1 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: IRDR - Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero

"(...) Afirma-se que diante do 'julgamento do mérito do incidente' cabe recurso especial e recurso extraordinário, conforme o caso. Como nenhuma norma precisa reafirmar os cabimentos destes recursos, parece que pode ter sido suposto que estes cabem apenas por haver decisão de 'questão idêntica' prejudicial ao julgamento de demandas repetitivas, independentemente dos requisitos constitucionais específicos para a sua admissibilidade. Veja-se que o § 1º do art. 987 do CPC/2015 chega a falar em 'presunção' de repercussão geral da questão constitucional e o caput restringe o cabimento dos recursos ao 'julgamento de mérito'. Ocorre que um recurso cuja admissibilidade tem assento na Constituição não pode ser regulado de outro modo pela lei. Retenha-se o ponto: não há como raciocinar sobre os recursos especial e extraordinário à distância de sua configuração constitucional. (...) Anote-se, em primeiro lugar, que não se pode afirmar, mediante lei, que o recurso especial cabe apenas quando for julgado o 'mérito' do incidente. Ora, de acordo com o art. 105, III, da CRFB/1988, o recurso especial pode ser interposto nas causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: (i) 'contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência'; (ii) 'julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; e (iii) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal'. Afirma-se que cabe à Corte julgar se decisão de Tribunal de Justiça ou Regional Federal contrariou tratado ou lei federal, ou negou-lhes vigência e também se decisão desses tribunais, ao aplicar lei local, afrontou lei federal. Ademais, está dito na Constituição que, mediante o recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça tem a incumbência de definir a interpretação que deve prevalecer quando a decisão recorrida tiver dado à lei Documento: 1811010 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 22/11/2019 Página 30 de 15 Superior Tribunal de Justiça interpretação diversa da que lhe deu outro tribunal. Portanto, a norma constitucional que atribui ao Superior Tribunal de Justiça, mediante recurso especial a incumbência de definir o sentido da lei federal e a interpretação que deve prevalecer em caso de divergência entre tribunais, é clara evidência de que uma norma do Código de Processo Civil não pode, graciosamente, afirmar que, proferida uma decisão em processo de larga importância, como o incidente de resolução de demandas repetitivas, não é possível tentar discutir, mediante especial, decisão de caráter processual. Ora, os requisitos de admissibilidade do incidente, previstos no art. 976 do CPC/2015, podem causar dúvidas interpretativas sérias e, assim, gerar decisões que, ao enfrentar o significado desta norma, devem ser revistas pelo Superior Tribunal de Justiça para a definição do seu sentido ou mesmo para a dissipação de dúvida interpretativa entre tribunais. Lembre-se, a título exemplificativo, que as ideias de 'mesma questão' e 'questão unicamente de direito' - insertas no inciso I do art. 976 do CPC/2015 - podem gerar disputas interpretativas e o Superior Tribunal de Justiça é a Corte incumbida pela Constituição de sepultá-las. É o que basta para esclarecer que o caput do art. 987 do CPC/2015 não pode ser lido como se limitasse o recurso apenas às hipóteses de 'julgamento de mérito'". 

MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. v. XVI [artigos 976 ao 1.044]. 1. ed. em ebook baseada na 1. edição impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, não paginado

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