6 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.797.991 - PR (2019/0044742-7) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL SECURITÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE ADMITE A INTERVENÇÃO DE TERCEIRO E DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. RECORRIBILIDADE IMEDIATA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE DUPLO CONTEÚDO. CRITÉRIOS DE EXAME. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO QUE É O ELEMENTO PREPONDERANTE DA DECISÃO JUDICIAL. ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO DE ANTECEDENTE-CONSEQUENTE. IMPUGNAÇÃO ADEQUADA DA PARTE, QUE SE VOLTA ESSENCIALMENTE AOS MOTIVOS PELOS QUAIS A INTERVENÇÃO É NECESSÁRIA EM RELAÇÃO A TODAS AS PARTES. DELIBERAÇÃO SOBRE O DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA QUE É DECORRÊNCIA LÓGICA, EVIDENTE E AUTOMÁTICA DO EXAME DA QUESTÃO PREPONDERANTE. 

1- Ação proposta em 14/08/2009. Recurso especial interposto em 21/08/2018 e atribuído à Relatora em 12/03/2019. 

2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 

3- O pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite a intervenção de terceiro e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, possui natureza complexa, pois reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques. 

4- Em se tratando de decisão interlocutória com duplo conteúdo – intervenção de terceiro e competência – é possível estabelecer, como critérios para a identificação do cabimento do recurso com base no art. 1.015, IX, do CPC/15: 

(i) o exame do elemento que prepondera na decisão; 

(ii) o emprego da lógica do antecedente-consequente e da ideia de questões prejudiciais e de questões prejudicadas; 

(iii) o exame do conteúdo das razões recursais apresentadas pela parte irresignada. 

5- Aplicando-se tais critérios à hipótese em exame, verifica-se que: 

(i) a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, porque somente se cogita a alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação; 

(ii) a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal e, se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá a manutenção da competência na Justiça Estadual; 

(iii) a irresignação da parte recorrente está no fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todas as partes e não em relação a somente algumas, tendo sido declinados os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontado que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 

6- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. 

Brasília (DF), 18 de junho de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por SUL AMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/PR que, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face da decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente. 

Recurso especial interposto em: 21/08/2018. Atribuído ao gabinete em: 12/03/2019. 

Ação: de responsabilidade obrigacional securitária ajuizada pelos recorridos em face da recorrente. 

Decisão interlocutória: pronunciou no sentido de que “a Caixa Econômica Federal manifestou interesse em integrar a presente demanda em relação aos autores José Maria, Juracy Medeiros Leal e Lea Aparecida dos Santos”, motivo pelo qual “reconheço a incompetência desta Juízo Estadual para processar e julgar a demanda, declinando-a em favor da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inc. I, da Constituição Federal”, determinando-se, ainda, “o desmembramento destes autos em relação aos autores acima citados” e a remessa dos autos à Vara Federal da Subseção Judiciária de Telêmaco Borba após o prazo legal e desde que ausente recurso (fls. 854/855, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face da decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO INTERNO – AÇÃO DE COBRANÇA – RESPONSABILIDADE SECURITÁRIA – SEGURO HABITACIONAL – INTERVENÇÃO DE TERCEIRO – DISCUSSÃO QUE TRATA, EM VERDADE, DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO FEITO – NÃO CONHECIMENTO DA REFERIDA MATÉRIA – HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ROL TAXATIVO DO ART. 1.015 DO NCPC – DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. O art. 1.015 do NCPC trouxe rol taxativo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Considerando que nenhuma delas abrange decisão que versa sobre competência absoluta da matéria, o tema não comporta conhecimento. (fls. 924/931, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 945/952, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, IX, do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial, ao fundamento de que o objeto de sua irresignação não é a competência para processar e julgar a ação em 1º grau, mas, sim, os motivos pelos quais foi reconhecida a existência de interesse da Caixa Econômica Federal em relação a apenas uma parcela dos autores e não em relação aos demais (fls. 955/966, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que versa, a um só tempo, sobre a intervenção de um terceiro com o consequente deslocamento da competência para justiça distinta é impugnável desde logo por agravo de instrumento fundado na regra do art. 1.015, IX, do CPC/15. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERE OU INDEFERE INGRESSO DE TERCEIRO E, CONSEQUENTEMENTE, DESLOCA OU NÃO A COMPETÊNCIA. ART. 1.015, IX, DO CPC/15. 

Em primeiro lugar, sublinhe-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. 

Anote-se, aliás, que houve unanimidade da Corte Especial nesse particular, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese vencedora se filiaram ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC/15 era taxatividade irrestrita, negando, por consequência, a possibilidade de interpretação extensiva ou de analogia. 

A tese veiculada no recurso especial, contudo, não está fundada na extensão ou na analogia, mas, sim, no próprio conteúdo e na incidência, na hipótese, da regra contida no art. 1.015, IX, do CPC/15, que assim dispõe, in verbis: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; 

De um lado, não há dúvida acerca da recorribilidade imediata, por agravo de instrumento, da decisão interlocutória que versa exclusivamente sobre a admissão e inadmissão da intervenção do terceiro – art. 1.015, IX, do CPC/15, hipótese que se justifica, como bem destacam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, no fato de que os limites subjetivos da coisa julgada necessariamente precisam estar definidos na época da prolação da sentença de mérito. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2.240). 

