RECURSO ESPECIAL Nº 1.631.846 - DF (2016/0263354-4)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE 2º GRAU QUE INADMITE A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE. RECORRIBILIDADE AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. POSSIBILIDADE DE NOVO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DO IRDR QUANDO SATISFEITO O REQUISITO AUSENTE POR OCASIÃO DO PRIMEIRO PEDIDO, SEM PRECLUSÃO. RECORRIBILIDADE AO STJ OU AO STF PREVISTA, ADEMAIS, SOMENTE PARA O ACÓRDÃO QUE JULGAR O MÉRITO DO INCIDENTE, MAS NÃO PARA O ACÓRDÃO QUE INADMITE O INCIDENTE. DE CAUSA DECIDIDA. REQUISITO CONSTITUCIONAL DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA. QUESTÃO LITIGIOSA DECIDIDA EM CARÁTER NÃO DEFINITIVO.
1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) preliminarmente, se é cabível recurso especial do acórdão que inadmite a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR; (ii) se porventura superada a preliminar, se a instauração do IRDR tem como pressuposto obrigatório a existência de um processo ou de um recurso no Tribunal.
2- Não é cabível recurso especial em face do acórdão que inadmite a instauração do IRDR por falta de interesse recursal do requerente, pois, apontada a ausência de determinado pressuposto, será possível a instauração de um novo IRDR após o preenchimento do requisito inicialmente faltante, sem que tenha ocorrido preclusão, conforme expressamente autoriza o art. 976, §3º, do CPC/15.
3- De outro lado, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do Incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR.
4- O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, uma vez que ausente, na hipótese, o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa, especialmente quando o próprio legislador previu expressamente a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido.
5- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo o julgamento na preliminar, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, por maioria, não conhecer do recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
Brasília (DF), 05 de novembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela Defensoria Pública do Distrito Federal, com arrimo no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (fl. 94):
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. 1 - SÃO PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS: EFETIVA REPETIÇÃO DE PROCESSOS QUE CONTENHAM CONTROVÉRSIA SOBRE A MESMA QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO; RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA; E PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE RECURSO NO TRIBUNAL. 2 - SE INEXISTENTE, NO TRIBUNAL, PROCESSO SOBRE O TEMA, MAS APENAS DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, DE UM ÚNICO JUIZ, NÃO SE ADMITE O INCIDENTE. 3 - INCIDENTE NÃO ADMITIDO.
Consta dos autos que a recorrente requereu a instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao argumento de que, em repetidas decisões, o Juiz da 4ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Ceilândia/DF, tem determinado emenda à petição inicial para incluir no polo ativo de ações de divórcio consensual os filhos menores do casal como beneficiários de prestação alimentícia.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, à unanimidade, não reconheceu o cabimento do referido incidente por não se tratar de processo de sua competência, conforme sintetizado na ementa acima transcrita.
Em suas razões de recurso especial, a recorrente alegou afronta ao art. 976, incisos I e II, da Lei n.º 13.105/15, sob o fundamento de que não há previsão no Código de Processo Civil de que a admissibilidade de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) dependa da pendência de julgamento de qualquer recurso sobre a matéria. Requereu, por fim, o provimento do recurso especial.
Não houve apresentação de contrarrazões.
O Ministério Público Federal ofertou parecer às fls. 130/132, no sentido de que não seja provido o recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
Eminentes colegas. A questão jurídica posta nos presentes autos situa-se em estabelecer a possibilidade de instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, mesmo não havendo qualquer recurso relativo à matéria em tramitação no âmbito do respectivo tribunal.
Discute-se, mais especificamente, a possibilidade de o legislador ordinário criar competências originárias para os Tribunais de Justiça e a exigência de causa pendente no âmbito do respectivo tribunal para a instauração do IRDR.
No caso dos autos, o Tribunal de Justiça Distrital, ao examinar o incidente ajuizado pela parte ora recorrente, não reconheceu a possibilidade de instauração do incidente alicerçado nos seguintes fundamentos (fls. 96/99): (...)
