados acabaram por deformar o instituto, transformando a usucapião extrajudicial numa espécie de balcão de negócios, onde só adquire aquele que paga ou já pagou ao dono, se ainda estiver vivo, ou se falecido, houver deixado herdeiros conhecidos vivos que estejam com boa vontade de anuir. Não havendo concordância expressa, segundo a letra da lei, haveria um litígio que somente seria solucionado na esfera judicial.
A redação final atrasou o processo de desjudicialização da usucapião, possibilitando o surgimento de fraudes no pagamento de impostos e na lavratura das escrituras de compra e venda. Ora, se o usucapiente conhece o dono e já pagou, por que razão charadística irá ingressar com pedido de usucapião extrajudicial? Não é estranho que ele tenha de ir atrás de várias outras pessoas, além do dono, submetendo-se a todo um processo, se poderia com uma simples escritura de compra e venda outorgada pelo proprietário resolver o seu problema?
Apenas situações muito especiais e restritas é que acabarão justificando esse processo, o que, diante da exiguidade do tempo e do objetivo deste artigo, não seria possível aqui analisar.
Cabe a nós, operadores do direito, à doutrina, jurisprudência e à hermenêutica administrativa superior inclusive, notadamente caso mantido o texto primitivo ainda em vigor, propor soluções plausíveis, a fim de que a usucapião sem lide formada não permaneça confinada a mais um processo judicial desnecessário, de longa e indefinível duração, deixando o Brasil no final da fila dos países que ainda aspiram um modelo mais realista e eficaz de dar cobro à regularização fundiária.
Corrreta se nos afigura, portanto, a conduta do legislador de 2017, que, sensível aos reclamos da sociedade em torno do texto atualmente em vigor, se propõe a eliminar a inusitada cláusula imperativa de concordância expressa de todos os interessados certos na usucapião, conforme se deflui do Projeto de Lei de Conversão de nº 12.

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USUCAPIÃO administrativa. Registradores entrevista Francisco Eduardo Loureiro. Arisp – Uniregistral – TV Registradores. Disponível em: [www.youtube.com/watch?v="NKYhXP-gkmQ]." Acesso em: 15.04.2015.
   
1 MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião extrajudicial. São Paulo: YK Editora, 2016. Desse livro foram extraídos os comentários instilados neste estudo, com algumas adaptações, conforme o caso.

2 Neologismo que se faz sentir também em outros idiomas, como o espanhol, o francês e o italiano. A expressão não é unívoca. Utilizam-se expressões congêneres: desjuridicização e desjurisdicionalização. Ada Pellegrini Grinover já se referia em 1990 à deformalização das controvérsias, “buscando para elas, de acordo com sua natureza, equivalentes jurisdicionais, como vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo, para solucioná-las mediante instrumentos institucionalizados de mediação” (Novas tendências do direito processual: de acordo com a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 179). Ricardo Henry Marques Dip aponta, além da desjudicialização (o que deixa de ser jurisdicional), a não jurisdiciarização como fenômeno de criação legislativa de medidas extrajudiciais, que ordinariamente seriam judicializáveis, e a desjudicialização stricto sensu (normas e decisões administrativas, capazes de interferir direta ou indiretamente nas competências e no funcionamento da estrutura do Poder Judiciário). É a funcionalização judicial – administrativismo −, em contraposição à independência dos juízes − jurisdicionalismo (Desjudiciarização. Aula ministrada em 1º.04.2011, no curso de pós-graduação lato sensu “Especialização em Direito Notarial e Registral Imobiliário”, realizado na Escola Paulista da Magistratura. Programação. Disponível em: [https://educartorio.wordpress.com/tag/dejudiciarizacao/]. Acesso em: 15.05.2015).

3 TUCCI, José Rogério Cruz em Tempo e processo, p. 14.

4 CIOMMO, Tiziana Di. La crisis de la justicia civil italiana. Vallirana, Barcelona: JMB Bosch Editor, 2013, p.54. O mau funcionamento da justiça italiana se deve não apenas à excessiva duração do proceso, como relata Renato Rodorf, mas também ao insuficiente grau de previsibilidade das decisões. Aduz que uma coisa depende em parte da outra (RODORF, Renato. La crisi della giustizia civile e l’affanno della cassazione. In: La crisi della giustizia civile in Italia: che fare?: Osservatorio “Giordano dell’amore” sui raporti tra diritto ed economia. Milão: Giuffrè Editore, 2009, p. 31).

5 Op. cit., p. 38-39.

6 Judicialização excessiva: para Nalini, quantidade de processos prejudica imagem externa do Brasil. Revista Consultor Jurídico, 24.03.2015. Disponível em: [www.conjur.com.br/2015-mar-24/nalini-quantide-processos-prejudica-imagem-brasil]. Acesso em: 15.04.2015.

7 MORELLO, Augusto Mario, El proceso justo, p. 422. No mesmo sentido: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 198. Todavia, cabe distinguir: Conceito jurídico indeterminado a rigor não seria conceito. Conceito se determina. Mas utilizamos o mesmo fraseado já incorporado no linguajar forense.

8 Acrescente-se, ademais, a especial importância do litígio para o requerente (NETO, Abilio. Novo Código de Processo Civil anotado. 2ª ed. rev. e ampl. Lisboa: Ediforum, 2014. p. 14).

9 “Conforme o princípio de uma valoração global das circunstâncias” (TARZIA, Giuseppe, L’art. 111 cost. e le garanzie europee del processo civile, p. 17). Ver: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Comentários ao Código de Processo Civil cit., p. 201. Fernando da Fonseca Gajardoni não se refere à fixação do prazo, mas à “importância do objeto do processo para o recorrente (este, mais como critério de fixação do quantum indenizatório)” (Os reflexos do tempo no direito processual civil. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 75, 2003). No mesmo sentido, a Legge 89, de 24.03.2001 (Legge Pinto). Confiram-se, ainda, os seguintes julgados: a) avaliando o número dos recorrentes e a natureza da violação, com arbitramento por meio de juízo de equidade: “Considerato quanto sopra esposto, la Corte ritiene che il prolungamento della controversia in esame oltre un ‘termine ragionevole ‘abbia causato senza dubbio ai ricorrenti un danno morale certo che giustifica la concessione di un indennizzo. La Corte prende in considerazione, altresì, il numero dei ricorrenti, la natura della violazione accertata nonché la necessità di fissare le singole somme in modo che l’ammontare complessivo sia in linea con la sua giurisprudenza e sia ragionevole in relazione alla posta in gioco nella controversia. Sulla base delle precedenti considerazioni, e decidendo in base ad equità, la Corte riconosce a tale titolo la somma di 3.500 Euro a ciascun ricorrente, più ogni altra somma eventualmente dovuta a titolo di imposta.” (Arvanitaki-Roboti e altri c. Grecia, Ricorso n. 27278/03, Grande Camera, 15.02.2008); b) avaliando o número de pessoas em situações similares à do recorrente, em número crescente, vítimas do atraso na entrega da prestação jurisdicional italiana: “La Corte osserva che più di 2.000 ricorsi che riguardano principalmente o unicamente questo stesso problema sono pendenti contro l’Italia e che il numero di questo tipo di ricorsi è in costante aumento dal 2008. Essa ritiene che, in situazioni che coinvolgono un numero significativo di vittime che si trovano in una situazione simile, si impone un approccio globale” (Gagliano Giorgi c. Italia, Ricorso n. 23563/07, seconda sezione, 06.03.2012).

10 Alternative dispute resolutions. Vide Lei 9.307/1996 (“Lei de Arbitragem”).

11 Confiram-se ainda as execuções extrajudiciais catalogadas na Lei 4.591/1964, art. 63: Decreto-Lei 70/1966, art. 31; Lei 6.766/1979, art. 32.

12 Usucapião extrajudicial cit.

13 Sobre o tema princípio/norma: “Regras e princípios serão reunidos sob o conceito de norma [...] princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 87). Segundo Canotilho, “as regras e princípios são duas espécies de normas”, variando os critérios de classificação, segundo o grau de abstração, determinabilidade, fundamentalidade, de proximidade com a ideia de direito (Larenz) e de natureza normogenética (princípios como fundamento de regras). Para uma operacionalidade prática, as regras e princípios necessitam de procedimentos e processos, como são os processos judiciais, os procedimentos legislativos e administrativos (CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 1.160-1.163). Sob a ótica de Ronald Dworkin, princípios são padrões de comportamento de exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade. As regras são dotadas de maior especificidade e podem ser fomentadas por princípios. Princípios e regras se diferenciam em razão de uma distinção lógica, dependendo da direção de cada um deles. As regras são dotadas do tudo ou nada. Ou as regras se aplicam e são válidas ou não se aplicam e são inválidas, em nada contribuindo para a decisão (Taking rights seriously. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1978. p. 22-28).

14 Como revela António Menezes Cordeiro na introdução à edição portuguesa da obra de Claus-Wilhelm Canaris (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad. A. Menezes Cordeiro. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012. p. LXIV), a ideia de sistema não é imune a controvérsias. Inspirado em Kant, para quem o sistema deve ser concebido como a unidade sob uma ideia, de conhecimentos variados, Claus-Wilhelm Canaris extrai a síntese das correntes filosóficas de Eisler, Savigny, Stammler, Hegler e Stoll, concluindo que “há duas características que emergiram em todas as definições: a da ordenação e a da unidade. Elas estão, uma para com a outra, na mais estreita relação de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar. No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pretende-se, com ela – quando se recorra a uma formulação geral, para evitar qualquer restrição precipitada – exprimir um estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este fator modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multitude de singularidades desconexas, antes devendo deixá-las reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais”. Distingue, com base em Eisler, sistema de conhecimentos ou lógico (ou científico como passa a denominá-lo) e sistema de objetos de conhecimento científico, asseverando que “para a formação jurídica do sistema, que esta só será possível quando o seu objeto, isto é, o Direito, aparente tal sistema ‘objectivo’” (de sistema dos objetos do conhecimento), que estão, de fato, em estreita conexão. No ponto, a crítica dirigida contra o pensamento “lógico-formal” ou “axiomático dedutivo” está enraizada na análise da dinâmica do direito que não pode ignorar que a unidade interna opera com tipo valorativo ou axiológico, como, por exemplo, a ideia de justiça e as cláusulas gerais (Idem, p. 12-13). Ainda sobre sistema, como totalidade ordenada de um conjunto de entes em coerência entre si e com o todo: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 71.

15 Curso de direito administrativo. 31. ed. atual. até a Emenda Constitucional n. 76, de 28.11.2013. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 54.

16 Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho, em sublime palestra que leva o mesmo tema, no XLIII Encontro Nacional do IRIB, realizado em Salvador, no dia 29.09.2016.

17 Em muitos casos, a autoridade administrativa atua como árbitro entre as partes (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. Reimpresión. Lima, Perú: Palestra; Bogotá, Colombia: Temis, 2011. p. 1.411).

18 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo administrativo, p. 81-82.

19 Sobre o tema: PICÓ I JUNOY, Joan, El derecho a la prueba en el proceso civil, p. 18-19. Conforme deduzem Comoglio, Ferri e Taruffo, “implica che ogni parte abbia la possibilità di impiegare nel proceso tutti i mezzi di prova di cui dispone al fine di dimostrare la verità di fatti che ha allegato, e che tale possibilità sia assigurata in modo pieno e prima che il giudice formuli la decisione finale sui fatti” (COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele, Lezioni sul processo civile: il processo ordinario di cognizione, v. 1, p. 462).

20 Como, i.e., o direito ao recurso (FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu, op. cit., p. 87-89).

21 SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 92.

22 Nesse sentido: Canotilho, para quem o direito de acesso à jurisdição é uma garantia e também um princípio (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p. 275, 433 e 491).

23 Ordem jurídica sem acesso é injusta.

24 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 120.

25 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón, Curso de derecho administrativo cit., p. 1.379.

26 MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro, p. 88.

27 Afigura-se-nos possível, daí, que haja orientação desses mesmos órgãos por meio de atos administrativos, como são as recomendações e os provimentos, dando ao texto a interpretação que se afigure a mais razoável, o que para esse efeito denominaremos de hermenêutica administrativa.

28 Em São Paulo, vide Provimento CG 58/2015 da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo; no Acre: Provimento 5/2016 da Corregedoria-Geral da Justiça do Acre; no Rio de Janeiro: Provimento CGJ 23/2016; no Mato Grosso do Sul: Provimento 137/2016.

29 Precisamente em relação ao juiz, vide art. 143, I e II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656) e art. 49 da Lei Complementar 35, de 14.03.1979.

