30 de abril de 2021

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PARTILHA POSTERIOR AO DIVÓRCIO. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DE UMA DAS PARTES. PREVENÇÃO ORIUNDA DE CONEXÃO SUBSTANCIAL COM A AÇÃO DO DIVÓRCIO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DE NATUREZA ABSOLUTA. FORO DE DOMICÍLIO DO INCAPAZ. COMPETÊNCIA TERRITORIAL ESPECIAL DE NATUREZA RELATIVA.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 160.329 - MG (2018/0210068-1) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PARTILHA POSTERIOR AO DIVÓRCIO. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DE UMA DAS PARTES. PREVENÇÃO ORIUNDA DE CONEXÃO SUBSTANCIAL COM A AÇÃO DO DIVÓRCIO. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DE NATUREZA ABSOLUTA. FORO DE DOMICÍLIO DO INCAPAZ. COMPETÊNCIA TERRITORIAL ESPECIAL DE NATUREZA RELATIVA. 

1. Há entre as duas demandas (ação de divórcio e ação de partilha posterior) uma relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a prevenção do Juízo que julgou a ação de divórcio. 

2. A prevenção decorrente da conexão substancial se reveste de natureza absoluta por constituir uma competência funcional. 

3. A competência prevista no art. 50 do CPC/15 constitui regra especial de competência territorial, a qual protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil na relação jurídica, e possui natureza relativa. 

4. A ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento, sobretudo quando o próprio incapaz opta por não utilizar a prerrogativa do art. 50 do CPC/15. 

5. Conflito de competência conhecido para declarar como competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do conflito de competência e declarar competente o Juízo Suscitante, o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena/MG, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Marco Aurélio Bellizze. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento). 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de conflito negativo de competência entre o JUÍZO DE DIREITO DA VARA CÍVEL DE BARBACENA - MG, suscitante, e os JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA DE FAMÍLIA DO RIO DE JANEIRO - RJ e JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE LEOPOLDINA - MG, suscitados. 

Ação: de partilha de bens posterior ao divórcio com dissolução de condomínio e alienação judicial proposta por Elvécio Nunes Fernandes em face de Dione Sena Guimarães Fernandes distribuída por dependência ao processo nº 0026464-17.2015.8.13.0384 ao Juízo da 1ª Vara Cível de Leopoldina - MG. 

Ação: de sobrepartilha de bens decorrente de dissolução de sociedade conjugal proposta por Dione Senna Guimarães Fernandes em face de Elvécio Nunes Fernandes distribuída perante o Juízo de Direito da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ. 

Manifestação do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Leopoldina - MG, suscitado: declinou de sua competência tendo em vista que a ação de divórcio tramitou na Vara de Família e Cível da Infância e da Juventude da comarca de Barbacena. Argumentou que o cumprimento de sentença é do Juízo em que foi decretado o divórcio e determinada a partilha de bens do casal nos termos do art. 516, II, do CPC/15. 

Manifestação do Juízo de Direito da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ, suscitado: declinou de sua competência para a Comarca de Barbacena, tendo em vista que a partilha e a sobrepartilha de bens decorrentes de divórcio deve ser proposta no Juízo onde tramitou a ação de divórcio. 

Manifestação do Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena, suscitante: suscitou o presente conflito negativo de competência, pois, em se tratando de ações envolvendo interesse de incapaz, a competência para julgamento da demanda é do Juízo do foro de domicílio do seu representante ou assistente, nos termos do art. 50 do CPC/15, qual seja a cidade do Rio de Janeiro. 

Parecer do MPF: da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, Dr. Sady d'Assumpção Torres Filho, opinou pela reunião dos processos e pela competência do Juízo da 4ª Vara de Família do Rio de Janeiro - RJ. 

É O RELATÓRIO. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito do incidente é definir a competência para o julgamento da ação de partilha de bens posterior ao divórcio, quando há incapacidade superveniente de uma das partes. 

Preliminarmente, por se tratarem de duas ações idênticas com as mesmas partes e mesma causa de pedir, em que alterada apenas a posição de autor e réu nas demandas, inevitável o reconhecimento da conexão e a necessidade de reunião dos processos para julgamento simultâneo pelo mesmo Juízo. 

A ação de partilha posterior ao divórcio está prevista no art. 731, parágrafo único, c/c 647 a 658 do CPC/15. 

"Art. 731. Parágrafo único: Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha de bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658." 

Por sua vez, os artigos 647 a 658 do CPC/15 remetem à partilha de bens no inventário, a qual é feita nos próprios autos do inventário, conforme artigo 2.015 do CC/02. 

Assim, sob uma interpretação sistemática, havendo partilha posterior ao divórcio, surge um critério de competência funcional do juízo que decretou a dissolução da sociedade conjugal, em razão da acessoriedade entre as duas ações (art. 61 do CPC/15). Ou seja, entre as duas demandas há uma interligação decorrente da unidade do conflito de interesses, pois a partilha é decorrência lógica do divórcio. Se o legislador permitiu a partilha posterior, não quer dizer que a ação autônoma de partilha não deva ser julgada pelo mesmo Juízo. Nesse sentido, vale citar a valiosa lição de Cândido Rangel Dinamarco: 

"(...) A interligação funcional entre processos constitui manifestação de uma realidade metaprocessual consistente na unidade de certos conflitos que vêm a ser deduzidos em mais de um deles. Um grupo de processos assim interligados decorre de certas situações em que, por razões técnico-processuais, o legislador optou por equacionar em dois ou mais processos as atividades preparatórios de uma só tutela jurisicional, quando poderia ter preferido estruturá-las todas em um só. Se tivesse preferido assim, não haveria processos interligados ou subsequentes. Abrindo caminho para a dualidade ou pluralidade de processos, criou também o problema de determinar a competência para ambos ou todos eles. (...) Tais competências devem ser estabelecidas por regras no mínimo harmoniosas, sempre a critério do legislador e precisamente em razão da unidade funcional entre esses processos. É indesejável a fixação de competências independentes e não-coordenadas, para dois ou mais processos destinados à preparação de uma só tutela jurisdicional. O legislador brasileiro optou por determinar a regra segundo a qual o órgão processual perante o qual se processou ou se processa originariamente uma das causas interligadas é automaticamente competente para o outro ou outros, que situem nesse contexto litigioso." (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Malheiros: São Paulo. 5ª ed. p. 439/440) 

Nota-se, portanto, que entre as duas demandas (divórcio e partilha posterior) há uma relação de conexão substancial, a qual, inevitalmente, gera a prevenção do Juízo que julgou a ação de divórcio. 

Didier, ao analisar a conexão discorre que "Haverá conexão, se a mesma relação jurídica estiver sendo examinada em ambos os processos, ou se diversas relações jurídicas, mas entre elas houver vínculo de prejudicialidade ou preliminariedade." (Jr. Didier, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - Vol 1. 18ª ed. Salvador: Juspodvum, 2016. p. 232) 

Convém analisar, contudo, se a incapacidade superveniente de um dos cônjuges, após a decretação do divórcio, tem o condão de alterar a competência funcional do juiz prevento. 

O art. 50 do CPC/15 dispõe que, nas ações em que o incapaz for réu, o juízo competente é o do local do domicílio do seu representante. Trata-se de regra especial de competência territorial que protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil na relação jurídica. Confira-se o seguinte julgado desta Corte: 

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO. AUTOR CÔNJUGE VARÃO INTERDITADO. REPRESENTAÇÃO POR CURADOR. RÉ DOMICILIADA EM COMARCA DIVERSA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DA MULHER EM CONTRAPOSIÇÃO AO DO INCAPAZ (CPC, ARTS. 98 E 100, I). NORMAS DE CARÁTER PROTETIVO. PREVALÊNCIA, NO CASO, DA REGRA QUE PRIVILEGIA OS INTERESSES DO INCAPAZ, INDEPENDENTEMENTE DA POSIÇÃO QUE OCUPE NOS POLOS DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO PROVIDO. 1. Neste recurso, tirado de exceção de incompetência deduzida em ação de divórcio direto litigioso, estão em confronto os interesses da ré, cônjuge feminino, que objetiva, com espeque no art. 100, I, do CPC, a prevalência do foro especial de sua residência, e os do cônjuge varão incapaz, representado por curador, de que prepondere o do domicílio deste, com fundamento no art. 98 do CPC. 2. A regra processual do art. 98 protege pessoa absoluta ou relativamente incapaz, por considerá-la mais frágil na relação jurídica processual, quando litiga em qualquer ação. Assim, na melhor compreensão a ser extraída dessa norma, não há razão para diferenciar-se a posição processual do incapaz. Figure o incapaz como autor ou réu em qualquer ação, deve-se possibilitar ao seu representante litigar no foro de seu domicílio, pois, normalmente, sempre necessitará de proteção, de amparo, de facilitação da defesa dos seus interesses, mormente em ações de estado. 3. No confronto entre as normas protetivas invocadas pelas partes, entre o foro da residência da mulher e o do domicílio do representante do incapaz, deve preponderar a regra que privilegia o incapaz, pela maior fragilidade de quem atua representado, necessitando de facilitação de meios, especialmente numa relação processual formada em ação de divórcio, em que o delicado direito material a ser discutido pode envolver íntimos sentimentos e relevantes aspectos patrimoniais. 4. Recurso especial provido para julgar improcedente a exceção de incompetência do juízo oposta pela recorrida." (REsp 875.612/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 17/11/2014) 

O conflito, então, se dá entre uma regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade) e outra de competência territorial especial (domicílio do incapaz). 

Esclareça-se que a competência territorial especial, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa; enquanto que a competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. 

Também acerca da natureza relativa da competência do foro de domicílio do incapaz, confira-se o seguinte julgado da 3ª Turma: 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. FORO. INCAPAZ. COMPETÊNCIA RELATIVA. CONEXÃO ENTRE AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL E O INVENTÁRIO DO FALECIDO. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. O foro privilegiado do incapaz, nos termos do art. 98 do CPC/1973, é de competência relativa. 2. Não há conexão entre a ação declaratória de existência de união estável e o inventário do de cujus, pois inexiste identidade parcial objetiva (objeto ou causa de pedir) entre as demandas. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que eventuais reflexos indiretos da declaração não são aptos a justificar o deslocamento da competência. 3. Quando as conclusões da Corte de origem resultam da estrita análise das provas carreadas aos autos e das circunstâncias fáticas que permearam a demanda, não há como rever o posicionamento em virtude da aplicação da Súmula nº 7/STJ. 4. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC/1973 e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos julgados que configurem o dissídio, a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações, o que não restou evidenciado na espécie. 5. Ocorre impossibilidade jurídica do pedido quando há vedação expressa no ordenamento legal ao seu deferimento, ou, ainda, quando não haja previsão de um tipo de providência. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 332.957/GO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 08/08/2016 - sem grifos no original) 

Definidos os parâmetros do conflito, evidencia-se que já está consolidado o entendimento de que as regras de competência absoluta preponderam em face das de competência relativa, porque submetidas a um regime jurídico cogente, respaldado no interesse público; enquanto que a competência relativa segue um regime dispositivo, em que o defeito somente pode ser argüido pela própria parte e está sujeito à preclusão. 

Ponto primordial para o deslinde da controvérsia é que, na hipótese dos autos, o domicílio do representante do incapaz é a cidade do Rio de Janeiro - RJ, todavia a ação de partilha posterior ao divórcio foi proposta perante foro diverso, ou seja, não houve, por opção da própria parte, utilização do foro especial do art. 50 do CC/02. 

Nesse sentido, o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG, que possui foro de competência funcional, não poderia, de ofício, suscitar o conflito de competência em obediência ao comando da Súmula 33 do STJ: "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". 

A competência absoluta não admite, em regra, derrogação, prorrogação ou modificação, sendo que a ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento, sobretudo quando o próprio incapaz opta por não utilizar a prerrogativa do art. 50 do CPC/15. 

Forte nessas razões, conheço do conflito de competência e determino como competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Barbacena - MG, ora suscitante. 

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