6 de maio de 2021

AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA MANTIDA EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. PEDIDO RESCISÓRIO DIRIGIDO CONTRA A SENTENÇA EM VEZ DO ACÓRDÃO. MERA IRREGULARIDADE FORMAL. EXTINÇÃO DA RESCISÓRIA. DESCABIMENTO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.569.948 - AM (2015/0272209-6) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA MANTIDA EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. PEDIDO RESCISÓRIO DIRIGIDO CONTRA A SENTENÇA EM VEZ DO ACÓRDÃO. MERA IRREGULARIDADE FORMAL. EXTINÇÃO DA RESCISÓRIA. DESCABIMENTO. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA. 

1. Controvérsia acerca das consequências do vício formal da inicial da rescisória consistente em pedir a rescisão da sentença em vez do acórdão que a substituiu, na vigência do CPC/1973. 

2. Existência de julgados desta Corte Superior no sentido de que esse vício conduziria à impossibilidade jurídica do pedido rescindente, pois não seria possível a rescisão de sentença que já fora substituída pelo acórdão que a manteve. 

3. Julgados específicos, porém, tanto do STF, como desta Turma, além de entendimento doutrinário, no sentido de que a extinção da rescisória com base nesse vício seria excesso de formalismo. 

4. Possibilidade de se compreender na palavra "sentença" a referência também ao acórdão que a substituiu. 

5. Reforma do acórdão recorrido no caso concreto para afastar a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rescindente. 

6. Entendimento em consonância com a nova disciplina dada à matéria pelo CPC/2015. 

7. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). VERA CARLA NELSON CRUZ SILVEIRA, pela parte RECORRIDA: COENCIL COMERCIO IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA 

Brasília, 11 de dezembro de 2018(data do julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por CONDOMINIO RESIDENCIAL JARDIM ITAPOA e OUTRO em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, assim ementado: 

EMBARGOS INFRINGENTES EM AÇÃO RESCISÓRIA - CABIMENTO - EXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIOS PASSIVOS UNITÁRIOS - CONFIGURAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO QUE SE IMPÕE. I - Cabem embargos infringentes contra acórdão que julgar embargos dedeclaração, desde que: a) os embargos declaratórios tenham sido interpostoscontra acórdão proferido em apelação ou ação rescisória; b) os demais pressupostos de cabimento, previstos no art. 530 do Código de Processo Civil, sejam preenchidos. II - Há litisconsórcio passivo unitário quando o provimento jurisdicional deverá ser igual para todos. III - Quando o recurso não é conhecido não há o efeito substitutivo, permanecendo íntegra a decisão recorrida, que pode ser objeto de ação rescisória, desde que preenchidos os requisitos do Código de Processo Civil 485. Quando o recurso foi conhecido, haverá o efeito substitutivo e o acórdão que substituiu a decisão recorrida é que poderá ser impugnado pela ação rescisória (...) (in: Código de Processo Civil e Legislação Extravagante, 1 I a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 886). IV - Recurso conhecido e provido" (fls. 963) 

Opostos embargos de declaração, foram acolhidos, sem agregação de efeitos infringentes (fls. 1348/1354). 

Em suas razões, alega a parte recorrente, em síntese, violação ao art. 512 do Código de Processo Civil de 1973, sob o argumento de que o efeito substitutivo dos recursos não operaria no caso em que a apelação esteja fundada em error in procedendo. Aduz, também, que o mero erro de direcionamento da rescisória contra a sentença, em vez do acórdão, não seria suficiente para obstar o conhecimento da rescisória. 

Contrarrazões ao recurso especial às fls. 1718/1756. 

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na qualidade de custo iuris, manifestou-se pelo conhecimento parcial e desprovimento do recurso, nos termos da seguinte ementa: 

AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATIVA. PROCEDÊNCIA.APELAÇÃO. PROVIMENTO, POR MAIORIA.EMBARGOS INFRINGENTES. PROVIMENTO.TRÂNSITO EM JULGADO. AÇÃO RESCISÓRIA ALEGANDO ILEGITIMIDADE DE PARTE NA AÇÃO ORIGINÁRIA. PROCEDÊNCIA, POR MAIORIA.EMBARGOS INFRINGENTES ALEGANDO A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO (RESCISÓRIA ATACA A SENTENÇA). RECURSO ESPECIAL (CF, 105, III, "A" E "C"). ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535, DO CPC/73. INEXISTÊNCIA.ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS ARTIGOS 3o E 6o, 22,125, INCISO I, 267, INCISO VI E § 3°, 460 E 530, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/73. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 512 E 267, INCISO VI, DA LEI PROCESSUAL CIVIL/73. NÃO CONFIGURAÇÃO.PARECER PELO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, PELO SEU DESPROVIMENTO. (fl. 1777) Juízo de admissibilidade do presente recurso realizado com base nas normas do CPC/1973, por ser a lei processual vigente na data de publicação do decisum ora impugnado (cf. Enunciado Administrativo n. 2/STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Eminentes colegas, o recurso especial merece ser provido. 