30 DELGADO, José. A imprevisibilidade das decisões judiciárias e seus reflexos na segurança jurídica. p. 7. Disponível em: [http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/74120]. Acesso em: 31.05.2015. Trata-se de um dos vetores normativos subjacentes ao sistema jurídico positivo, da essência do próprio direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo cit., p. 126). Vide ainda: CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p. 257. A segurança jurídica está na base das normas sobre a prescrição e a decadência. Aí se insere a usucapião, como averba Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo cit., p. 127).

31 Transcrição literal do texto. Parece haver omissão da palavra “ato”.

32 DÍEZ-PICAZO, Luis, Fundamentos del derecho civil patrimonial, v. 3, p. 790.

33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo, p. 77.

34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo cit., p. 127.

35 PUGLIESE, Giuseppe, La prescrizione nel diritto civile: la prescrizione acquisitiva, v. 1, p. 10. Dilucida Luis Alberto Peña Guzmán que a prescrição surgiu, no passado, para solucionar a prova de domínio, de alcance limitado, em face do tempo decorrido, a ponto de ser considerada como diabólica, pelos glosadores (PEÑA GUZMÁN, Luis Alberto. Derecho civil: derechos reales. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1973. v. 2, p. 199).

36 Aí se incluem os processos de registro especial de loteamentos, das incorporações, das retificações de área (expressão que se vulgarizou das retificações bilaterais de registro de área), e assim por diante.

37 MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo cit., p. 117.

38 Conforme acentuado por Francisco Eduardo Loureiro, “Na usucapião, a lei permite que um dia essa pessoa vá dormir como possuidor e acorde como dona; a lei vai converter a posse em propriedade pelo decurso do tempo. Isso é usucapião. Por isso, na usucapião, ele não adquire os direitos que tinha o antigo dono, adquire contra o antigo dono. Ninguém me transmite nada. Na usucapião, o meu comportamento que é a posse se converte em propriedade por força da lei. Essa é a grande diferença entre comprar um imóvel a título derivado e usucapião imóvel a título originário”. Usucapião administrativa. Registradores entrevista Francisco Eduardo Loureiro. Arisp – Uniregistral – TV Registradores. Disponível em: [www.youtube.com/watch?v="NKYhXP-gkmQ]." Acesso em: 15.04.2015. Vide ainda: LOUREIRO, Francisco Eduardo, Artigos 1.196 a 1.510 – Coisas. In: Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência, p. 1.060. Trata-se de posição majoritária, como já tivemos a oportunidade de expor em outro trabalho, destacando-se, entre outros juristas de escol, Benedito Silvério Ribeiro, para quem a “posse e o tempo concretizam uma situação fática que se estabelece independentemente do querer ou não do real proprietário” (Tratado de usucapião, 8. ed., v. 2, p. 202).

39 Assinala Antonio Pau Pedrón que o objeto da publicidade registral são as situações jurídicas, isto é, as circunstâncias inerentes e duradouras que afetam aos imóveis, que tanto podem referir-se ao objeto material em si, como às construções e plantações, quanto ao direito, como são os gravames (PAU PEDRÓN, Antonio. La publicidad registral. Madrid: Colegio de Registradores de la Propiedad y Mercantiles de España, 2001. p. 269-270). Com relação à usucapião, empregaremos a expressão “fato jurídico”, como forma de enquadramento, por se achar consagrada em nosso meio.

40 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, Comentários ao Código de Processo Civil: Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973: arts. 890 a 945, v. 8, t. 3, p. 694.

41 A bibliografia sobre a função social da propriedade é demasiado extensa. Sobre o tema, destacamos as seguintes obras e textos doutrinários: DUGUIT, Léon. Las transformaciones del derecho público y privado. Traducido del francés por Adolfo G. Posada, Ramón Jaen y Carlos G. Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975. p. 240. LOCKE, John, Segundo tratado sobre o governo civil. Trad. Marsely de Marco Dantas. São Paulo: Edipro, 2014; CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: LEJUS, 1999; KELSEN, Hans, Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 5. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979; JOSSERAND, Louis. De l’esprit des droits et de luer relativitè: théorie dite de l’abus des droits. 2e éd. Paris: Dalloz, 1939; COLINA GAREA, Rafael. La función social de la propiedad privada en la Constitución española de 1978. Barcelona: Bosch, 1997; ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. A função social da propriedade no contexto de uma economia capitalista. Seminário “O Empreendimento Imobiliário e os Princípios Constitucionais”, 1º, 2002, Costa do Sauípe. Anais... Costa do Sauípe, BA: Academia Paulista de Magistrados, 2002; THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004; SODRÉ, Ruy de Azevedo. Função social da propriedade privada. São Paulo: Ed. RT, [19--]; SANTOS, Antonio Jeová. A função social: lesão e onerosidade excessiva nos contratos. São Paulo: Método, 2002. Sobre a usucapião como processo social, vide: MORELLO, Augusto Mario. Estudios de derecho procesal: nuevas demandas, nuevas respuestas. La Plata: Platense; Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998. p. 520 e ss.

42 Na esteira do preceito contido nos arts. 5º, XXIII, 170, III, 182, § 2º, 184 e 186, CF (LGL\1988\3).

43 Tanto que a natureza jurídica da sentença de usucapião é declaratória: LOPES, João Batista. Ação declaratória. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 100; PINTO, Nelson Luiz. Ação de usucapião. São Paulo: Ed. RT, 1987. p. 135; SALLES, José Carlos Moraes, Usucapião de bens imóveis e móveis, p. 168.

44 TJSP: AC 212.726-1-4/SP, 8ª CC, rel. Des. José Osório, 16.12.1994; AC 0005130-11.2004.8.26.0590/São Vicente, 4ª CC, rel. Des. Francisco Loureiro, 06.10.2011; AC 9095494-55.2008.8.26.0000/São Vicente, 3ª CC, rel. Des. Adilson de Andrade, 08.11.2011; AC 0001207-30.2011.8.26.0590/São Vicente, 4ª CC, rel. Des. Milton Carvalho, 02.02.2012.

45 Sobre o tema: MELLO, Henrique Ferraz de. Função social da propriedade e sua repercussão no Registro de Imóveis. In: NERY, Rosa Maria de Andrade (coord.). Função do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 377-410.

46 CASTRO HERNÁNDEZ, Manuel Horacio; CLERICI, Luis Sebastian, Evolución de los modos de adquisición del dominio con especial referencia a la usucapión, y consideraciones acerca de la ley de regularización dominial 24.374, p. 1.491.

47 MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião extrajudicial cit.

48 Referindo-se a esses textos legais sempre no passado: “regulaban” (CASTRO HERNÁNDEZ, Manuel Horacio; CLERICI, Luis Sebastian op. cit., p. 1.491); “establecían” (ABATTI, Enrique Luis; ALLENDE, Osvaldo Héctor, Modificación del Código Civil (LGL\2002\400) a favor de ocupantes sin título: régimen de excepción implementado por la ley 24.374, p. 4.361).

49 Lydia E. Calegari de Grosso assim se manifesta: “Lezama ha propugnado la derogación de estas leyes por entender que ‘el Estado debe seguir el mismo caminho que los particulares, cuando está en condiciones de adquirir por prescripción el dominio del inmueble, en vez de atribuirse directamente, prescindindo de los requisitos legales impuestos para bien de todos’, posición que ha compartido por la doctrina más reciente” (CALEGARI DE GROSSO, Lydia Esther, Usucapión, p. 146). Em consulta ao site de buscas de textos legais do governo argentino (Disponível em: [http://infoleg.mecon.gov.ar/]. Acesso em: 19.11.2015), verifica-se que nada há indicando eventual ab-rogação. Observa-se, outrossim, julgado da Corte Suprema de Justiça argentina, datado de 27.09.2005, confirmando a aplicação da Lei 20.396: “Corresponde rechazar el agravio fundado en que el Estado Nacional no puede fundar su derecho en forma simultánea en las leyes 14.159 y 20.396, por ser incompatibles, pues – habiendo propiciado en un inicio la declaración de la prescripción adquisitiva en los términos de la ley 20.396- al tomar conocimiento de la inscripción de dominio ordenada por la provincia, la actora entendió que debía seguirse el procedimiento judicial tendiente a la declaración del dominio en favor del Estado Nacional, y promovió la acción en función de ese criterio.” (Mayoría: Petracchi, Highton de Nolasco, Fayt, Maqueda, Zaffaroni, Lorenzetti, Argibay. E. 53. XXXVII; Estado Nacional (Ministerio del Interior) Prefectura Naval Argentina c/ Buenos Aires, Provincia de s/ usucapión. 27.09.2005. T. 328, p. 3590. (Disponível em: [http:// old.csjn.gov.ar /jurisp/jsp/MostrarSumario? id=317641&indice=5]. Acesso em: 23.11.2015). Ainda mais recentemente, foi editado o Decreto 767/2015, declarando operada a prescrição aquisitiva a favor do Estado Nacional sobre diversos lotes localizados em Bahia Blanca, Província de Buenos Aires (Disponível em: [http:// www.infoleg.gob.ar /infolegInternet/anexos/245000-249999/246736/norma.htm]. Acesso em: 23.11.2015). Tudo isso denota que não houve ab-rogação das leis em discussão ou declaração de inconstitucionalidade de qualquer dos seus dispositivos, pelo menos até o final de 2015.

50 SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Disponível em: [www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs_artigos/artigo_analise-dos-dois-votos-proferidos_ adi-3239.pdf]. Acesso em: 11.04.2016.

51 Disponível em: [www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3239RW.pdf]. Acesso em: 11.04.2016.

52 Remanescentes de quilombo ganham terra por usucapião. Disponível em: [www.conjur.com.br/2012-abr-17/descendentes-quilombolas-direito-terras-usucapiao-sp]. Acesso em: 11.04.2016.

53 “Art. 23. Sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse mansa e pacífica no tempo, aquele em cujo favor for expedido título de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos de seu registro, terá a conversão deste em título de propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da Constituição. § 1º Na hipótese de não serem atendidos os termos e as condições do art. 183 da Constituição, o título de legitimação de posse poderá ser convertido em título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de usucapião, estabelecidos na legislação em vigor. § 2º A legitimação de posse, após ser convertida em propriedade, constitui forma originária de aquisição, de modo que a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada restará livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições, eventualmente existentes em sua matrícula de origem, exceto quando estes disserem respeito ao próprio beneficiário. § 3º Na hipótese a que se refere o § 2º, os ônus, os direitos reais, os gravames ou as inscrições eventualmente existentes em sua matrícula de origem permanecerão gravando o seu titular original”. Discute-se sobre a natureza do título de legitimação de posse que tem acesso ao registro imobiliário. A questão não é pacífica. Lamana Paiva pondera que esse título é precário e só materializa a posse, diferentemente do que ocorre com a concessão de uso especial para fins de moradia, que mereceu do legislador inserção específica a rol dos direitos reais catalogados no art. 1.225 do CC (PAIVA, João Pedro Lamana. Regularização fundiária urbana: modalidades. Boletim IRIB em Revista, São Paulo, Instituto do Registro Imobiliário do Brasil, n. 346, p. 38, dez. 2012).

54 Na Espanha, teve largo uso o registro da posse, por meio de expedientes de justificação possessória, com prova testemunhal e durante certo tempo por certificação do prefeito com base no cadastro. Informa Roca Sastre que o êxito do registro da denominada informação possessória foi deveras alarmante, a ponto de os interessados preferirem acudir a essa modalidade, ainda que pudessem valer-se da titulação ordinária. Em 1861, o registro da posse tinha em mira atender a uma necessidade de titulação supletória, resolvendo-se no sentido de proporcionar aos proprietários que não possuíssem titulação ordinária um modo de inscrever seu direito, consistente em justificar a posse ou direitos que pretendiam registrar, mediante testemunhas. Assinala o autor, porém, que, sobretudo, desde a introdução do expediente de domínio em 1869, abriu-se a possibilidade de também o possuidor não proprietário promover o registro, com base na justificação possessória. Ressalva-se que, havendo prévia inscrição, devia ser citado aquele que figurasse como titular do assento contraditório. Com a reforma hipotecária de 1869, atribuiu-se outro efeito à posse inscrita, de modo a computar-se o tempo de posse decorrido da data do registro para a prescrição, independentemente de justo título, a menos que aquele a quem esta prejudique o contrariasse, devendo em tal hipótese provar-se dito tempo de posse, com base no direito comum. Releva notar que a lei hipotecária de 1909 proclamou formalmente a equiparação registral das inscrições da posse às de domínio e também implantou a conversão das inscrições possessórias em inscrições de domínio, ao passo que, pelo Decreto-Lei Real de 13.06.1927, foi reduzido de 30 para 10 anos o período exigido para a conversão do registro da posse em domínio (ROCA SASTRE, Ramón María, Derecho hipotecario, v. 1, p. 618-624). Por sua vez, Chico y Ortiz relata que a inscrição possessória evoluiu do sistema transitório da lei hipotecária de 1861 até tornar-se permanente em 1877, perpassando para a terceira fase da legislação hipotecária de 1909, na qual a inscrição da posse depende da inexistência de prévio registro imobiliário (CHICO Y ORTIZ, José María. Estudios sobre derecho hipotecario. 3. ed. Madrid: Marcial Pons, 1994. v. 1, p. 766-767). Não mais subsiste o registro da posse na Espanha, por força do art. 5º da lei hipotecária atualmente em vigor, com a seguinte ressalva contida nas disposições transitórias da lei hipotecária: “Cuarta. Surtirán todos los efectos determinados por la legislación anterior las inscripciones de posesión existentes en primero de enero de mil novecientos cuarenta y cinco o las que se practiquen en virtud de informaciones iniciadas antes de dicha fecha”.

55 Tais são, por exemplo, as atas notariais que atestavam a prescrição sobre o aproveitamento das águas públicas: “El notario, practicadas estas diligencias y las pruebas que estime convenientes para la comprobación de los hechos, hayan sido o no propuestas por el requirente, dará por terminada el acta, haciendo constar si a su juicio están o no suficientemente acreditados” (art. 65, Reglamento Hipotecario), ou a prescrição de um direito. Segundo o art. 409, 2º, do CC espanhol, a aquisição se dá em relação ao aproveitamento das águas públicas. Sobre o tema, consulte-se: FUENTES BODELÓN, Fernando. La usucapión de aguas públicas como mito y como realidad jurídica. Revista de Derecho Notarial, Madrid, Colegios Notariales de España, Junta de Decanos de Madrid, v. 18, ns. 69-70, p. 130-204, jul./dic. 1970. A partir da entrada em vigor da Lei de Águas (1º.01.1996), já não cabe a aquisição por prescrição das águas de domínio público hidráulico, conforme o art. 52.2. do texto refundido de 20.07.2001 (GARCÍA GARCÍA, José Manuel (Ed.), Legislación hipotecaria y del registro mercantil, p. 265).

56 Sobre o tema, em maiores detalhes, vide nosso Usucapião extrajudicial cit., p.195 e ss.

57 COSTA, Valestan Milhomem da. Os requisitos para a usucapião extrajudicial na sistemática do Novo Código de Processo Civil e a questão da competência funcional do tabelião de notas e do oficial de registro de imóveis. Revista de Direito Imobiliário, São Paulo: Ed. RT, v. 38, n. 79, p. 155-177, jul./dez. 2015.

58 Tal como ocorreu ainda recentemente com a criação do direito real de laje: “O governo parece ter jogado para a plateia” (Luiz Queiroz Ribeiro, citado no editorial do periódico “O Estado de São Paulo”, sob a epígrafe “O direito de laje”. 10.01.2017, p. A3).

59 “Art. 57. Encaminhado o auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, o oficial deverá proceder às buscas para identificação do proprietário da área a ser regularizada e de matrículas ou transcrições que a tenham por objeto. § 1º Realizadas as buscas, o oficial do registro de imóveis deverá notificar o proprietário e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação ao oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, para, querendo, apresentarem impugnação à averbação da demarcação urbanística, no prazo de 15 (quinze) dias. [...] § 4º Decorrido o prazo sem impugnação, a demarcação urbanística será averbada nas matrículas alcançadas pela planta e memorial indicados no inciso I do § 1º do art. 56.” A demarcação urbanística na regularização fundiária urbana concebida na Lei 11.977/2009 foi abolida pela MP 759. Não obstante, o novo texto ampliou a competência do poder público para decidir em processo administrativo de regularização fundiária a respeito de eventuais impugnações de proprietários, loteadores, incorporadores, confinantes, terceiros interessados ou daqueles que constem em registro de imóveis como titulares de núcleos informais, impondo previamente a instauração de procedimento extrajudicial de composição de conflitos (art. 28, III, § 1º, c.c. art. 33, III, MP 759). Compreende-se evidentemente sejam os interessados notificados também para fins de expedição de títulos de legitimação fundiária e de legitimação de posse, em respeito às garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

60 “Art. 18-D. Havendo registro anterior, o oficial do Registro de Imóveis deve notificar pessoalmente o titular de domínio, no imóvel, no endereço que constar do registro imobiliário ou no endereço fornecido pela União, e, por meio de edital, os confrontantes, ocupantes e terceiros interessados. [...] § 3º No prazo de 15 (quinze) dias, contado da última publicação, poderá ser apresentada impugnação do pedido de registro do auto de demarcação perante o registro de imóveis. § 4º Presumir-se-á a anuência dos notificados que deixarem de apresentar impugnação no prazo previsto no § 3º deste artigo.”