A Defensoria Pública do Distrito Federal requereu a instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas, dizendo, em resumo, que, em repetidas decisões, o Juiz da 4 a Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Ceilândia/DF, tem determinado emenda à inicial para incluir no polo ativo de ações de divórcio consensual os filhos menores do casal, que são os beneficiários dos alimentos. Enquanto isso, os juízes das demais Varas de Família da Ceilândia não exigem a emenda para incluir no polo ativo os filhos menores do casal. Dizendo que estão presentes os requisitos de admissibilidade do incidente, juntou cópias das decisões proferidas nos autos n.s 2016.03.1.006828-0, 2016.03.1.007513-7, 2016.03.1.007518-6, 2016.03.1.008033-3, 2016.03.1.008031-7, 2016.03.1.008872-4 e 2016.03.1.008881-2, para demonstrar a efetiva repetição de decisões que contém controvérsia sobre a mesma questão de direito (fls. 15/56).
Aduz que, com determinação de emenda da inicial, há prejuízos para as partes, para a Defensoria Pública do DF e os demais juízos das varas de Família da Ceilândia. E ofensa à segurança jurídica, vez que há dúvidas sobre o procedimento a ser adotado nas ações de divórcio consensual. Admite-se a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (CPC/2015, art. 976, incisos I e II). Feita a distribuição à Câmara de Uniformização, o relator levará o incidente para o juízo colegiado de admissibilidade, lavrando-se o respectivo acórdão (RITJDFT, art. 303). São pressupostos de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica; e pendência de julgamento de recurso no tribunal. Apesar de não constar exigência expressa de recurso no tribunal como pressuposto para instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, necessária a existência de recurso pendente de julgamento no TJDFT, consoante se extrai do § único do art. 978 do CPC, segundo o qual o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente. Ou seja, referida disposição deixa implícito que há necessidade de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária de onde se originou o incidente. E o incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser julgado na mesma oportunidade que o recurso, remessa necessária ou processo de competência originária. Sobre o tema, ensina Marcos de Araújo Cavalcanti que "a exigência de causa pendente no tribunal decorre da própria Constituição da República. Imaginar a instauração do IRDR sem a pendência de qualquer causa seria o mesmo que atribuir competência originária ao tribunal. Acontece que a fixação de competência originária de tribunal para processamento e julgamento de qualquer ação, recurso ou incidente processual não pode ser estabelecida exclusivamente por lei ordinária. Logo, mesmo que não houvesse no texto do NCPC a redação do parágrafo único do art. 978, a pendência de causa no tribunal continuaria a ser necessária para viabilizar a instauração do incidente. Do contrário, o IRDR seria inconstitucional por ausência de previsão constitucional para sua instauração independente e originária no tribunal. Não se pode esquecer, os incidentes processuais têm as características da acessoriedade, dependendo da existência de outro processo, e da incidentalidade, sendo um procedimento específico que recai sobre um processo preexistente". (in Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) - livro eletrônico. 1 a ed. Editora Revista dos Tribunais - Coleção Liebman/ Coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier/Eduardo Talamini). E prossegue o mesmo autor: "estando em tramitação na primeira instância várias demandas repetitivas sobre uma mesma questão de direito, enquanto não julgadas e não interposto o recurso (ou não sendo o caso de remessa necessária) em pelo menos uma delas, o IRDR não pode sequer ser suscitado, uma vez que não existe pendência de causa repetitiva perante o tribunal. Por outro lado, se qualquer das demandas já tiver sido julgada e estiver submetida, em sede de recurso ou remessa necessária, perante o Tribunal de Justiça ou o TRF, é possível suscitar a instauração do IRDR" (ob. cit.). Esta também a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves: "apesar de não estar previsto como requisito de admissibilidade do IRDR, já se discute, na doutrina, a necessidade de haver ao menos um processo em trâmite no tribunal, seja em grau de recurso ou em razão do reexame necessário, para que se admita a instauração do incidente processual ora analisado", (in Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. Editora JusPodivm. p. 1.595). E enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Enunciado 342: "o incidente de resolução de demandas repetitivas aplica-se a recurso, a remessa necessária ou a qualquer causa de competência originária". Enunciado 344: "a instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal". Por sua vez, o art. 302, caput, do RITJDF, é expresso no sentido de que o incidente é restrito aos processos de competência do tribunal. Como não se trata de processos de competência do tribunal, o incidente não é cabível. Além do mais, nem mesmo há divergência sobre o tema em que deu origem ao pedido para instaurar o incidente. O que existe são decisões, de um único juiz, em que feitas as exigências que a Defensoria Pública entende descabidas. Para combatê-las, deverá a Defensoria se valer do recurso próprio, do incidente. (g.n.)
Verifica-se, portanto, que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, orientou-se no sentido do não cabimento do incidente sob dois principais argumentos:
i) ausência de recurso pendente de julgamento perante o TJDFT, consoante exigência do art. 978, parágrafo único, do Código de Processo Civil;
ii) inexistência de competência para o conhecimento do incidente, conforme o art. 302, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Em suas razões, a parte recorrente alegou afronta ao art. 976, incisos I e II, da Lei n.º 13.105/15 (Novo Código de Processo Civil), ao fundamento de que não há previsão no Código de Processo Civil de que a admissibilidade de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas dependa da pendência de julgamento de qualquer recurso sobre a matéria.
Nesse contexto, passo ao exame dos tópicos controvertidos fixados no recurso especial a partir da decisão do Tribunal de Jusitça do Distrito Federal e Territórios.
1. Em relação à competência dos Tribunais de Justiça:
O tema relativa à competência legislativa para fixação das competências dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal constitui questão controvertida na doutrina.
Com efeito, parte da doutrina entende que a competência dos tribunais estaduais não constitui matéria de índole constitucional, razão pela qual restaria afastada a necessidade de previsão constitucional expressa para o conhecimento do IRDR por parte do TJDFT.
Nesse sentido, trago à colação a lição doutrinária de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: sistematização, análise e interpretação do instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, págs. 120/121):
(...) 10 4 A CONTROVÉRSIA EM TORNO DA EXIGÊNCIA DE QUE O INCIDENTE TENHA COMO BASE APENAS PROCESSOS JÁ EM TRAMITAÇÃO NO TRIBUNAL Como mencionado anteriormente, no decorrer do processo legislativo, ficaram caracterizadas duas nítidas concepções sobre a moldura de instituto que se pretendia construir, que correspondiam aos textos aprovados no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Em síntese, a concepção que predominou no Senado, tanto na versão aprovada em primeiro turno, quanto na redação final, foi no sentido de que o incidente poderia ser provocado quando houvesse processos em primeira instância ou no tribunal, razão pela qual o incidente poderia ser suscitado tanto pelo juiz de primeiro grau quanto pelo relator, assim como pelas partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. No Substitutivo da Câmara dos Deputados, no entanto, constavam dispositivos que expressamente mencionavam a exigência de que, para ser suscitado, o incidente deveria tomar como base processos que já estivessem em tramitação no tribunal de segundo grau e, por isso, o IRDR não poderia ser provocado pelo juiz de primeiro grau. Não obstante a clara manifestação a respeito, no parecer final que norteou o texto aprovado em última versão no Senado Federal, que foi sancionado e publicado, a controvérsia ainda persiste. Por certo, as duas posições encontram-se embasadas em fundamentos jurídicos sólidos e serão a seguir expostas. (...) a) Competência dos tribunais de segundo grau fixada constitucionalmente O primeiro argumento de que os tribunais de segundo grau teriam a sua competência fixada em normas constitucionais, ou seja, no art. 108 da Constituição da República, para os Tribunais Regionais Federais, e nas Constituições Estaduais por força da determinação contida no § 1º do 125 da Magna Carta. Portanto, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitiva, ou cláusula geral que pudesse abarcar esta possibilidade deveria estar expressamente arrolado nos respectivos textos constitucionais. Invoca-se ainda que a natureza incidental não afastaria a necessidade de previsão constitucional expressa, pois mesmo nestas hipóteses a Carta Federal tese a preocupação de arrolar a competência dos tribunais, como nos conflitos de competência entre juizes, cuja competência para os TRFs foi fixada no art. 108, inciso I, alínea e Na falta de previsão expressa, os tribunais somente poderiam conhecer dos incidentes pertinentes a processos que fossem da sua competência constitucional A tese, de fato, é sedutora, tendo em vista o principio consagrado do juiz natural Entretanto, devem ser levados em consideração também outros aspectos. Em primeiro lugar, o de que a competência dos tribunais de segundo grau não é matéria constitucional. Poderia ser considerada como matéria constitucional, no máximo, a organização e a competência do Supremo Tribunal Federal13 . No âmbito dos tribunais superiores, nem todos possuem a discriminação da sua competência na Constituição da República. No caso dos Tribunais Superiores do Trabalho, Eleitoral e Militar, a competência é fixada pelo legislador infraconstitucional. A competência do Superior Tribunal de Justiça, de tato, é fixada na Constituição da República. Entretanto, o legislador já estabeleceu, mediante norma ordinária, a ampliação desta competência, fixando o denominado Incidente de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (JEFs), nos termos do art. 14, § 4, da Lei n. 10.259, de 12.07.2011. De modo similar, também foi instituído o pedido de uniformização de interpretação de lei nas esfera dos Juizados Especiais da Fazenda, perante o Superior Tribunal de Justiça, na hipótese do art. 18, § 3º, da Lei n.