A controvérsia diz respeito ao efeito substitutivo dos recursos, e suas consequências no que tange à admissibilidade da ação rescisória. 

No caso dos autos, o Tribunal de origem não conheceu da rescisória por entender juridicamente impossível o pedido de rescisão de sentença que fora mantida em segundo grau de jurisdição, pois, por força do efeito substitutivo, a ação rescisória deveria ter sido dirigida contra o acórdão que a manteve. 

Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do acórdão recorrido: 

02.17. Verifica-se, diante deste breve histórico narrado que a decisão a ser rescindida deveria ser o acórdão que julgou os Embargos Infringentes , fls. 81/90. Isto porque neste a Corte de Justiça conheceu e deu provimento, mantendo-se a sentença apelada. Quando os autos subiram ao Superior Tribunal de Justiça em razão da interposição de Recurso Especial, este não foi conhecido. 02.18. Com o conhecimento e provimento dos Embargos Infringentes houve a substituição de uma decisão pela outra, ou seja, a substituição da sentença pelo acórdão, nos termos do que dispõe o artigo 512 do Código de Processo Civil, segundo o qual dispõe que o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou decisão recorrida no que tiver sido objeto do recurso. ..................................... 02.21. Nesse sentido, não há como ser rescindida a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito do Primeiro Grau. 02.22. Ante o exposto, conheço o presente recurso de embargos infringentes e dou-lhe provimento a fim de decretar a extinção do processo, sem a resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, nos termos dos artigos 267, VI, do Código de Processo Civil. 02.23. É como voto. (fls. 981 s.) 

Esse entendimento do Tribunal de origem está em sintonia com julgados desta Corte Superior proferidos na vigência do CPC/1973, salientando-se que a rescisória foi ajuizada em 2007. Ilutrativamente, confira-se: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. PEDIDO. DIREÇÃO CONTRA SENTENÇA. EXISTÊNCIA DE ACÓRDÃO POSTERIOR QUE A SUBSTITUIU. PEDIDO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. ARTS. 485, V, E 512 DO CPC. SÚMULA 284/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Alegações genéricas quanto às prefaciais de afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil não bastam à abertura da via especial pela alínea "a" do permissivo constitucional, a teor da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. Há deficiência argumentativa quando o preceito legal apontado como violado (arts. 485, V, e 512 do CPC) não é suficiente para amparar a tese defendida no recurso especial. Precedentes. 3. O fundamento utilizado no acórdão paradigma a título subsidiário (obiter dictum) não serve de parâmetro de controle da divergência jurisprudencial. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1369630/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 20/11/2013) 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AJUIZAMENTO CONTRA SENTENÇA. EXISTÊNCIA DE ACÓRDÃO. IRREGULARIDADE. 1. A ação rescisória ajuizada contra a sentença proferida no processo de conhecimento, quando há acórdão proferido pelo Tribunal de origem substituindo tal sentença, é inviável de ser analisada. 2.Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 337.443/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/06/2008, DJe 23/06/2008) 

Esse entendimento, contudo, dificilmente se sustentaria na vigência do CPC/2015, tendo em vista o princípio da primazia da resolução do mérito, bem como a norma do art. 968, §§ 5º e 6º, que estatui uma hipótese específica de emenda à petição inicial da ação rescisória, destinada justamente ao saneamento do vício relacionado à inobservância do efeito substitutivo dos recursos. 

Confira-se: 

Art. 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 319, devendo o autor: .......................................... § 5º. Reconhecida a incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória, o autor será intimado para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória, quando a decisão apontada como rescindenda: I - não tiver apreciado o mérito e não se enquadrar na situação prevista no § 2º do art. 966; II - tiver sido substituída por decisão posterior. § 6º. Na hipótese do § 5º, após a emenda da petição inicial, será permitido ao réu complementar os fundamentos de defesa, e, em seguida, os autos serão remetidos ao tribunal competente.

 Na verdade, até mesmo na vigência do CPC/1973, encontravam posicionamentos no sentido de que considerara excesso de formalismo o erro de direcionamento da pretensão rescindente conta a sentença em vez do acórdão que a substituiu. 