De outro lado, também não há dúvida de que a decisão interlocutória publicada após 19/12/2018 e que versa exclusivamente sobre competência será, igualmente, recorrível de imediato por agravo de instrumento com base na tese jurídica da taxatividade mitigada (tema 988), especialmente quando se verifica que o precedente vinculante se formou a partir de recursos especiais que envolviam, justamente, competência. 

A questão controvertida está na hipótese de um pronunciamento judicial de natureza complexa, que, acolhendo ou rejeitando a intervenção do terceiro, também se pronuncia sobre a necessidade, ou não, de modificação da competência em virtude da referida intervenção. 

Dada a ausência de doutrina que tenha tratado especificamente desse tema, é preciso construir e estabelecer critérios decisórios para a solução da questão, tendo como fundamento, sobretudo, o conteúdo de cada pronunciamento judicial. 

Nesse particular, anote-se que, embora exista uma profunda imbricação entre os conteúdos de cada parcela do pronunciamento jurisdicional em exame – intervenção de terceiro e competência – é possível inseri-los em compartimentos estanques e perfeitamente definidos para, a partir daí, estabelecer a natureza da conexão havida entre eles. 

O primeiro critério que se pode fixar diz respeito a preponderância de carga decisória, ou seja, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante, critério que se pode importar, por analogia, da classificação das ações delineada por Pontes de Miranda. 

A partir desse critério, conclui-se que a intervenção de terceiro exerce relação de dominância sobre a competência, sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar de uma alteração de competência do órgão julgador se – e apenas se – houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação. 

Daí decorre, inclusive, o segundo critério que se pode estabelecer para solver a controvérsia, calcado na lógica do antecedente-consequente e na ideia das questões prejudiciais e das questões prejudicadas que se pode emprestar da própria ciência processual, em que se verifica se a primeira matéria – intervenção de terceiro – influencia o modo de se decidir a segunda matéria – competência. 

No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva, consequentemente, ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá alteração da competência para a Justiça Federal; se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, haverá manutenção da competência na Justiça Estadual. 

É também relevante examinar, nesse contexto, o foco da irresignação da parte agravante em suas razões recursais para que se conclua pela incidência do art. 1.015, IX, do CPC/15, ou seja, se a impugnação se dirige precipuamente para a questão da intervenção de terceiro ou para a questão da competência. 3

Na hipótese em exame, verifica-se que a decisão interlocutória, a despeito da nítida ausência de fundamentação exauriente, afirma que “a Caixa Econômica Federal manifestou interesse em integrar a presente demanda em relação aos autores José Maria, Juracy Medeiros Leal e Lea Aparecida dos Santos” e que esse é o motivo pelo qual se conclui pela incompetência do Juízo Estadual somente em relação especificamente a esses autores-recorridos. 

Nas razões recursais de fls. 4/30 (e-STJ), verifica-se que, diferentemente do que se consignou no acórdão recorrido, o foco da irresignação é o fato de que o interesse jurídico que justificaria a intervenção da Caixa Econômica Federal existiria em relação a todos os autores-recorridos e não somente àqueles acima nominadas, declinando o recorrente os fundamentos de fato e de direito correspondentes a essa pretensão e apontando – sucintamente, a propósito – que a remessa do processo para a Justiça Federal teria como consequência uma série de prejuízos de índole processual. 

Finalmente, registre-se que não há óbice ao enfrentamento da questão controvertida em virtude do reconhecimento de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal no RE 827.996/PR (tema 1011, definido como “controvérsia relativa à existência de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal para ingressar como parte ou terceira interessada nas ações envolvendo seguros de mútuo habitacional no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e, consequentemente, à competência da Justiça Federal para o processamento e o julgamento das ações dessa natureza”). 

A uma, porque não houve determinação de suspensão de todos os processos pendentes que envolvam a mesma questão de direito e, a duas, porque até que se defina a questão no âmbito do Supremo Tribunal Federal, vigora o entendimento de que a intervenção da Caixa Econômica Federal, quando cabível, se dá na modalidade de assistência simples, que é espécie do gênero “intervenção de terceiro” (EDcl nos EDcl no REsp 1.091.393/SC, 2ª Seção, DJe 14/12/2012). 

Em síntese, por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, conclui-se que a decisão que versa sobre a admissão ou inadmissão de terceiro é recorrível de imediato por agravo de instrumento fundado no art. 1.015, IX, do CPC/15, ainda que da intervenção resulte modificação ou não da competência, que, nesse contexto, é uma decorrência lógica, evidente e automática do exame da questão principal. 

2. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/PR para que, afastado o óbice do cabimento, examine a presença dos demais pressupostos de admissibilidade e, se admissível o agravo de instrumento, examine a alegação de que deveria a Caixa Econômica Federal intervir também em relação aos demais recorridos. 

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