º 12.153, de 22.12.2009. Em ambas as hipóteses, os respectivos incidentes não estavam previstos expressamente no rol do art. 105 da Constituição d República e eram suscitados a partir do julgamento proferido por outros órgãos (Turma Nacional de Uniformização e Turmas Estaduais, respectivamente. Por sua vez, estes incidentes não foram declarados inconstitucionais, mas, pelo contrário, chancelados pelo Supremo Tribunal Federal, diante da necessidade de se preservar a segurança jurídica e da compatibilidade com as funções exercidas pelo Superior Tribunal de Justiça. justificando-se a utilização destes incidentes da própria reclamação, em caráter excepcional, diante, na ocasião, da inexistência de procedimento semelhante no âmbito da Justiça Estadual . Os Tribunais Regionais Federais possuem, de fato, a sua competência fixada na Constituição da República, nos termos do art. 108, bem como os Tribunais de Justiça nas respectivas Constituições dos Estados, conforme determinação do art. 125, § 1°, da Carta Federal. Entretanto, o art. 108 da Constituição da República não especifica todos os incidentes cabíveis e apreciáveis pelos TRFs concentrando-se principalmente nas causas originárias e nos respectivos recursos, modelo que, em regra, é adotado também nas Constituições Estaduais. Por isso, efetuou menção apenas ao conflito de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal, nos termos da alínea e, do inciso I, do art. 108 da Magna Carta.
No entanto, em que pese a relevância da linha de argumentação do eminente Magistrado e doutrinador, com a devida vênia, penso que o posicionamento esposado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios mostra-se mais conforme a sistemática adotado pelo novo Código de Processo Civil para o processamento dos casos repetitivos, não merecendo reparos, inclusive por estar respaldado pela posição majoritária da doutrina nacional.
Com efeito, a doutrina nacional majoritária posiciona-se no sentido de que não é possível ao legislador ordinário criar competências originárias para os Tribunais de Justiça.
Conforme a doutrina, em verdade, o legislador ordinário pode criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos próprios tribunais, não lhe competindo, no entanto, criar novas competências originárias para os Tribunais. Nesse sentido, além das lições doutrinárias colacionadas pelo Superior Tribunal de Justiça Justiça do Distrito Federal, tomo a liberdade de transcrever os ensinamentos de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha sobre o IRDR (Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nulitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 15ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018):
(...) 7. O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS 7.1. Natureza jurídica 0 IRDR é, como seu próprio nome indica, um incidente. Trata-se de um incidente, instaurado num processo de competência originária ou em recurso (inclusive na remessa necessária). Instaurado o incidente, transfere-se a a competência funcional para julgar o caso e, igualmente, fixar o seu entendimento a respeito de uma questão jurídica que se revela comum em diversos processos. Essa transferência não ocorrerá quando o órgão colegiado do Tribunal, competente para o julgamento do IRDR, também tive competência para o julgamento da causa de competência originária ou do recurso. Em tribunais menores, isso será mais freqüente. Há, no IRDR, a transferência de competência a outro órgão do Tribunal para fixar a tese a ser aplicada a diversos processos e, ao mesmo tempo a transferência do julgamento de pelos menos dois casos: esse órgão do tribunal, que passa a ter competência para fixar o entendimento aplicável a diversos casos, passa a ter competência para julgar os casos que lhe deram origem (art. 978, par. ún, CPC). Sendo o IRDR um incidente, é preciso que haja um caso tramitando no tribunal. O incidente há de ser instaurado no caso que esteja em curso no tribunal. Se não houver caso em trâmite no tribunal, não se terá um incidente, mas um processo originário. E não é possível ao legislador ordinário criar competências originárias para os tribunais. As competências do STF e do STJ estão previstas, respectivamente, no art. 102 e no art. 105 da Constituição Federal, as dos tribunais regionais federais estão estabelecidas no art. 108 da Constituição Federal, cabendo às Constituições Estaduais fixar as competências dos tribunais de justiça (art. 125, § 1º, CF). O legislador ordinário pode - e foi isso que fez o CPC - criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos tribunais, mas não lhe cabe criar competências originárias para os tribunais. É também por isso que não se permite a instauração do IRDR sem que haja causa tramitando no tribunal. 7.2. Requisitos de admissibilidade 0 art. 976 do CPC estabelece os requisitos de admissibilidade do 1RDR. 0 IRDR somente é cabível, se (a) houver efetiva repetição de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, (b) a questão for unicamente de direito e (c) houver causa pendente no tribunal. Esses requisitos são cumulativos. A ausência de qualquer um deles inviabiliza a instauração do IRDR. (...) Ainda é preciso que haja causa pendente no tribunal". O IRDR é instaurado a partir de um caso que esteja no tribunal, seja um processo originário, seja um recurso (inclusive a remessa necessária)"1 . Somente cabe o IRDR enquanto pendente causa de competência do tribunal. A causa de competência do tribunal pode ser recursal ou originária. Caberá o IRDR, se estiver pendente de julgamento no tribunal uma apelação, um agravo de instrumento, uma ação rescisória, um mandado de segurança, enfim, uma causa recursal ou originária. Se já encerrado o julgamento, não cabe mais o IRDR. Os interessados poderão suscitar o IRDR em outra causa pendente, mas não naquela que já foi julgada. (g.n.)
2. No que tange à exigência de recurso pendente de julgamento no Tribunal de Justiça:
Em suas razões de recurso especial, a Defensoria Pública do DF asseverou, também, não ser pressuposto de admissibilidade do IRDR a preexistência de recurso sobre a matéria pendente de julgamento no TJDFT.
Destaco, novamente, a posição doutrinária de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes no sentido de que o IRDR deve ser admitido ainda que a multiplicidade de processos ocorra apenas em primeiro grau de jurisdição (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: sistematização, análise e interpretação do instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, págs. 120/121):
(...) 10 4 A CONTROVÉRSIA EM TORNO DA EXIGÊNCIA DE QUE O INCIDENTE TENHA COMO BASE APENAS PROCESSOS JÁ EM TRAMITAÇÃO NO TRIBUNAL Como mencionado anteriormente, no decorrer do processo legislativo, ficaram caracterizadas duas nítidas concepções sobre a moldura de instituto que se pretendia construir, que correspondiam aos textos aprovados no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Em síntese, a concepção que predominou no Senado, tanto na versão aprovada em primeiro turno, quanto na redação final, foi no sentido de que o incidente poderia ser provocado quando houvesse processos em primeira instância ou no tribunal, razão pela qual o incidente poderia ser suscitado tanto pelo juiz de primeiro grau quanto pelo relator, assim como pelas partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. No Substitutivo da Câmara dos Deputados, no entanto, constavam dispositivos que expressamente mencionavam a exigência de que, para ser suscitado, o incidente deveria tomar como base processos que já estivessem em tramitação no tribunal de segundo grau e, por isso, o IRDR não poderia ser provocado pelo juiz de primeiro grau. Não obstante a clara manifestação a respeito, no parecer final que norteou o texto aprovado em última versão no Senado Federal, que foi sancionado e publicado, a controvérsia ainda persiste. Por certo, as duas posições encontram-se embasadas em fundamentos jurídicos sólidos e serão a seguir expostas. (...) b) O parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil Parte da doutrina funda a defesa da tese restritiva, no sentido de que o IRDR somente poderia ser suscitado se houvessem processos já tramitando no tribunal e apenas a partir destes, com fulcro na regra enunciada no parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil. Como este dispositivo estabelece que o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária, de onde foi suscitado o IRDR, defende-se a indispensabilidade da presença destes no tribunal, não apenas no momento do julgamento, mas da sua provocação. A apreciação deste fundamento exige, contudo, uma análise da norma, contida no parágrafo único do art. 978, sob dois prismas: i) a sua constitucionalidade, formal e material; ii) o seu sentido e alcance. O parágrafo único do art 978 já foi objeto de comentário inicial, por ocasião da analise do processo legislativo, ressaltando se que a sua redação e sentido, não se faziam presentes em nenhuma das versões aprovadas inicialmente no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados. Portanto, estaria formalmente contaminada pelo vício de inconstitucionalidade, em afronta ao disposto no art. 65 da Magna Carta, pois teria havido clara inovação no texto submetido unicamente à votação final e promulgação. Em acréscimo, a regra parece conter também vício material, por invadir a competência legislativa interna privativa dos tribunais, para dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais, nos termos do art. 96, inciso I, alínea a, da Constituição da República. Por último, ainda que a norma não estivesse contaminada pelos vícios supramencionados, restaria ainda a análise do seu conteúdo, sentido e alcance. Parece ser evidente que se trata de uma norma de prevenção, provavelmente motivada pelo desejo de que a aplicação da tese em concreto seja realizada com a devida fidelidade, o que seria garantido, ou mais provável, se o mesmo órgão judicial realizar também o julgamento, em sede de competência recursal ou originária, do(s) processo(s) de onde se originou o IRDR. É claro que o IRDR pode ter se originado de processo já em tramitação no tribunal. De modo algum, se pretendeu afastar esta possibilidade, que decorre expressamente do sistema instituído, na medida em que pode ser instaurado pelo juiz ou relator (inciso I do art. 977), ensejando clara interpretação de que tanto os processos em tramitação perante a primeira instância quanto no tribunal poderão ensejar o pedido de instauração, pelo próprio órgão judicial ou pelos demais legitimados (incisos 11 e III do art. 977). O importante, contudo, parece ser que a existência eventual de uma regra de prevenção, no caso, não teria o condão de levar à conclusão de que apenas os processos em tramitação no tribunal poderiam ensejar a instauração do IRDR. Mas, sim, que naqueles instaurados a partir de processos em tramitação no tribunal, o órgão competente julgaria a tese e a causa em concreto, estabelecendo-se, assim, vis attractiva para a prevenção. Os demais aspectos relacionados à competência, no sentido desta prevenção, serão apreciados no capítulo pertinente (g.n.).
No entanto, em sentido diverso, perfilhando o entendimento esposado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, são as precisas lições de Elpídio Donizette (Curso Didático de Direito Processual Civil. 19. ed. São Paulo; Atlas, 2016, págs. 1.398/1.399):
(...) 3.6 Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas Notas introdutórias Umas das maiores novidades trazidas pelo novo CPCe é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, conhecido pela sigla IRDR. Trata-se de um procedimento-modelo ou procedimento padrão, instaurado incidentalmente em julgamento de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária (art. 978, parágrafo único) perante os Tribunais de Justiça ou Tribunal Regional Federal. Segundo a exposição de motivos da Comissão de Juristas do Senado, trata-se de mecanismo concebido para a "identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta". Contudo, de acordo com o texto sancionado, não se permite a padronização preventiva. Em outras palavras, além do risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, deve haver efetiva repetição de processos (art. 976,1); não basta o prognóstico de dissenso prognosticado. A incidência da repetição pode estar ocorrendo no primeiro, no segundo ou em ambos os graus de jurisdição, mas, para instauração do incidente, pelo menos um feito (num sentido lato) versando a mesma questão de direito deve estar tramitando no tribunal de segundo grau. Se a tese jurídica a ser assentada já for objeto de recurso extraordinário ou especial afetado para julgamento na modalidade repetitiva, incabível é o IRDR (art. 976, § 4 o), uma vez que o que restar decidido pelo tribunal superior vinculará tribunais e juízos de primeiro grau. O IRDR é admitido quando identificada a repetição de causas fundadas na mesma questão de direito, circunstância que pode provocar insegurança jurídica e ofensa à isonomia, perante a possibilidade de coexistirem decisões conflitantes sobre a mesma questão jurídica. O empresário Clóvis vê reconhecido na justiça a inexigibilidade de determinado tributo. Já o empresário Sílvio, que atua no mesmo ramo de atividade, tem que pagar o tributo, porquanto o pedido que formulou em juízo foi julgado improcedente. À empregada Berenice a justiça reconhece o direito de receber uma determinada diferença; ao seu colega Humberto o mesmo direito lhe é negado (g.n.).
Por sua vez, o Ministério Público Federal ofertou parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Eugênio José Guilherme de Aragão opinando pelo desprovimento do recurso especial sob os seguintes fundamentos (fl. 132):
(...) Com razão a decisão recorrida. Conforme preleciona a doutrina processualista, se não houver caso em trâmite no tribunal, não se terá um incidente, mas um processo originário, pois "não é possível ao legislador ordinário criar competências originárias para os tribunais". Pode o legislador ordinário "criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos tribunais, mas não lhe cabe criar competências originárias para os tribunais", sendo, por isso, "que não se permite a instauração do IRDR sem que haja causa tramitando no tribunal". Ademais, como bem pontuado pelo acórdão regional, "nem mesmo há divergência sobre o tema em que deu origem ao pedido para instaurar o incidente", pois o que existe "são decisões, de um único juiz, em que feitas as exigências que a Defensoria Pública entende descabidas", sendo que, "para combatê-las, deverá a Defensoria se valer do recurso próprio, não do incidente" (e-STJ ff. 98-99). Assim, correto o acórdão regional, não havendo violação ao art. 976, incisos I e II, da Lei n.° 13.105/15.