No âmbito doutrinário, confira-se o entendimento de MARCELO NEGRI SOARES, Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP: 

A ação rescisória mal proposta deve ser sempre aproveitada se puder atingir o fim desejado, seja mesmo sem emenda da inicial, seja após deteminada a emenda, quando for o caso. Aliás, determinar a emenda da inicial se torna obrigatória quando não preenchidos os requisitos genéricos da redação e documentação inicial. Não poderá o juiz, antes de determinar tal emenda, quando presente o fato ensejador, extinguir de pronto o feito. Quando o pedido se dirigir contra a sentença de primeiro grau, equivocadamente, em sendo o caso de pedido de desconstituição de acórdão substitutivo, o tribunal poderá conhecer o pedido diretamente, sem mesmo solicitar a emenda da inicial - art. 267 c/c art. 284, ambos do CPC - haja vista o flagrante erro material do pedido. (Ação rescisória. São Paulo: ed. Art mutatis mutandis, 2015, p. 131 s.). 

No mesmo sentido o entendimento de MARIA LÚCIA LINS CONCEIÇÃO DE MEDEIROS, manifestado em tese de doutorado defendida também na PUC-SP: 

Não é incomum que nas iniciais de ação rescisória, o autor, de forma equivocada peça a rescisão da sentença, quando tal pronunciamento já foi substituído pelo acórdão. Este vício, porém, é sanável [...]. (http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp063484.pdf, acesso em 22/11/2018) 

No âmbito jurisprudencial, ambos os autores acima referidos mencionam seguinte julgado do STF: 

Recurso extraordinário. Agravo regimental. 2. Ação rescisória. Extinção do feito, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 3. Entendimento no sentido de que o autor pretendia rescindir a sentença, em vez de buscar a desconstituição do acórdão que a substituiu. 3. Formalismo excessivo que afeta a prestação jurisdicional efetiva. Erro no pedido que não gera nulidade, nem causa para o não-provimento. 4. Força normativa da Constituição. Jurisprudência do STF quanto à matéria que constitui objeto da ação rescisória. 5. Recurso extraordinário provido. Remessa ao TRT da 4ª Região, a fim de que aprecie a ação rescisória, como entender de direito (RE 395.662 AgR/RS, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/03/2004, DJ 23-04-2004) 

No âmbito desta Corte Superior, merece referência fundamento declinado no julgamento do REsp 744.271/DF, DJ 19/06/2006, perante esta Turma, em que a relatora, Min.ª NANCY ANDRIGHI, com percuciência, lembrou que até mesmo no CPC/1973 encontra-se o uso da palavra "sentença" em lugar de "acórdão", de modo esse equívoco não seria suficiente para impedir o conhecimento do mérito da ação rescisória. 

Nas palavras da relatora, verbis: 

Ainda, como fundamento subsidiário, é preciso considerar que, mesmo entendendo que o objeto da rescisória deveria ter sido o acórdão prolatado no julgamento da apelação, não se mostra razoável deixar de admitir a demanda, notadamente quando - ressalte-se - todos os outros requisitos formais foram devidamente preenchidos. O equívoco em utilizar a expressão "sentença" ao invés de acórdão, na hipótese, não se mostra suficiente para impedir a análise do mérito da ação rescisória proposta pelo recorrente. Neste sentido, relevante chamar atenção para o fato de que, na redação de determinados dispositivos legais, o próprio legislador utilizou a expressão "sentença", quando sua intenção era se referir a "acórdão", podendo ser apontado como exemplo o art. 467 do CPC, que dispõe sobre a "sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário". Ora, como é sabido, apenas o acórdão pode ser impugnado por meio de recurso extraordinário, no entanto, o dispositivo legal fez menção à sentença. Com estes fundamentos, deve ser acolhida a pretensão do recorrente apresentada neste recurso especial, seja porque o objeto da ação rescisória, na hipótese, deveria ser, efetivamente, a sentença, considerando que esta não foi substituída pelo posterior acórdão; seja porque, em razão do princípio da efetividade da jurisdição, deve ser considerada mera irregularidade a referência à sentença ao invés da menção ao acórdão. 

Na esteira desse entendimento já manifestado por esta Turma, entendo que, no caso dos autos, o recurso especial merece ser provido para que, superada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, prossiga o julgamento dos embargos infringentes no Tribunal de origem. 

Observe-se que o próprio Tribunal de origem admitiu que as demais questões suscitadas deixaram de ser apreciadas, em virtude do acolhimento da impossibilidade jurídica do pedido. Confira-se: 

02.04. Quanto as demais alegações não há como prosperar, isto porque consoante se extrai do acórdão ora atacado houve o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido que, como é de sabença geral trata-se de uma das condições da ação, portanto, seu acolhimento inviabiliza a análise das demais argumentações. (fl. 1353) 

Nesse contexto, eventual pronunciamento desta Corte Superior sobre outras questões suscitadas perante o Tribunal de origem, e repisadas no apelo nobre, configuraria indevida supressão de instância. 

Destarte, o recuso especial merece ser provido. 

Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso especial para rejeitar a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga o julgamento das demais questões suscitadas nos embargos infringentes, como se entender de direito. 

É o voto. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário