6 de maio de 2021

AÇÃO DE GUARDA PROPOSTA EM FACE DA MÃE BIOLÓGICA POR CASAL INTERESSADO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E JULGADA PROCEDENTE NO CURSO DO PROCESSO. POSTERIOR SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE GUARDA. APELAÇÃO DA GENITORA. LEGITIMIDADE RECURSAL RECONHECIDA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.845.146 - ES (2018/0180049-0) 

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO 

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA PROPOSTA EM FACE DA MÃE BIOLÓGICA POR CASAL INTERESSADO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E JULGADA PROCEDENTE NO CURSO DO PROCESSO. POSTERIOR SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE GUARDA. APELAÇÃO DA GENITORA. LEGITIMIDADE RECURSAL RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. A mãe biológica, mesmo já destituída do poder familiar, em outra ação, por sentença transitada em julgado, tem ainda legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente, contra si, o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, confiada pelo Conselho Tutelar da Comarca de origem. 

2. No caso concreto, a ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público contra a genitora não fora cumulada com pedido de adoção por família substituta. Desse modo, embora julgada procedente, a sentença de destituição não eliminou o laço de parentesco da mãe biológica com a criança, mas apenas fez cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais sobre a filha. 

3. A qualidade de ré na ação de guarda, bem como a subsistência do laço sanguíneo, conferem à mãe biológica legitimidade e interesse bastante para, em prol da proteção e do melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação, na busca de assegurar o direito da infante à manutenção no seio da família extensa materna. 

4. Recurso especial a que se dá provimento para que, reconhecida a legitimidade recursal, retornem os autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga no julgamento da apelação. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. 

Brasília, 19 de novembro de 2019 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Os autos dão conta de que A. C. G. R. e M. G. R. G. ajuizaram ação de guarda em desfavor de M. C. D. T., em relação à menor M. C. D., a fim de regularizar posse de fato da aludida menor, sustentando que a criança, então com dois anos de idade, depois de sofrer agressões praticadas por sua antiga família, as quais colocaram em risco sua integridade física, foi confiada aos requerentes, pelo Conselho Tutelar da Comarca de Ibiraçu-ES, conforme Termo de Responsabilidade datado de 07/12/2008 (fls. 18-19). 

A requerida apresentou contestação (fls. 55-59). 

O processo foi suspenso até o julgamento da ação de destituição do poder familiar (Processo nº 022.09.000469-2) ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo em face da genitora, M. C. D. T. (fls. 34-38), ora recorrente, no âmbito da qual foi deferida, em 10/07/2009, a guarda provisória da criança em favor dos requerentes (fl. 115). Nessa ação, o pedido foi julgado procedente, a fim de destituir a requerida do poder familiar exercido sobre a menor, tendo a sentença transitado em julgado em 09/05/2013 (fl. 116). 

Realizada audiência de instrução e julgamento na ação de guarda, foram tomados os depoimentos pessoais das partes, tendo a requerida informado que estava presa há oito meses e desejava que a filha fosse criada por seu pai (avô materno), A. D. R., e madrasta, L. L. (fl. 74). 

A Juíza de Direito julgou a ação de guarda procedente, deferindo a guarda definitiva da menor M. C. D. aos requerentes (fls. 115-117). 

Sobreveio a apelação (fls. 121-142) interposta pela genitora, M. C. D. T., por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, postulando a manutenção da criança na família extensa materna. Argumentou-se que, logo após a menor ter sido entregue pelo Conselho Tutelar aos autores, A. D. R. e L. L., na qualidade de avós maternos, ajuizaram, em 10/12/2008, ação para obtenção de guarda da neta (Processo nº 022.08.001241-6), havendo, naqueles autos, estudo social favorável à inclusão da menor na família extensa. 

A Juíza de primeiro grau deixou de receber a apelação, por ausência de legitimidade recursal (fl. 147). 

Seguiu-se agravo de instrumento (fls. 1-16), a que o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo negou provimento, nos termos do acórdão assim ementado: 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL (FAMÍLIA). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL DA GENITORA DESTITUÍDA DO PODER FAMILIAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A mãe biológica destituída do poder familiar, em razão de comprovada prática de negligência e abandono, tendo o decisum transitado em julgado em 09/05/2013, não tem legitimidade para recorrer das decisões que conferiram a guarda da menor à família substituta em detrimento da família extensa (avô materno e cônjuge). 2. Pois, ao ser destituída do poder familiar, descabe qualquer participação da genitora no destino de sua prole, cabendo às autoridades promover os cuidados da menor até a sua colocação em família extensa ou substituta, a depender das circunstancias fáticas, sempre no intuito de se observar o melhor interesse dela. 3. Desse modo, reconhecendo que a destituição do poder familiar implicou na ruptura dos laços jurídicos entre a genitora e a menor, impõe-se no reconhecimento da ilegitimidade de M. C. D. T. 4. Recurso conhecido e desprovido." (fl. 187) 

Daí o presente recurso especial, interposto por M. C. D. T., por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando ofensa ao art. 499 do CPC/1973 (atual art. 996 do CPC/2015), bem como divergência jurisprudencial. Sustenta sua legitimidade para interpor recurso de apelação, visto que figura como parte no processo e, portanto, compõe a relação jurídica controvertida, possuindo nítido interesse jurídico no deslinde da causa (fls. 193-206). 

Contrarrazões às fls. 210-218. 

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 254-258). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): A questão controvertida consiste na legitimidade recursal da mãe biológica, destituída do poder familiar por sentença transitada em julgado, para recorrer da sentença que julgou procedente, contra si, a ação de guarda movida pelo casal que já exercia a guarda provisória da criança, confiada pelo Conselho Tutelar da Comarca de origem. 

Conforme relatado, a Juíza de primeiro grau deixou de receber a apelação, por ausência de legitimidade recursal, nos termos da seguinte fundamentação: 

"A princípio, cumpre estabelecer que a menor M. C. D. encontra-se sobre (sic) a guarda e responsabilidade dos requerentes desde a data de 07 de dezembro de 2008, em virtude de agressões, por parte de sua família, que colocaram em risco sua integridade física. Diante de tais fatos, foi ajuizada ação de Destituição do Poder Familiar em face da requerida/apelante M. C. D. T., a qual foi julgada PROCEDENTE, conforme sentença de fls. 83/86 dos autos do processo tombado sob o n° 022.09.000469-2, cujo trânsito em julgado se deu na data de 09 de maio de 2013, havendo menção a referido fato na sentença proferida às fls. 78/80 destes autos. Nessa esteira, é sabido que uma vez destituída do poder familiar por sentença definitiva, carece a genitora de legitimidade para opor-se contra sentença que julgou procedente o pedido de guarda. Destarte, não atendido o pressuposto de admissibilidade, no que concerne à legitimidade, DEIXO de receber o recurso interposto pela requerida." (fl. 147 - grifou-se) 

Por sua vez, o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo entendeu correta a decisão que não recebeu a apelação, à base da seguinte fundamentação: 

"Não vejo razão para modificar a decisão proferida na origem, pois, de fato, a mãe biológica destituída do poder familiar, em razão de comprovada prática de negligência e abandono, tendo o decisum transitado em julgado em 09/05/2013, não tem legitimidade para recorrer das decisões que conferiram a guarda da menor à família substituta em detrimento da família extensa (avô materno e cônjuge). Pois, ao ser destituída do poder familiar, descabe qualquer participação da genitora no destino de sua prole, cabendo às autoridades promover os cuidados da menor até a sua colocação em família extensa ou substituta, a depender das circunstancias fáticas, sempre no intuito de se observar o melhor interesse dela. Desse modo, reconhecendo que a destituição do poder familiar implicou na ruptura dos laços jurídicos entre a genitora e a menor, impõe-se no reconhecimento da ilegitimidade de M. C. D. T. Posto isso, CONHEÇO do recurso, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO." (e-STJ, fl. 189 - grifou-se) 

O requisito da legitimidade recursal consiste na possibilidade de que o recurso seja interposto por quem possui, por força de lei, o poder de recorrer. 

A legislação processual civil brasileira outorga legitimidade para recorrer às partes, ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado, consoante estabelece o art. 499 do CPC/1973: "O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público." 

De forma semelhante, prevê o atual art. 996 do CPC/2015: "O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica." 

Como se sabe, são partes os que compõem os polos ativo e passivo da relação jurídica processual, ou seja, autor e réu. 

No presente caso, a recorrente foi reconhecida como parte ilegítima somente para interpor recurso de apelação contra a sentença que julgou procedente a ação de guarda de menor na qual figurou como ré, pelo fato de ter sido destituída do poder familiar, em processo diverso, no decorrer do presente feito. 

Não obstante, a legitimidade da recorrente para interpor o recurso de apelação no processo em que figurava como parte promovida é manifesta. 

Na espécie, a recorrente é ré na ação de guarda da menor M. C. D., sua filha biológica, proposta pelos recorridos, ou seja, faz parte da relação jurídica controvertida. Portanto, tem legitimidade e interesse jurídico no deslinde da causa. 

A circunstância de ter sido destituída do poder familiar em relação à filha biológica, em outra ação, em que pese a gravidade do fato, não autoriza concluir pela falta de legitimidade recursal na ação de guarda, sobretudo porque permanece, para a mãe, devido aos laços naturais, o interesse fático e jurídico sobre a criação e destinação da criança, mesmo após destituída do poder familiar. 

O poder familiar constitui um munus que pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações quanto à pessoa e bens de filho menor, decorrente da necessidade natural de todo ser humano menor de idade de ser acolhido e educado por pessoa maior, responsável por destinar ao amparado esforços e recursos materiais, intelectuais e afetivos em prol dos interesses e proteção daquele. O descumprimento dessa diretriz pelo responsável poderá acarretar sanções civis, como a suspensão ou a própria perda do poder familiar, conforme prevê o art. 1.638 do Código Civil. 

Através da ação para decretação da perda ou suspensão do poder familiar, pretende-se, em primeiro lugar, obter uma prestação jurisdicional que proteja a criança ou adolescente em situação de risco, ocasionada pela falta, omissão ou abuso dos pais (ECA, art. 98, II). Mais especificamente, a ação de destituição tem como escopo a inibição permanente ou temporária dos direitos e prerrogativas paterno-maternais que compõem o poder familiar. 

A perda do poder familiar é sanção severa, imposta no melhor interesse do filho menor, a qual depende de decisão judicial (CC, art. 1.635, V), significando a destituição de todas as prerrogativas parentais. Ou seja, o pai, a mãe, ou ambos, deixam de exercer, juridicamente, o poder familiar sobre o filho. 

Consoante os ensinamentos de MARIA HELENA DINIZ: "A perda do poder familiar, em regra, é permanente (CC, art. 1.635, V), embora o seu exercício possa ser, excepcionalmente, restabelecido, se provada a regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que a determinou, mediante processo judicial de caráter contencioso" (in Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5, 33ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 655). 

Entretanto, há de se atentar que, no caso dos autos, a ação de destituição do poder familiar não foi cumulada com pedido de adoção por família substituta. Por isso, a sentença que destituiu a genitora do poder familiar ensejará não a exclusão do seu nome no registro civil de nascimento da filha, mas a averbação da decisão condenatória, mantendo-se os sobrenomes da mãe (o pai é desconhecido) e os nomes dos seus ascendentes (avós maternos). 

Somente no caso de futura decisão em eventual ação de adoção (da qual não se tem notícia), o registro de nascimento será alterado e lavrada nova certidão. 

A propósito, leciona KÁTIA REGINA FERREIRA LOBO ANDRADE MACIEL: 

"Proferida a sentença de mérito no prazo máximo de 120 dias, suspendendo ou destituindo os genitores do poder familiar, esta deverá ser averbada no livro de nascimento da circunscrição onde nasceu o filho. Note-se que esta providência será determinada mesmo que esteja pendente recurso, já que, de acordo com o que reza o art. 199-B do ECA, a sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo. Não se trata de exclusão, no registro civil de nascimento do filho, dos nomes dos pais destituídos, mas sim da averbação da decisão condenatória, mantendo-se os sobrenomes dos pais e os dados dos ascendentes (pais e avós). Havendo pedido cumulado de adoção por família substituta, por outro lado, o registro de nascimento original da criança cujos pais foram destituídos do poder familiar será cancelado (art. 47, § 2º, do ECA) e lavrada nova certidão (art. 47, §§ 1º, 3º, 4º, 5º e 6º, do ECA). Excepcionalmente, porém, poderá haver a retificação do assentamento do filho com a supressão do sobrenome dos pais destituídos e dos nomes destes, mediante pedido próprio perante o juízo competente, após o trânsito em julgado da perda da autoridade parental, quando comprovado que fatos ensejaram a destituição foram tão graves que a manutenção dos dados parentais na certidão de nascimento do filho acarretará prejuízos emocionais e psíquicos na identidade dos infantes". (in Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 876-877) 

A lição prossegue e reforça a compreensão de que a perda ou a suspensão do poder familiar não afeta o laço de parentesco existente entre pais e filho. Nesse sentido: 

"Como salientado anteriormente, a perda ou a suspensão do poder familiar não afeta o laço de parentesco existente entre pais e filho, permanecendo as obrigações dele decorrentes, como, por exemplo, o dever alimentar. É importante ressaltar, como consequência prática do que foi afirmado, que os nomes dos pais destituídos ou suspensos da autoridade parental não são retirados da certidão de nascimento do filho, com a prolação de decisão favorável. A única exceção prevista expressamente em lei para que se finde o vínculo de parentesco e, por efeito, altere-se a filiação, diz respeito à transferência do poder familiar no caso de adoção (art. 47, §§ 1º, 2º e 5º, do ECA). Nesta hipótese, os pais naturais são desligados do poder familiar, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais (art. 1.026 do CC c/c o art. 41 da Lei n. 8.069/90). Assim, havendo a adoção, a recuperação da autoridade parental pelos genitores biológicos somente será possível por meio de destituição do poder familiar dos pais adotivos e de nova adoção pelos pais naturais, visto que o registro de nascimento originário foi cancelado." (op. cit., p. 878-879) 

Assim, enquanto não cessado o vínculo de parentesco com o filho, através da adoção, que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos, é possível a ação de restituição do poder familiar, a ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar. Nesse sentido: 

"O Decreto n. 17.943-A/27, conhecido como Código de Menores Mello Mattos, traçava os arts. 45 e 163 os pressupostos da ação de reintegração do pátrio poder e, expressamente, previa o trâmite desta sob o rito sumário. O Código de Menores de 1979, por outro lado, nada mencionava acerca da matéria, como também o Estatuto da Criança e do Adolescente silencia a respeito do tema. Consoante já explanado na capítulo do poder familiar, é perfeitamente possível o pedido judicial de recuperação pelos pais do encargo perdido, quando não ocorrente a cessação do vínculo de parentesco com o filho (adoção), posto que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos. Nesta última hipótese, é evidente a impossibilidade jurídica do pedido, diante da vedação do art. 41, caput, do ECA. [...] A ação de restituição, portanto, poderá ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar, como também, com mais raridade, pelo filho cujos pais tenham perdido este encargo. [...] Na doutrina de Josiane Veronese, o restabelecimento do poder familiar pode ocorrer via ação revisional, se não existirem causas que determinem sua cassação. O postulante deverá indicar os fundamentos fáticos e jurídicos que ensejaram a perda do poder familiar e os fatos novos que demonstrem a capacidade de voltar a exercer o encargo, ou seja, comprovar que desapareceram os motivos que basearam o decisum de destituição (art. 505, I, do NCPC). Além disso, o genitor destituído deverá fornecer fortes provas de que a restituição do poder familiar apresenta reais vantagens ao filho. Com a petição inicial, o autor deverá anexar cópia dos autos da ação de destituição ou, tendo tramitado perante o mesmo juízo daquela, requerer o seu apensamento. Esta cautela parece-nos necessária para que o Juízo possa examinar a fundamentação do pedido de perda e as provas produzidas no feito original." (op. cit., p. 880-882) 

Como se percebe, a destituição do poder familiar, enquanto instituto jurídico, não se sujeita aos efeitos clássicos e imutáveis da coisa julgada. Como cediço, na maioria dos casos em demandas envolvendo relações de família, as decisões judiciais permanecem à mercê da (in)alterabilidade da situação de fato, o que a doutrina convencionou chamar de "coisa julgada rebus sic stantibus". 

Pelo exposto, é de se concluir que, no caso concreto, a ação de destituição do poder familiar ajuizada contra a genitora não eliminou o seu laço de parentesco natural com a criança. Assim, embora a sentença tenha feito cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais, faticamente subsiste seu laço sanguíneo, que confere a ela legitimidade e interesse próprio para, em prol da proteção e melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação. 

Cumpre ponderar que a recorrente busca assegurar o direito da menor à convivência familiar, sendo cediço que a colocação em família substituta deve ser adotada quando esgotadas as tentativas de manutenção da criança no seio de sua família natural ou extensa, consoante determina o art. 19 do ECA: "É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral." 

Nessa linha, não restam dúvidas de que a recorrente, na qualidade de mãe biológica da menor cuja guarda encontra-se em disputa, possui interesse e legitimidade para recorrer da decisão que julgou procedente a ação de guarda, sendo defeso ao juízo ou tribunal deixar de receber, por tais motivos, o recurso de apelação interposto. 

Dadas as especificidades da situação em análise, é forçoso reconhecer a legitimidade recursal da mãe biológica, mesmo destituída do poder familiar para recorrer da sentença que conferiu aos autores a guarda da criança, sobretudo porque não visa proveito pessoal, mas deduz pretensão voltada a garantir o melhor interesse da menor, ou seja, sua manutenção no seio da família extensa (avô materno e cônjuge). Deve-se, com isso, viabilizar a discussão jurídica sobre a temática, nas instâncias ordinárias. 

É oportuno registrar que o Ministério Público Estadual, oficiante perante o Juízo de primeiro grau e, portanto, mais próximo dos fatos da causa, registrou que o pedido de guarda definitiva formulado pelos recorridos poderia representar um artifício tendente a burlar o cadastro de adoção, tendo-se manifestado pelo indeferimento do pedido de guarda formulado pelos autores, com a entrega da infante a sua família extensa (fls. 32/33 e 97/101). 

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso especial para que, reconhecida a legitimidade recursal, retornem os autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a fim de que prossiga no julgamento da apelação, como entender de direito. 

É como voto. 

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