8 de maio de 2021

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO AUTÔNOMA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.866.230 - SP (2019/0248311-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO AUTÔNOMA. 

1. Ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente. 

2. Ação ajuizada em 25/06/2018. Recurso especial concluso ao gabinete em 04/03/2020. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal é definir se o devedor fiduciante pode pleitear a prestação de contas relativa à venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente no bojo da própria ação de busca e apreensão ou se, ao revés, há a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para tal desiderato. 

4. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pela recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 

5. No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. 

6. As questões concernentes à venda extrajudicial do bem, imputação do valor alcançado no pagamento do débito e apuração acerca de eventual saldo remanescente em favor do devedor não podem ser discutidas, incidentalmente, no bojo da ação de busca e apreensão que, como se sabe, visa tão somente à consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário. 

7. Assiste ao devedor fiduciário o direito à prestação de contas, dada a venda extrajudicial do bem, porém tal pretensão deve ser perquirida pela via adequada, qual seja, a ação de exigir/prestar contas. 

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido, com majoração de honorários. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 22 de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por MARINA COLANERI BONI - ESPÓLIO, contra acórdão proferido pelo TJ/SP. 

Recurso especial interposto em: 19/03/2019. Concluso ao gabinete em: 04/03/2020. 

Ação: de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente, ajuizada por BANCO ITAUCARD S.A., em desfavor da recorrente (e-STJ fls. 1-7). 

Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar rescindido o contrato e para consolidar nas mãos do recorrido o domínio e a posse plenos e exclusivos do bem (e-STJ fls. 89-90). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram acolhidos para fazer constar da sentença que “(...) poderá o réu oportunamente, se o caso, forte no art. 2º, caput, in fine, do Decreto Lei 911/69, propor ação de prestação de contas autônoma em desfavor do autor (...)” (e-STJ fl. 103). 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

Ação de busca e apreensão – alienação fiduciária – venda extrajudicial do bem – pretensão da devedora em exigir as contas na fase de cumprimento de sentença – impossibilidade diante do pedido e procedimento específicos para tal finalidade – necessidade de ação autônoma – apelação não provida, com observação (art. 85 § 11 do CPC) (e-STJ fl. 132). 

Recurso especial: alega violação dos arts. 2º do Decreto-Lei 911/69; 3º, 4º, 141 e 492 do CPC/2015. Sustenta que: 

a) é possível a efetivação da prestação de contas nos próprios autos da ação de busca e apreensão, não havendo necessidade de ajuizamento de ação autônoma para tal mister; 

b) a exigência de ajuizamento de ação autônoma de prestação de contas viola os princípios da legalidade, da economia processual e da razoável duração do processo; 

c) a prestação de contas é direito expresso do devedor fiduciante, que deve ter ciência do valor apurado com a venda do bem apreendido, sendo um dever do credor fiduciário; e 

d) a majoração de honorários recursais, quando não houve requerimento da parte adversa, representa julgamento ultra petita (e-STJ fls. 131-133). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP inadmitiu o recurso especial interposto por MARINA COLANERI BONI - ESPÓLIO (e-STJ fls. 171-172), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 175-188). 

Decisão monocrática da Presidência: não conheceu do agravo em recurso especial interposto pela recorrente (e-STJ fls. 198-199). 

Agravo interno: foi interposto pela recorrente, pugnando pela reforma da decisão monocrática (e-STJ fls. 202-232). 

Decisão monocrática: ensejou a reconsideração da decisão proferida às fls. 198-199 (e-STJ), tendo sido determinada a reautuação do agravo em recurso especial (e-STJ fl. 245) 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal é definir se o devedor fiduciante pode pleitear a prestação de contas relativa à venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente no bojo da própria ação de busca e apreensão ou se, ao revés, há a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para tal desiderato. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO 

1. O acórdão recorrido não decidiu acerca dos argumentos invocados pela recorrente em seu recurso especial quanto aos arts. 141 e 492 do CPC/2015, o que inviabiliza o seu julgamento. Aplica-se, neste caso, a Súmula 282/STF. 

2. DA NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS RELATIVA À VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM OBJETO DE BUSCA E APREENSÃO 

2. Inicialmente, convém salientar que, pelo Decreto-Lei 911/69, nas hipóteses de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, duas são as ações asseguradas ao credor fiduciário para a satisfação do crédito a que faz jus: i) a ação de busca e apreensão do bem (art. 3º, DL 911/69); e ii) a ação de execução, objetivando o pagamento da integralidade da dívida (arts. 4º e 5º, DL 911/69). 

3. Vale lembrar que as ações de busca e apreensão e de execução não podem ser ajuizadas concomitantemente, como mesmo já decidiu este STJ (REsp 576.081/SP, 4ª Turma, DJe 08/06/2010; REsp 210.622/SC, 4ª Turma, DJ 16/02/2004; e REsp 450.990/PR, 3ª Turma, DJe 01/09/2003). Caberá, portanto, ao credor fiduciário optar pelo ajuizamento de apenas uma delas. 

4. Na hipótese de optar pelo ajuizamento da ação de busca e apreensão – situação dos autos –, tem-se que, uma vez apreendido o bem, promover-se-á a sua venda extrajudicial, nos moldes do que dispõe o art. 2º do DL 911/69: 

Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas (grifos acrescentados). 

5. Efetivada a venda, apura-se o saldo entre o produto da venda e o montante da dívida e encargos, procedendo-se a prestação de contas ao devedor; havendo sobra, o credor deverá entregá-la ao devedor ou, ao contrário, remanescendo saldo devedor, o devedor continua responsável pelo pagamento (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: Negócio fiduciário. 5 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 212). 

6. Vale lembrar que a obrigatoriedade da prestação de contas foi inovação trazida pela Lei 13.043/2014 que, não obstante não fosse expressa anteriormente à sua edição, já era reconhecida como de interesse do devedor fiduciante quando da venda extrajudicial do bem. 

7. A propósito, citam-se precedentes deste STJ nesse sentido: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INTERESSE PROCESSUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. VEICULO AUTOMOTOR. ADMINISTRAÇÃO DE INTERESSE DE TERCEIRO. CABIMENTO. 1. A violação do art. 844 do CPC/1973 não foi debatida no Tribunal de origem, o que implica ausência de prequestionamento. Incidência da Súmula n. 282/STF. 2. No caso de alienação extrajudicial de veículo automotor regida pelo art. 2º do Decreto-Lei n. 911/1969 - redação anterior à Lei n. 13.043/2014 -, tem o devedor interesse processual na ação de prestação de contas, quanto aos valores decorrentes da venda e à correta imputação no débito (saldo remanescente). 3. A administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor. 4. Após a entrada em vigor da Lei n. 13.043/2014, que alterou o art. 2º do Decreto-Lei n. 911/1969, a obrigação de prestar contas ficou expressamente consignada. 5. Recurso especial conhecido em parte e não provido (REsp 1.678.525/SP, 4ª Turma, DJe 09/10/2017). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EFETUADA A VENDA DO BEM PELO CREDOR, TEM O DEVEDOR O DIREITO A PRESTAÇÃO DE CONTAS (REsp 67.295/RO, 3ª Turma, DJ 07/10/1996). 

8. Com efeito, reconhece-se que o interesse do devedor fiduciante é evidente nos casos de alienação extrajudicial do bem, uma vez que a solução dada pelo credor fiduciário afeta o seu patrimônio. Como lembrou o Min. Antonio Carlos Ferreira, relator do retrocitado REsp 1.678.525/SP: (...) Ao credor cumpre zelar pela correta destinação da quantia, nos moldes estabelecidos pela norma. Essa incumbência também está ligada ao patrimônio do devedor, o qual ficará vinculado pela dívida remanescente ou terá saldo a receber. Portanto, a administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor fiduciário. 

9. Indiscutível o interesse do devedor fiduciante na prestação de contas, cumpre definir se tal prestação pode ser pleiteada e, via de consequência, prestada pelo credor fiduciário, no bojo dos próprios autos de ação de busca e apreensão ou se deve haver o ajuizamento de ação autônoma para esta finalidade. 

10. Com efeito, as questões concernentes à venda extrajudicial do bem, imputação do valor alcançado no pagamento do débito e apuração acerca de eventual saldo remanescente em favor do devedor não podem ser discutidas, incidentalmente, no bojo da ação de busca e apreensão que, como se sabe, visa tão somente à consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário. 

11. Ademais, vale frisar que o próprio Decreto-Lei expressamente define que a busca e apreensão constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior, senão veja-se: 

Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (...) § 8º A busca e apreensão prevista no presente artigo constitui processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior. 

12. Ainda quando do julgamento do já mencionado REsp 1.678.525/SP (DJe 09/10/2017) – que, em verdade, discutiu sobre a existência de interesse do devedor fiduciante na prestação de contas quando há venda do bem objeto de garantia fiduciária, anteriormente à edição da Lei 13.043/2014 –, ficou expressamente consignado no voto que “(...) não há possibilidade de alcançar essa prestação de contas no próprio âmbito da ação de busca e apreensão. Com efeito, além do objeto da ação ser restrito ao aspecto possessório, visando à consolidação da posse plena, porque não há título executivo a amparar eventual cumprimento de sentença a respeito do saldo remanescente” (grifos acrescentados). 

13. No mesmo sentido, decisão monocrática proferida pelo Min. Marco Aurélio Bellizze, reconhecendo que assiste ao devedor fiduciário o direito à prestação de contas, dada a venda extrajudicial do bem, porém tal pretensão deve ser perquirida pela via adequada, qual seja, a ação de exigir/prestar contas (AREsp 1.550.376/SP, publicada em 30/10/2019). 

14. O acórdão recorrido, portanto, deve ser mantido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial interposto por MARINA COLANERI BONI - ESPÓLIO e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO para manter o acórdão recorrido, que reconheceu a impossibilidade de a prestação de contas dar-se no bojo da ação de busca e apreensão. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 12% (doze por cento) do valor da causa (e-STJ fl. 133) para 15% (quinze por cento). 

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