Nesse contexto, não merece acolhida o pedido de instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) formulado pela recorrente, porquanto, além de extrapolar a competência da corte de origem, é necessária a existência de causa pendente no próprio Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso especial.
É o voto.
VOTO-VISTA
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto pela DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL, por meio do qual se pretende, em síntese, a reforma do acórdão de fls. 93/100 (e-STJ), por meio do qual a Câmara de Uniformização do TJ/DFT deliberou pela inadmissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR – suscitado pela recorrente, ao fundamento de que a instauração do IRDR tem como pressuposto, obrigatoriamente, a existência de um processo ou de um recurso no Tribunal e, ainda, de que não há divergência que justifique o acolhimento do pedido, pois, na verdade, o que há são decisões de um juízo específico realizando exigências alegadamente descabidas.
Voto do e. Relator, Min. Paulo de Tarso Sanseverino: conheceu e negou provimento ao recurso especial, tendo em vista que: (i) embora o legislador ordinário possa criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem no âmbito dos Tribunais, não pode criar competências originárias para os Tribunais de Justiça; (ii) a instauração do IRDR, necessariamente, exige recurso, remessa necessária ou processo de competência originária em curso no âmbito do Tribunal, por força do art. 978, parágrafo único, do CPC/15.
Em razão da relevância e do ineditismo da matéria nesta Corte, pedi vista para melhor exame da controvérsia.
Revisados os fatos, decide-se.
1. DO CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL EM FACE DE ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE 2º GRAU QUE ADMITE OU INADMITE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – IRDR.
Inicialmente, é preciso examinar uma questão antecedente ao mérito recursal, isto é, saber se é cabível recurso especial em face de acórdão de Tribunal de 2º grau que admite, ou não, o IRDR suscitado por alguns de seus legitimados.
Nesse particular, não se olvida que há respeitada doutrina que sustenta ser cabível o recurso especial ou o recurso extraordinário em face de acórdão que delibera sobre a admissibilidade ou não do incidente, de que são exemplos Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero e, ainda, Camilo Zufelato e Fernando Antônio Oliveira.
Contudo, anote-se que há uma parcela bastante significativa da doutrina que, por diferentes fundamentos, indica a existência de óbices ao cabimento do recurso especial na hipótese em exame, concluindo ser irrecorrível o acórdão de Tribunal de 2º grau que instaura ou que se nega a instaurar o IRDR.
Nesse sentido, destaque-se a lição de Nelson Nery Jr. e de Rosa Maria de Andrade Nery:
2. Juízo de admissibilidade. Cabe ao órgão colegiado competente para o julgamento do incidente, verificar se os requisitos constantes do CPC 976 e seus parágrafos se fazem presentes. O CPC não faz menção ao cabimento de recurso contra a decisão que rejeita a instauração do incidente, até porque isso é desnecessário: caso o incidente não seja admitido, poderá ser novamente proposto, mediante o preenchimento do requisito que não fora atendido anteriormente (CPC 976 §3º). (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2.118).
Como se verifica, o primeiro fundamento que justifica o não cabimento do recurso especial contra o acórdão que versa sobre a admissibilidade ou não do IRDR está assentado na possibilidade, expressamente prevista pelo art. 976, §3º, do CPC/15, de ser requerida a instauração de um novo IRDR quando satisfeito o pressuposto que não havia sido inicialmente cumprido, sanando-se o vício existente ao tempo do primeiro requerimento.
Isso porque, como destacam José Maria Rosa Tesheiner e Daniele Viafore, “da decisão de inadmissibilidade do incidente não decorre preclusão, podendo voltar a ser suscitado inclusive no mesmo processo, na hipótese, por exemplo, de não se haver instaurado ainda a controvérsia, ao tempo da inadmissão, vindo a sê-lo posteriormente, em virtude de posicionamentos divergentes posteriormente adotados por outros juízes”. (TESHEINER, José Maria Rosa; VIAFORE, Daniele. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil in Revista Brasileira de Direito Processual: RBDPro, Belo Horizonte, v. 23, n. 91, jul./set. 2015, p. 172).
