25 de abril de 2021

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Como se deve interpretar a expressão “decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias” presente no art. 1.015, I, do CPC/2015?

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/05/info-644-stj-2.pdf


AGRAVO DE INSTRUMENTO - Como se deve interpretar a expressão “decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias” presente no art. 1.015, I, do CPC/2015? 

O conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” previsto no art. 1.015, I, do CPC/2015, abrange as decisões que digam respeito à: 1) à presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória (é o chamado núcleo essencial); 2) ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela; 3) à adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória; e 4) à necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.752.049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644). 

Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que impõe ao beneficiário o dever de arcar com as despesas da estadia do bem móvel objeto da busca e apreensão em pátio de terceiro. Tal situação não pode ser enquadrada no art. 1.015, I, do CPC/2015 porque essa decisão não se relaciona, de forma indissociável, com a tutela provisória. Trata-se, na verdade, de decisão que diz respeito a aspectos externos relacionados com a executoriedade, operacionalização ou implementação fática da busca e apreensão (e não com a tutela provisória em si). STJ. 3ª Turma. REsp 1.752.049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

A empresa “Top Transportes Rodoviários” celebrou, com o Banco Safra, um contrato de financiamento com alienação fiduciária para aquisição de um caminhão. A Top deixou de pagar as prestações do mútuo. Diante disso, o Banco ajuizou, contra Top, ação de busca e apreensão requerendo a entrega do veículo que estava em garantia (art. 3º do DL 911/69). O juiz concedeu a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor). 

Indaga-se: será cabível algum recurso contra esta decisão? 

SIM. Essa decisão concedeu uma “tutela provisória”, de forma que, contra ela, é cabível a interposição de agravo de instrumento, nos termos art. 1.015, I, do CPC/2015: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; (...) 

Vamos aprofundar um pouco mais sobre a tutela provisória 

O Livro V (arts. 294 a 311) do CPC/2015 é denominado “Da Tutela Provisória”. Tutela provisória é aquela concedida antes da tutela definitiva, em caráter provisório, com base em uma cognição sumária. A tutela provisória será sempre substituída por uma tutela definitiva, que a confirmará, revogará ou modificará. Ex: João ingressa com ação pedindo o fornecimento de determinado medicamento. O juiz profere decisão interlocutória determinando que o Estado conceda o remédio. Foi concedida, portanto, a tutela provisória com base em cognição sumária. Ao final, o juiz profere sentença confirmando que a pessoa tem o direito de receber o medicamento do Poder Público. Logo, nessa sentença, foi concedida a tutela definitiva, que confirmou a tutela provisória. 

Espécies de tutela provisória 

A TUTELA PROVISÓRIA é o gênero do qual decorrem duas espécies: 1) Tutela provisória de urgência; 2) Tutela provisória de evidência. Veja o que diz o CPC/2015: 

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. 

Classificação das tutelas provisórias de URGÊNCIA 

O CPC/2015 prevê duas classificações das tutelas provisórias de urgência: 1) Cautelar e antecipada; 2) Antecedente e incidental. 

Art. 294 (...) Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. 

Quanto à satisfatividade 

Em uma primeira classificação, a tutela provisória de URGÊNCIA divide-se em: 

1.1) ANTECIPADA (satisfativa): o órgão julgador antecipa aquele direito ou bem da vida que o autor espera conseguir ao final do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que o autor precisa dos valores para sobreviver, determina que o réu entregue a quantia pleiteada enquanto se aguarda o desfecho do processo. 

1.2) CAUTELAR: o órgão julgador confere uma medida para assegurar aquele direito ou bem da vida que o requerente espera obter ao fim do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que há receio de que o réu se desfaça de seu patrimônio, determina o arresto dos bens do requerido. 

Voltando ao nosso exemplo: Imaginemos que a Top não interpôs agravo de instrumento contra a decisão que deferiu liminarmente a busca e apreensão. Foram então praticados diversos atos para se tentar localizar o veículo e cumprir a decisão (ex: houve várias diligências do oficial de Justiça na sede da empresa, o juiz expediu ofício aos órgãos de trânsito etc.). Depois de algumas semanas, a Polícia Rodoviária Federal, em uma blitz de rotina, localizou o caminhão e o levou até o pátio daquele órgão. Em seguida, a PRF enviou um ofício ao juiz informando que o caminhão estava à disposição para ser retirado, mas desde que fossem pagas as taxas pelo fato de o veículo ter ficado no pátio do órgão. Ciente do referido ofício, o Banco requereu a liberação do veículo do pátio da PRF sem quaisquer custos para si, pedindo que o juiz determinasse à empresa Top que pagasse as taxas e demais despesas com a guarda do caminhão no pátio do órgão. O juiz proferiu decisão interlocutória indeferindo o requerimento da instituição financeira sob o argumento de que o pagamento das despesas e débitos referentes à liberação do veículo devem ser custeadas pelo proprietário fiduciário (ou seja, pelo Banco) e que, posteriormente, a instituição financeira poderá buscar o ressarcimento do devedor fiduciante. O Banco não concordou e interpôs agravo de instrumento contra a decisão. A instituição alegou que a decisão do juiz que nega o pedido feito pelo credor para que o devedor pague as despesas relacionadas com a entrega do bem representa uma revogação parcial da liminar anteriormente deferida, motivo pelo qual caberia agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; (...) 

Qual é a abrangência do inciso I do art. 1.015 do CPC/2015? Como se deve interpretar a expressão “decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias”? O STJ identificou quatro grupos de decisões que podem ser enquadradas nesta previsão e que, portanto, são recorríveis de imediato por meio de agravo de instrumento: 

1) Pressupostos que autorizam a tutela provisória (núcleo essencial) 

São as decisões interlocutórias que examinam se estão ou não presentes os pressupostos autorizadores da tutela provisória pretendida pela parte. Aqui estão incluídas as decisões de deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória. 

2) Prazo ou modo de cumprimento da tutela 

A decisão interlocutória que se pronuncia sobre o prazo ou sobre o modo de cumprimento da tutela provisória também se enquadra no inciso I do art. 1.015 e é recorrível de imediato. Ex: a fixação de um prazo demasiadamente longo para cumprimento pode acarretar o perecimento do próprio direito que se pretende salvaguardar, ao passo que a fixação de um prazo insuficiente para o cumprimento pode impor à parte uma obrigação que ela não conseguirá cumprir, sofrendo os efeitos do inadimplemento, como a multa. 

3) Definição da técnica de efetivação da tutela 

A decisão que analisa a adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela também é recorrível por agravo de instrumento. Ex1: decisão que trata sobre o valor, a periodicidade ou a eventual limitação quantitativa ou temporal das astreintes. Ex2: decisão que determina a aplicação de técnica indutiva, coercitiva ou sub-rogatória para cumprimento da tutela provisória, como a busca e apreensão, a proibição de atividade nociva, a proibição de contratar com o Poder Público ou da suspensão temporária de passaporte, carteira de habilitação ou cartões de crédito, dentre outras. 

4) Necessidade ou dispensa de caução 

A decisão que se pronuncie sobre a necessidade ou a dispensa de caução ou quaisquer garantias para a concessão, revogação ou modificação da tutela. Isso porque tais questões, embora acessórias ao conceito essencial de tutela provisória, com ele se relacionam diretamente, podendo, inclusive, influenciar o modo pelo qual se examina a presença dos requisitos autorizadores da tutela pretendida. 

Cláusula de cabimento de amplo espectro 

Assim, é possível concluir que o art. 1.015, I, do CPC/2015, deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro, de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela, porque, em todas essas situações, há urgência que justifique o imediato reexame da questão em 2º grau de jurisdição. Isso não significa dizer, todavia, que absolutamente toda e qualquer questão relacionada ao cumprimento, operacionalização ou implementação fática da tutela provisória se enquadre no conceito de decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória e, consequentemente, possa ser impugnada de imediato pelo agravo de instrumento. 

Em suma: O conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” previsto no art. 1.015, I, do CPC/2015, abrange as decisões que digam respeito à: 1) à presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória (é o chamado núcleo essencial); 2) ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela; 3) à adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória; e 4) à necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória. STJ. 3ª Turma. REsp 1.752.049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644). 

Agora que já sabemos quais os critérios adotados pelo STJ, pergunto: a tese invocada pelo Banco foi acolhida? Cabe realmente agravo de instrumento naquela hipótese na qual se discutia a responsabilidade pelo pagamento das despesas com a armazenagem do bem? NÃO. 

Não cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que impõe ao beneficiário o dever de arcar com as despesas da estadia do bem móvel objeto da busca e apreensão em pátio de terceiro. Tal situação não pode ser enquadrada no art. 1.015, I, do CPC/2015 porque essa decisão não se relaciona, de forma indissociável, com a tutela provisória. Trata-se, na verdade, de decisão que diz respeito a aspectos externos relacionados com a executoriedade, operacionalização ou implementação fática da busca e apreensão (e não com a tutela provisória em si). STJ. 3ª Turma. REsp 1.752.049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644). 

É um consectário lógico do deferimento da tutela provisória que haverá a necessidade de recolhimento de taxas, despesas ou custas para a implementação da medida deferida. Cabe ao beneficiário da tutela, por exemplo, custear: (i) a diligência do oficial de justiça, a quem caberá intimar pessoalmente o réu da tutela provisória deferida; (ii) o cartório, a fim efetivar o registro de protesto cautelar contra a alienação de bem; (iii) as despesas relacionadas às pesquisas de ativos financeiros ou bens móveis ou imóveis, quando pretender torná-los indisponíveis; (iv) as despesas do pátio em que fora estacionado o veículo que fora apreendido em decorrência de ordem de restrição de circulação por ele requerida. Tais providências, todavia, não se relacionam, direta e nem mesmo indiretamente, com a tutela provisória objeto da decisão interlocutória impugnável, mas, sim, com a execução, operacionalização e implementação fática da providência que já foi requerida e obtida, descabendo discutir, em âmbito de tutela provisória, a questão relacionada ao fato de a parte beneficiária da tutela arcar com as despesas e, ao final, ser ressarcida pelo vencido, inclusive como decorrência lógica da necessidade de plena reintegração que permeia a tutela jurisdicional efetiva. Conclui-se que a relação estabelecida entre a decisão interlocutória que disciplina o modo de custeio da execução da tutela provisória e a decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória é, pois, muitíssimo distante e dissociada, quase inexistente, não se podendo enquadrar a primeira na hipótese de cabimento do art. 1.015, I, do CPC/2015, por mais amplo que seja o seu espectro

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