61 “Art. 19. Examinada a documentação e encontrada em ordem, o oficial do Registro de Imóveis encaminhará comunicação à Prefeitura e fará publicar, em resumo e com pequeno desenho de localização da área, edital do pedido de registro em 3 (três) dias consecutivos, podendo este ser impugnado no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da última publicação. § 1º Findo o prazo sem impugnação, será feito imediatamente o registro. Se houver impugnação de terceiros, o oficial do Registro de Imóveis intimará o requerente e a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para que sobre ela se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de arquivamento do processo. Com tais manifestações o processo será enviado ao juiz competente para decisão” (Grifo nosso).

62 “Art. 285. Feita a publicação do edital, a pessoa que se julgar com direito sobre o imóvel, no todo ou em parte, poderá contestar o pedido no prazo de 15 (quinze) dias. [...] § 2º Se não houver contestação, e se o Ministério Público não impugnar o pedido, o juiz ordenará que se inscreva o imóvel, que ficará, assim, submetido aos efeitos do Registro Torrens” (Grifo nosso).

63 “Art. 67. Na habilitação para o casamento, os interessados, apresentando os documentos exigidos pela lei civil, requererão ao oficial do registro do distrito de residência de um dos nubentes que lhes expeça certidão de que se acham habilitados para se casarem. [...] § 3º Decorrido o prazo de 15 (quinze) dias a contar da afixação do edital em cartório, se não aparecer quem oponha impedimento nem constar algum dos que de ofício deva declarar, ou se tiver sido rejeitada a impugnação do órgão do Ministério Público, o oficial do registro certificará a circunstância nos autos e entregará aos nubentes a certidão de que estão habilitados para se casar dentro do prazo previsto em lei” (Grifo nosso). “Art. 1.526. A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público. Parágrafo único. Caso haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz.

64 “Art. 703. Tomado o penhor legal nos casos previstos em lei, requererá o credor, ato contínuo, a homologação (...). § 3º Recebido o requerimento, o notário promoverá a notificação extrajudicial do devedor para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar o débito ou impugnar sua cobrança, alegando por escrito uma das causas previstas no art. 704, hipótese em que o procedimento será encaminhado ao juízo competente para decisão. 4º Transcorrido o prazo sem manifestação do devedor, o notário formalizará a homologação do penhor legal por escritura pública.”

65 Expressão aqui utilizada para toda espécie de registro, quer registro stricto sensu, quer o registro por meio de averbação.

66 BRASIL. Senado Federal, Relatório da Comissão Temporária do Código de Processo Civil do Senado Federal, cit., p. 195-196.

67 ROCA SASTRE, Ramón María, Derecho hipotecario. Barcelona: Bosch, 1948. v. 2, p. 526-529.

68 JARDIM, Mónica. Escritos de direito notarial e registral. Coimbra: Edições Almedina S.A, 2015, p. 441. De acordo com a autora, após a desjudicialização do processo de justificação, a usucapião pela via extrajudicial passou a ser a regra, sempre que não haja qualquer conflito (op. cit., p. 445-446).

69 PETRELLI, Gaetano. Rassegna delle recenti novità normative di interesse notarile. Disponível em: [www.gaetanopetrelli.it/catalog/documenti/00000545/Novita_%20normative%20secondo%20semestre%202013.pdf]. Acesso em: 10.11.2015.

70 KROGH, Marco. La trascrizione dell’accordo conciliativo accertativo dell’usucapione. Consiglio Nazionale del Notariato. Approvato dall’Area Scientifica – Studi Civilistici il 24 ottobre 2013. Approvato dal CNN il 31 gennaio, 2014. Disponível em: [www.notariato.it/sites/default/files/718-13-c.pdf]. Acesso em: 20.10.2014.

71 MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. Usucapião extrajudicial cit.

72 Disponível em: [www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/ ec1e95ba2c6aecf760c5697 be977fe95.pdf]. Acesso em: 05.01.2017.

73 Em termos gerais, evidentemente, guardadas as devidas diferenças entre a aquisição por usucapião e a aquisição derivada.



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