Esse também é o posicionamento de Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da Cunha:
O órgão colegiado do tribunal pode admitir ou não o IRDR. A decisão que admite ou que rejeita o IRDR é irrecorrível, ressalvados os embargos de declaração. O juízo negativo de admissibilidade do IRDR não obsta que, uma vez satisfeito o requisito ausente, seja o incidente novamente suscitado (art. 976, §3º, CPC). Se o IRDR for inadmitido por faltar algum requisito, basta suscitá-lo novamente quando da superveniência de fato que faça preencher o requisito ausente. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 736).
De outro lado, a irrecorribilidade do acórdão que admite ou que inadmite o IRDR fica ainda mais nítida quando se vislumbra que o legislador apenas previu o cabimento de recurso especial ou extraordinário contra o acórdão de mérito do incidente, isto é, contra o acórdão do Tribunal de 2º grau que fixa a tese jurídica, como se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, segundo o qual “do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso”.
Esse é o fundamento adotado por José Miguel Garcia Medina para sustentar o não cabimento de recurso especial ou extraordinário em face do acórdão que, limitando-se a aferir a presença, ou não, dos pressupostos autorizadores da instauração do IRDR, admite ou inadmite o referido incidente:
Note-se que, pela dicção do caput do art. 987, o recurso é cabível apenas quando julgado o mérito do incidente, isso é, quando resolvida a questão de direito. Não se admite o recurso, assim, se não ultrapassado o juízo de admissibilidade do incidente. (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.423).
Exatamente no mesmo sentido leciona Daniel Amorim Assumpção Neves:
O cabimento de recurso especial ou extraordinário nesse caso contraria previsão do art. 987, caput, do Novo CPC, que prevê o cabimento de tais recursos apenas contra a decisão que julga o mérito do incidente. Por outro lado, não haverá qualquer causa decidida por essa decisão, como exige o art. 105, III, da CF, nem mesmo reflexamente, porque se o IRDR for inadmitido, o recurso, o reexame necessário ou o processo de competência originária do qual o incidente se originou, não será julgado pelo órgão que decidiu pela inadmissibilidade, retornando para o órgão fracionário originariamente competente para seu julgamento para que ali seja decidido. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 1.665).
Ademais, igualmente se pode acrescentar um outro fundamento que demonstra o não cabimento de recurso especial ou extraordinário na hipótese em que se examina tão somente a admissibilidade ou não do IRDR, a saber, a ausência da “causa decidida”, requisito exigido pelo texto constitucional para que se possa viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais.
Com efeito, não há que se falar em causa decidida, que pressupõe a presença do caráter de definitividade do exame da questão litigiosa, se o próprio legislador previu, expressamente, a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido (art. 976, §3º, do CPC/15).
Sublinhe-se que também Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas se pronunciam pela irrecorribilidade do acórdão que versa sobre a admissibilidade do IRDR:
A decisão proferida no juízo de admissibilidade do IRDR é irrecorrível, seja ela positiva ou negativa. Essa irrecorribilidade, evidentemente, não se estende à oposição de embargos de declaratórios, recurso sui generis, que visam aperfeiçoar a decisão, tornando-a mais clara e inteligível. (ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores: Precedentes no direito brasileiro. 5ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 565).
Como sintetiza Rodolfo de Camargo Mancuso, os principais e mais relevantes fundamentos para que se conclua não ser cabível o recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que versa sobre a admissibilidade ou não do IRDR:
A uma, porque se poderia objetar falta de interesse recursal, já que o IRDR, trancado ab initio, pode ser reapresentado uma vez sanada a falha (§3º do art. 976); a duas, porque, como antes dito, já vem prevista a possibilidade de RE ou REsp contra a decisão que fixa a tese jurídica no IRDR, propriamente dita, e esse ulterior acórdão do STF ou do STJ e que projetará, nacionalmente, efeito obrigatório em face das demais instâncias judiciais (art. 927, III); a três, porque tanto o RE como o REsp devem ser tirados de causa decidida (CF, art. 102, III e 105, III), quesito desatendido em se tratando do juízo de admissibilidade do IRDR. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva: A luta contra a dispersão jurisprudencial excessiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 240).
Em suma, por qualquer ângulo que se examine a questão controvertida, conclui-se ser irrecorrível o acórdão de Tribunal de 2º grau que admite ou inadmite o IRDR.
2. CONCLUSÃO.
Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas vênias ao e. Relator, NÃO CONHEÇO do recurso especial.
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